Flávio Citro - Direito Eletrônico

Supervia obrigada pela Justiça a retirar de circulação, em 48 horas, todos os trens que não apresentem condições seguras de trafegabilidade sob pena de multa diária de R$ 100 mil

Juíza determina que Supervia melhore seus serviços

 

A juíza Maria Isabel Gonçalves, da 6ª Vara Empresarial da Capital, determinou nesta quarta-feira, dia 14, que a Supervia, em período não superior a 48 horas, retire de circulação todos os trens que não apresentem condições seguras de trafegabilidade e proceda imediatamente aos reparos necessários a fim de evitar a ocorrência de novas panes. Pela decisão, a concessionária deverá também informar aos usuários sobre eventuais atrasos das composições, bem como seus motivos, fornecendo uma previsão mínima para o restabelecimento do serviço. Em caso de descumprimento, será cobrada multa diária no valor de R$ 100 mil.

 A medida, de caráter liminar, foi tomada pela magistrada a pedido do Ministério Público estadual que ajuizou uma ação civil pública devido aos inúmeros registros de atrasos, tumultos, acidentes e paralisações envolvendo os trens da empresa. De acordo com a denúncia, a ré desrespeita os direitos básicos dos consumidores, colocando em risco até mesmo suas vidas ao não prestar adequadamente o serviço concedido.

 ”Tem-se induvidoso que se impõe a concessão da liminar, como providência cabível a que ré adote as medidas necessárias a adequada prestação do serviço concedido, e promova o aperfeiçoamento daquelas que, porventura já venha adotando. Isto porque, absolutamente inconcebível que uma empresa que explora atividade essencial de natureza concedida, deixe de observar as normas e regras pertinentes à mesma”, escreveu a juíza Maria Isabel na decisão.

 Segundo a magistrada, nem mesmo os eventuais problemas externos afastam a responsabilidade e a possibilidade da concessionária atuar na melhoria de seus serviços. Para a juíza, cabe somente a ré a adoção de medidas de segurança, seja nos trens, seja dos passageiros, ou na prevenção e na correção dos problemas existentes nas composições.

 ”Parece que os passageiros já estão ´acostumados´ a má qualidade do serviço, como, por exemplo, trens trafegarem com portas abertas, falta de ventilação nos vagões, tornando-os verdadeiras ´saunas´, superlotação dos trens, resultando na falta de prestação do serviço ou péssima condição de transporte. Medidas precisam ser adotadas de forma urgente e eficaz para evitar tais situações atentatórias à dignidade do ser humano”, finalizou.

Notícia publicada em 15/10/2009 14:22

http://srv85.tjrj.jus.br/publicador/exibirnoticia.do?acao=exibirnoticia&ultimasNoticias=16952&classeNoticia=2&v=2

Processo N o 2009.001.280727-4
Comarca da Capital  Cartório da 6ª Vara Empresarial 
Ofício de Registro: 2º Ofício de Registro de Distribuição 
Assunto: Transporte Terrestre / Contratos de Consumo 
Classe: Ação Civil Pública 
Autor  MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
Réu  SUPERVIA CONCESSIONARIA DE TRANSPORTES FERROVIARIOS S A  
 
COMARCA DA CAPITAL JUÍZO DE DIREITO DA SEXTAVARA EMPRESARIAL Processo nº: 2009.001.280727-4 D E C I S Ã O Vistos, etc. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou Ação Civil Pública de natureza consumerista, com pedido liminar em face de SUPERVIA Concessionária de Transportes Ferroviários S/A, alegando em síntese como causa de pedir que a ré presta serviços de transporte de passageiros através de trens urbanos, mediante concessão do Estado, sendo cada viagem tarifada em R$ 2,50. Ocorre que a ré desrespeita os direitos básicos dos consumidores, colocando em risco as suas vidas e integridade corporal, na medida em que deixa de prestar adequadamente o serviço concedido, causando, assim, danos aos consumidores. Acresce que consoante amplamente divulgado nos meios de comunicação, constituindo-se em fato notório, bem como apurado em inquérito civil público, constantes tem sido as panes verificadas nas composições ferroviárias utilizadas pela ré na prestação dos serviços. Constando registros de atrasos, tumultos, acidentes e paralisação do serviço em ocasiões diferentes que impuseram aos passageiros atrasos, falta de informação, permanência por cerca de vinte minutos no interior de trem fechado e abandonado pelo maquinista, obrigação de caminhar pelos trilhos após serem obrigados a descer do trem. Sendo que em uma das ocasiões os passageiros foram obrigados por funcionário da Supervia e pelo maquinista a desembarcar de uma altura de cerca de dois metros e caminhar pelos trilhos. Salienta que tais episódios não se tratam de atos isolados, haja vista o apurado nos procedimentos que instruem a inicial. Sendo que a visão conjunta dos mesmos evidencia o colapso da prestação de serviços de transporte ferroviário prestado pela concessionária ré. Afirma a existência de danos individuais e coletivos e requer a concessão da liminar para determinar que a ré, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00: a) resolva todos os problemas técnicos até então verificados, decorrentes de panes e demais defeitos a estas relativos em período não superior a 48 (quarenta e oito horas), retirando de circulação toda e qualquer composição ferroviária que não apresente condições seguras de trafegabilidade, procedendo, de imediato, a reparos outros necessários a evitar a ocorrência de novas panes ou outras irregularidades análogas, garantindo à população a prestação de serviço público ferroviário eficiente, seguro, contínuo e adequado, sem colocar em risco a segurança e a vida das pessoas; b) adote, de imediato, medidas de segurança adequadas quando tais panes forem inevitáveis, com a previsão de equipes de resgate, instruindo seus funcionários a agirem de forma correta e de acordo com as normas de segurança aplicáveis à espécie; c) respeite, na pessoa de seus prepostos, a integridade física e psicológica de seus usuários, evitando que aqueles coloquem a vida e a segurança das pessoas em risco, devendo informá-las de forma adequada e eficiente por funcionários qualificados ou através de sistema de som apropriado acerca dos problemas técnicos ocorridos quando da paralisação inesperada de seus serviços, a fim de se evitar pânico entre os passageiros; d) informe, de imediato, quaisquer atrasos ocorridos, bem como seus motivos, aos passageiros, tanto nas composições quanto nas estações de cada ramal ferroviário, fornecendo uma previsão mínima para o restabelecimento do serviço. Relatados, decido. Do exame dos elementos trazidos aos autos, aos quais se somam o conhecimento dos fatos através da ampla divulgação realizada pela imprensa falada e escrita, tem-se induvidoso que impõe-se a concessão da liminar, como providência cabível a que ré adote as medidas necessárias a adequada prestação do serviço concedido, e promova o aperfeiçoamento daquelas que, porventura já venha adotando. Isto porque, absolutamente inconcebível que uma empresa que explora atividade essencial de natureza concedida, deixe de observar as normas e regras pertinentes à mesma. A ré recebeu em concessão o serviço de transporte público ferroviário de passageiros por contrato firmado com o Governo do Estado em 17 de setembro de 1998, conforme por ela mesma noticiado nos autos do procedimento do MP nº 575/2008. Ou seja, há mais de dez anos a ré explora empresarialmente referido serviço de transporte. Tal serviço somente atenderá às finalidades da concessão, à luz do artigo 175 da Constituição Federal, dentre outros elementos, se prestado adequadamente e respeitado o direito dos usuários, na forma dos incisos II e IV do mencionado artigo. Aduzindo-se que a lei 8987/95 dispôs no § 1º do artigo 6º como serviço adequado: ´…. o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.´ Inexiste dúvida de que a hipótese reflete relação de consumo. E, em observância a regra do artigo 5º XXXII da Constituição Federal, adota-se, igualmente, a norma constante do artigo 22 da Lei 8078/90 ao impor que os ´Órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos essenciais, contínuos.´ Prevendo no seu Parágrafo Único para os casos de descumprimento, total ou parcial, do referido comando sejam as pessoas jurídicas ´compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.´ Saliente-se não se poder olvidar que a Lei 8078/90, estabeleceu no artigo 6º, dentre outros, como direitos básicos do consumidor: …I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos… III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços… X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Sendo certo que, serviço prestado no mercado de consumo que não atenda às regras mínimas de segurança, informação e confiabilidade, verdadeiramente mostra-se eivado de vício quanto à sua qualidade. E, quanto a tais situações, a lei 8078/90 prevê expressamente no artigo 20 a obrigação do fornecedor de responder pelas ocorrências resultantes de tal vício. Entre o usuário e a concessionária é estabelecido contrato de prestação de serviço. E como tal, impõe obrigações que devem ser observadas. E, na lição da Professora Claudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor – Editora Revista dos Tribunais – 4ª edição – pg. 998/999): ´… Enquanto o direito tradicional se concentra na ação do fornecedor do serviço, no seu fazer, exigindo somente diligência e cuidados ordinários, o sistema do CDC, baseado na teoria da função social do contrato, concentra-se no efeito do contrato. O efeito do contrato é a prestação de uma obrigação de fazer, de meio ou de resultado. Este efeito, este serviço prestado, é que deve ser adequado para os fins que ´razoavelmente deles se esperam´; é o serviço prestado, por exemplo, o transporte de passageiros….. que deve possuir a adequação e a prestabilidade normal. Está claro que o fazer e seu resultado são inseparáveis, conexos de qualquer maneira, mas o CDC como que presume que o fazer foi falho, viciado, se o serviço dele resultante não é adequado ou não possui a prestabilidade regular…. No casos de vício de qualidade do serviço importa caracterizar o que seja um serviço ´impróprio´. Segundo o sistema do CDC, ´impróprios são os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas regulamentares de prestabilidade´ (art. 20, § 2º)´ As ocorrências reiteradamente constatadas, seja em grau de ´pânico coletivo´, como as mais graves que são veiculadas na imprensa por vários dias, sejam aquelas de menor impacto para a população, que parece já ´acostumados´ a má qualidade do serviço, como, por exemplo, trens trafegarem com portas abertas, falta de ventilação nos vagões, tornando-os verdadeiras ´saunas´, superlotação dos trens, resultando na falta de prestação do serviço ou péssima condição de transporte, indicam que medidas precisam ser adotadas de forma urgente e eficaz para evitar que tais situações atentatórias à dignidade do ser humano, em total desrespeito a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, estabelecido no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, se perpetuem. Ao contratar a prestação do serviço de transporte com a concessionária, o usuário espera dispor de transporte razoável. Configurando-se, desta forma, a aplicação do princípio da confiança, pois o usuário do serviço acredita e espera que o mesmo lhe seja prestado em conformidade com as normas previamente estabelecidas, confiante de que os seus interesses restarão adequadamente cuidados. E, sobre tal enfoque, oportuna a doutrina da Professora Cláudia Lima Marques, na obra acima referida, pág. 233: ´(…) A teoria da confiança, como já mencionamos anteriormente, pretende proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nasceram no outro contratante, o qual confiou na postura, nas obrigações assumidas e no vínculo criado através da declaração do parceiro. Protege-se, assim, a boa-fé e a confiança que o parceiro depositou na declaração do outro contratante.. .O CDC institui no Brasil o princípio da proteção da confiança do consumidor. Este princípio abrange dois aspectos: 1) a proteção da confiança no vínculo contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram assegurar o equilíbrio do contrato de consumo, isto é, o equilíbrio das obrigações e deveres de cada parte, através da proibição do uso de cláusulas abusivas e de uma interpretação sempre pró-consumidor; 2) a proteção da confiança na prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços (…).´ Portanto, tais princípios, previamente estabelecidos, devem ser cumpridos pela ré. Corroborado pelo fato de que integram comandos específicos constantes de regulamento dos serviços aos quais a ré obrigou-se a prestar. Ademais, a prestação de serviço em desconformidade ao estabelecido, importa em descumprimento ao artigo 22 da Lei 8078/90, que impõe à ré, na condição de concessionária, a obrigação de fornecer serviço adequado e eficiente. Por fim, tem-se inafastável seu dever de responder pelos vícios da qualidade dos serviços que os tornem impróprios ao consumo, na forma do artigo 20 acima mencionado. Dos fatos apurados constata-se, ainda, que a ré deixou de cumprir o seu dever de prestar informação adequada e clara aos usuários, na forma do inciso III do artigo 6º do C.D.C., resultando na prestação de serviço ineficaz e inadequado, já que o atraso dos trens, sua paralisação e superlotação, importam em verdadeira incapacidade de prestação adequada do serviço. Induvidoso que problemas existem e que muitos são inevitáveis, porém a informação adequada se mostra possível e uma vez prestada, por certo diminuiria significativamente as dificuldades existentes, pois possibilitaria ao usuário, ao menos, a opção de aguardar ou não o trem, uma vez ciente do atraso. Outra não é a situação nas hipóteses de paralisação dos trens por problemas técnicos. Pois, quase inimaginável, que pessoas ficaram ´fechadas´ por ao menos 20 (vinte) minutos em vagões de um trem parado sobre os trilhos, que foi abandonado pelo maquinista, sem qualquer informação quanto ao que havia ocorrido! Nem mesmo eventuais problemas externos afastam a responsabilidade e possibilidade da ré atuar na melhoria da prestação do serviço, vez que somente a ela cabe a adoção das medidas de segurança, seja dos trens, seja dos passageiros, prevenção e correção dos problemas existentes nas composições. Devendo, por conseguinte, manter em circulação tão somente os trens que, efetivamente, apresentem condições para tanto e, quanto aos problemas identificados, deve providenciar o necessário e adequado conserto em tempo razoável a não prejudicar a prestação do serviço, mantendo o usuário informado de forma clara e transparente. Veja-se que nesta decisão não se está determinando que a ré paralise sua atividade ou mesmo deixe de funcionar com os trens ´velhos´. O que se está impondo é que sejam quais forem, velhos ou novos, os trens somente circulem se em condição para tanto, de forma a não expor a risco a integridade dos usuários. E, eventuais paralisações por problemas técnicos devem merecer o reparo equivalente em prazo não superior a 48 (quarenta e oito horas), com a comunicação aos usuários de que no período haverá maior acúmulo de usuários em razão de um ou mais trens se encontrarem em reparo, ocorrerá atraso ou modificação nos horários ou quaisquer outras informações pertinentes. Da mesma forma que a ré deverá manter tratamento preventivo aos trens, demonstrando satisfatoriamente tal atuação. Também deve ser observado o tratamento adequado aos usuários do serviço, não sendo admissível que os mesmos sejam submetidos à exposição física e psicológica em situação de risco. Momentos nos quais – como ocorrido quando os usuários foram obrigados a desembarcar de uma altura de cerca de dois metros, caminhando, em seguida, sobre os trilhos – cabe à concessionária atuar na proteção da vida e integridade dos consumidores, com práticas pertinentes à situação de risco existente. Certo, também, que compete à ré na pessoa de seus prepostos, dispensar aos usuários do serviço tratamento digno e respeitoso. Daí que, tem-se presentes os pressupostos autorizadores à concessão da medida postulada. Ante ao exposto, DEFIRO a liminar postulada para determinar que a ré, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais): a) resolva todos os problemas técnicos até então verificados, decorrentes de panes e demais defeitos a estes relativos em período não superior a 48 (quarenta e oito horas), retirando de circulação toda e qualquer composição ferroviária que não apresente condições seguras de trafegabilidade, procedendo, de imediato, a reparos outros necessários a evitar a ocorrência de novas panes ou outras irregularidades análogas, garantindo à população a prestação de serviço público ferroviário eficiente, seguro, contínuo e adequado, sem colocar em risco a segurança e a vida das pessoas; b) adote, de imediato, medidas de segurança adequadas quando tais panes forem inevitáveis, com a previsão de equipes de resgate, instruindo seus funcionários a agirem de forma correta e de acordo com as normas de segurança aplicáveis à espécie; c) respeite, na pessoa de seus prepostos, a integridade física e psicológica de seus usuários, evitando que aqueles coloquem a vida e a segurança das pessoas em risco, devendo informá-las de forma adequada e eficiente por funcionários qualificados ou através de sistema de som apropriado acerca dos problemas técnicos ocorridos quando da paralisação inesperada de seus serviços, a fim de se evitar pânico entre os passageiros; d) informe, de imediato, quaisquer atrasos ocorridos, bem como seus motivos, aos passageiros, tanto nas composições quanto nas estações de cada ramal ferroviário, fornecendo uma previsão mínima para o restabelecimento do serviço. Faculto a ré demonstrar nos autos, no prazo de cinco dias, os dados relativos à concessão, tais como número de usuários/dia, rotas, número de trens, com discriminação de idade e especificações (vagões especiais, tipo de assento, ventilação adotada e alternativas em caso de pane, sistema de fechamento de portas, etc.), projetos de aquisições e substituição de novas composições, estudo quanto ao crescimento do número de usuários, rol dos trens substituídos no período de dez anos da concessão, o sistema de segurança adotado na proteção dos usuários, controle da lotação dos trens e outras informações que a concessionária repute relevante. Cite-se e intime-se. P-se. Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2009. Maria Isabel P. Gonçalves Juíza de Direito

Faça seu comentário.

Site publicado em 04/05/2009
www.flaviocitro.com.br - siteflaviocitro.com.br