Flávio Citro - Direito Eletrônico

Acidente de Consumo – torta de morango estragada causa infecção intestinal justificando a condenação de R$ 3.000,00 contra o Supermercado Pão de Açucar

Pão de Açúcar indenizará clientes por causa de torta estragada 

Duas consumidoras serão indenizadas pela Companhia Brasileira de Distribuição – Pão de Açúcar – por terem adquirido torta de morango estragada para uma confraternização. Em processos separados, elas alegaram que tiveram infecção intestinal após ingerir o produto. As indenizações foram arbitradas pela juíza da 17ª Vara Cível de Brasília em R$ 2 e 3 mil, respectivamente. A 6ª Turma Cível do TJDFT, ao analisar o recurso no segundo processo, reduziu o valor de R$ 3 mil para mil.

Na inicial, as consumidoras afirmaram que a ingestão da torta acarretou grave moléstia. Uma delas comprovou nos autos que ficou internada em hospital por cinco dias, a outra ficou afastada do trabalho por 30 dias. Ambas alegaram idade avançada e sequelas digestivas por causa do episódio.

Em contestação, o Grupo Pão de Açúcar afirmou não haver provas dos fatos narrados. De acordo com a empresa, o produto supostamente estragado não foi levado à análise e as consumidoras teriam procurado um médico apenas dois dias após a aquisição da torta. Disse não saber como a torta foi armazenada pelas clientes após a aquisição, o que poderia ter contribuído para que o produto perecesse.

Nas sentenças proferidas nos autos, a juíza explica que a relação entre as partes é de consumo, por isso, para a caracterização da responsabilidade civil, basta apenas a comprovação do dano e do nexo de causalidade. De acordo com a magistrada, os efeitos da ingestão de alimento estragado, em regra, não surgem imediatamente. \”É comum que as pessoas procurem o médico só após tentarem alguns remédios caseiros\”, afirmou. O fato de as duas requerentes terem comprovado a aquisição da torta e de que ambas foram parar no hospital com problemas intestinais evidencia, segundo a juíza, o nexo de causalidade.

No primeiro processo não houve recurso da parte ré. No segundo, o Pão de Açúcar recorreu e conseguiu baixar o valor da indenização. De acordo com os julgadores, a indústria do dano moral não deve ser alimentada. A requerentes chegaram a pedir 300 mil reais de indenização por conta do ocorrido. Para o relator, o dano sofrido não justifica a quantia pretendida pela parte que se julgou prejudicada.

Nº do processo: 2007011043190-4 e 2007011054955-7

http://www.expressodanoticia.com.br/index.php?pagid=OEBjvml&id=24&tipo=2L6Zw&esq=OEBjvml&id_mat=9796

Circunscrição : 1 – BRASILIA

Processo : 2007.01.1.043190-4 Data Dist. : 25/04/2007

Vara : 217 – DECIMA SETIMA VARA CIVEL

Requerente : MARIA DAS GRACAS COSTA E SILVA

Requerido : COMPANHIA BRASILIEIRA DE DISTRIBUICAO PAO DE ACUCAR

sentença

http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml34&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&SEQAND=65&CDNUPROC=20070110431904

Circunscrição :1 – BRASILIA

Processo :2007.01.1.043190-4

Vara : 217 – DECIMA SETIMA VARA CIVEL

SENTENÇA

MARIA DAS GRAÇAS COSTA E SILVA ajuizou ação de indenização em face de COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO, partes qualificadas nos autos, alegando, em síntese, que em 17/03/07 adquiriu da ré uma torta de morango para uma confraternização, onde se constatou que ela apresentada um “estado putrefato”, mas acreditando na credibilidade da ré ingeriu o alimento, apesar do seu estado e do gosto amargo, gerando moléstia grave; que foi diagnosticada a infecção alimentar, que acarretou gatroenterocolete aguda, ficando afastada do serviço por 30 dias; que em razão da idade avançada ainda sofre conseqüências da ingestão da torta; que sofreu dano moral.

 

Ao final requer a citação da ré e a procedência do pedido para condená-la a reparar o dano moral e material, além da gratuidade da justiça.

 

A petição inicial veio acompanhada dos documentos anexados às fls. 16/33.

 

Foi deferida a gratuidade da justiça (fl. 35).

 

A ré ofereceu contestação às fls. 42/54, argumentando, resumidamente, que não estão presentes os requisitos da responsabilidade civil, pois não há dano moral, ato ilícito e nexo causal; que a autora não provou que a torta estivesse estragada; que ela só procurou o médico 2 dias depois, portanto o seu estado não era grave; que o documento de fl. 28 está com a data rasurada; que os remédios constantes da nota de fl. 26 foram adquiridos 20 dias depois; que a nota da consulta é do dia 04 de abril, anterior ao fato; que o produto não foi examinado e não se sabe as condições em que fora armazenado pela autora; que o dano patrimonial não foi comprovado.

 

Réplica às fls. 61/70, em que os argumentos da contestação foram rechaçados.

 

É o relatório.

Decido.

Incide à hipótese vertente a regra do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, por isso que promovo o julgamento antecipado da lide.

 

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não tendo nenhuma questão de ordem processual pendente, passo ao exame do mérito.

 

Cuida-se de ação de conhecimento subordinada ao procedimento ordinário em que a autora pleiteia reparação por dano moral e material decorrente da ingestão de alimento estragado.

 

Para fundamentar o seu pleito alega a autora que adquiriu produto da ré e após a ingestão do alimento sofreu intoxicação alimentar.

 

A ré, por seu turno, sustenta que não há prova de que o alimento estivesse estragado e que não estão presentes os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil.

 

A relação havida entre as partes é de consumo, por isso, para a caracterização da responsabilidade civil é necessária apenas a comprovação do dano e do nexo de causalidade.

 

Inicialmente analiso o nexo de causalidade.

 

A ré afirma que não há prova de que o produto estivesse estragado, já que não foi examinado e que a autora só procurou o médico dois dias após a compra do produto.

 

Evidentemente que o exame do produto seria suficiente para comprovar ou afastar a responsabilidade civil da ré, mas no caso de alimento perecível esta análise não é possível, posto que os efeitos da ingestão de alimento estragado, em regra, não surgem imediatamente.

 

O fato da autora só ter procurado o médico dois dias após a ingestão do produto não é suficiente para afastar o nexo de causalidade, haja vista que é comum as pessoas procurarem o médico apenas quando o problema não é solucionado com remédios caseiros e a própria autora disse que se automedicou e como o quadro permaneceu inalterado ela foi ao médico.

 

O documento de fl. 20 comprova que a autora adquiriu o produto no dia 17/03/07 às 18 horas e 10 minutos e como foi consumido no mesmo dia não se pode cogitar de calor ou armazenagem de forma inadequada.

 

O relatório médico de fl. 22 consigna que a autora sofreu intoxicação alimentar e ao consignar a expressão “sic” demonstrou que a autora informou ter ingerido uma torta de maça.

 

Esta expressão é utilizada para citação em que a pessoa que está fazendo a referência quer ressaltar que inclusive os erros gramaticais constam do original, portanto, foi utilizada inadequadamente pelo médico subscritor do laudo, mas indiscutivelmente significa que a informação foi prestada pela autora.

 

Todavia, isto não afasta o nexo de causalidade, pois o médico não teria condições de saber o que foi ingerido pela autora senão com base nas informações por ela mesma prestadas.

 

Em contrapartida não há possibilidade de o médico saber qual o alimento teria causado a infecção, mas apenas que é alimentar.

 

Considerando que as autoras, desta ação e da que se encontra em apenso, ingeriram o mesmo alimento, na mesma data e ambas tiveram problemas intestinais está evidenciado, satisfatoriamente, o nexo de causalidade.

 

Quanto ao dano entendo necessárias algumas considerações.

 

Em que pese as opiniões no sentido contrário entendemos que existem apenas duas espécies de dano: moral e patrimonial.

 

O dano patrimonial consiste na lesão ao patrimônio da vítima, sendo este o conjunto de bens, direitos e obrigações de uma pessoa, apreciáveis economicamente.

 

A autora não especificou na petição inicial qual seria o dano moral, mas em face da juntada dos documentos de fls. 26/29 depreende-se que se trata de despesas médico-hospitalares.

 

A ré afirma que o documento de fl. 26 data de 20 dias após o fato, mas constato que a primeira consulta ocorreu em 19/03/07, conforme documento de fl. 22 e no dia 11/04/07 os sintomas eram os mesmos, portanto, infundada a alegação de que esta consulta não guarda relação com o fato narrado na petição inicial.

 

Quanto à nota fiscal dos medicamentos (fl. 26), constata-se que ela foi emitida em 04/04/07, mas é coerente com o receituário de fls. 23/24, datado de 19/03/07.

 

Não há qualquer irregularidade no documento de fl. 27, haja vista que apesar de ter sido emitido em 04/04/07, consignou que se referia a medicação aplicada em 20/03 e é de conhecimento público que as notas fiscais não são emitidas no ato, mas apenas quando há solicitação do consumidor.

 

Sustenta a ré que o documento de fl. 28 apresenta data rasurada e isto realmente ocorre quanto à data do recebimento, mas não há qualquer rasura com relação à discriminação do serviço, portanto, legítimo o documento.

 

Assim, está evidenciado que a autora logrou êxito em comprovar as despesas com consulta, exames e medicação, cujo valor indicado na petição inicial não foi impugnado pela ré.

 

Já o dano moral consistente em lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, é aquele que atinge a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Aqui se engloba o dano à imagem, o dano estético, o dano em razão da perda de um ente querido, enfim todo dano de natureza não patrimonial.

 

Segundo Aguiar Dias, o “conceito de dano é único e corresponde a lesão de direito, de modo que, onde há lesão de direito, deve haver reparação do dano. O dano moral deve ser compreendido em relação ao seu conteúdo, que não é o dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado”. (Da Responsabilidade Civil, 6ª edição, vol. II pág. 414).

Entretanto, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada está fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

 

Vale dizer que a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são conseqüências e não causas, caracterizando dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém a alcançando de forma intensa, a ponto de atingir a sua própria essência.

 

 

Neste caso entendo que restou evidenciado que a autora sofreu dano moral, pois sofreu problemas de saúde decorrente da ingestão de produto comercializado pela ré.

 

Feitas tais considerações, cabe enfrentar questão tormentosa, qual seja, a da fixação do quantum da indenização por dano moral, uma vez que após a Constituição Federal/88 não há mais nenhum valor legal prefixado, nenhuma tabela ou tarifa a ser observada pelo juiz na tarefa de fixar o valor da indenização.

 

Em doutrina, predomina o entendimento de que a fixação da reparação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz, adequando aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

 

Galeno Lacerda, abordando o tema em artigo publicado na Revista dos Tribunais, vol. 728, págs. 94/101, diz que a dificuldade de medir pecuniariamente o dano decorre de sua própria natureza imaterial, não se constituindo em deficiência ou demérito do sistema brasileiro, mesmo porque não há preço para a dor, e a indenização tem caráter compensatório destinado a mitigar a lesão à personalidade.

 

O bom senso dita que o juiz deve levar em conta para arbitrar o dano moral a condição pessoal do lesado, caracterizada pela diferença entre a situação pessoal da vítima sem referência a valor econômico ou posição social, antes e depois do fato e a extensão do dano (artigo 944 do Código Civil), sem caráter punitivo, portanto, não interessa a situação financeira de nenhuma das partes.

Não se pode perder de vista que a responsabilidade civil se destina exclusivamente à reparação do dano e não a punir o seu causador, por isso, o valor da fixação deve corresponder apenas à extensão do dano.

 

Assim, o valor do dano deve ser fixado com equilíbrio e em parâmetros razoáveis, de molde a não ensejar uma fonte de enriquecimento da vítima, vedado pelo ordenamento pátrio, mas que igualmente não seja apenas simbólico.

 

Releva notar que por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, será sempre detentor de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade – atributos do ser humano – mais preciosos que o patrimônio.

 

Destaca-se que embora a autora tenha afirmado que o seu problema de saúde foi grave os documentos anexados aos autos demonstram o contrário e não houve nem mesmo necessidade de internação, como ocorreu com a autora da ação em apenso.

 

Nesse contexto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade fixo o valor da reparação em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

 

Ressalto que a autora pleiteou na petição inicial reparação em valor superior ao arbitrado, mas isso não implica em sucumbência parcial, posto que o valor da indenização deve ser fixado pelo juiz e o valor constante da inicial não passa de mera sugestão.

 

Face às considerações alinhadas JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para condenar a ré a reparar o dano moral fixado em R$ 2.000,00 (dois mil reais) com correção monetária a partir da data desta decisão e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, indenizar o dano material no valor de R$ 293,48 (duzentos e noventa e três reais e quarenta e oito centavos) com correção monetária desde o ajuizamento da ação e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e multa de 10% caso não haja cumprimento voluntário no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, nos termos do artigo 475-J do Código de Processo Civil, independentemente de intimação e, de conseqüência, julgo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do mesmo diploma legal.

 

Em respeito ao princípio da sucumbência condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação, conforme artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil.

 

Após o trânsito em julgado e expirado o prazo de cumprimento voluntário aguarde-se por 30 dias a manifestação do interessado, no silêncio dê-se baixa e arquivem-se os autos.

 

Brasília – DF, quinta-feira, 30/10/2008 às 17h50.

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Site publicado em 04/05/2009
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