CRÉDITO SEM PRIVACIDADE
Senado quer aprovar cadastro positivo, mas entidades veem desrespeito a direito do consumidor.
RIO e BRASÍLIA. Um big brother controlando os gastos, créditos e financiamentos dos cidadãos. É assim que as entidades de defesa do consumidor estão vendo o projeto que o Senado tenta aprovar, à toque de caixa, de criação de um cadastro positivo – pelo qual, a princípio, os “bons pagadores” poderiam ser beneficiados com taxas de juros mais baixas do que as oferecidas no mercado.
O tema, que vinha sendo discutido há cerca de uma década, ganhou novo rumo através de uma aliança entre líderes dos partidos que pretendem aprovar, até o fim deste ano, uma alteração no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, além de liberar o envio de informações aos sistemas de proteção ao crédito sem a anuência do consumidor, não determina o tempo de permanência dos dados no cadastro.
A ideia inicial do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), era obter um acordo de líderes e votar já hoje o projeto. Se dependesse de Jucá, os parlamentares aprovariam em plenário um texto mais genérico, deixando temas polêmicos para serem regulamentados depois. No entanto, o acordo não foi fechado e o projeto passará pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Há divergências entre ministérios da Justiça e da Fazenda.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), designado na tarde de ontem relator do projeto no CAE, tem até terça-feira para apresentar seu relatório, mas pretende fazê-lo ainda esta semana. A discussão e votação do texto, porém, só ocorrerá na semana que vem na CAE:
- Ainda tenho que me inteirar sobre o texto. Há divergência dentro do governo e por isso quero fazê-lo o mais rapidamente possível.
Mercadante já marcou conversas técnicas para hoje. O Ministério da Justiça endossa o texto do PL 85, aprovado na Câmara e costurado pelo deputado Maurício Rands (PT-PE). Já o Ministério da Fazenda prefere o PL 405-C, de 2007, aprovado na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O senador Renato Casagrande (PSB-ES), presidente Comissão de Defesa do Consumidor do Senado, diz que ainda há pontos polêmicos a serem esclarecidos até terça-feira:
- Vamos discutir questões discriminatórias, como o fato de a medida beneficiar quem tem dinheiro e a necessidade de o consumidor ter liberdade de escolha.
Para especialistas, o projeto significa um enorme retrocesso nos direitos dos consumidores e a pressa na aprovação é uma tentativa de derrubar o PL 85, que há anos vem sendo discutido democraticamente por parlamentares e a sociedade. Para Walter Moura da Costa, secretário-geral do Brasilcon – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, o projeto que seria aprovado pelos líderes é um crime:
- Tal medida não tem paralelo no mundo. O consumidor vai ser atacado em sua privacidade, bombardeado por uma mídia seletiva que vai conhecer seus hábitos cotidianos pelo cadastro e ainda corre o risco de perder sua autonomia. Estamos mobilizando entidades em todo país contra essa medida.
Governo quer aprovar o texto ainda este ano no Senado.
Marilena Lazzarini, do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que acha muito grave a mudança no CDC:
- É um absurdo. Do jeito que está escrito, é uma vergonha. O consumidor perde totalmente a privacidade. E estará entregue à sanha do marketing dos bancos e financeiras. O consumidor não terá como dizer que não quer entrar no cadastro, pois correrá o risco de não ter o financiamento. E, por outro lado, se os bancos acharem que ele já está endividado, poderá ter o crédito negado, mesmo que sempre pague em dia. Além disso, não está prevista a forma de como ele sair.
O promotor Rodrigo Terra, presidente do Ministério Público do Consumidor, afirma que o novo texto é um grande retrocesso:
- O PL 85 foi democraticamente discutido em todos os níveis de detalhamento. Agora, colocaram em votação, no apagar das luzes, um PL que só prejudica o consumidor.
A meta do governo é aprovar o texto ainda este ano no Senado.
Segundo Mercadante, o projeto teria caráter terminativo na CAE, ou seja, se aprovado na comissão, não precisaria ser enviado a plenário. Isso só ocorreria se houvesse um requerimento. O senador afirmou que é a favor da ideia do cadastro como instrumento para reduzir os juros e o spread bancário (diferença entre a taxa paga pelo banco e os juros cobrados do consumidor final):
- Sou simpático à ideia.
Luciana Casemiro, Nadja Sampaio e Gustavo Paul
Jornal: O GLOBO
FAZENDA DEFENDE CADASTRO POSITIVO
BRASÍLIA. O Ministério da Fazenda contesta os órgãos de defesa do consumidor e garante que os projetos de lei sobre o cadastro positivo de bons pagadores não vão ferir a privacidade dos clientes. Segundo técnicos da Fazenda, os dois projetos que tramitam no Congresso deixam claro que o comprador só poderá ter seu nome incluído na relação dos bons pagadores se houver “prévia concordância e autorização expressa”.
A cláusula que determina a anuência do consumidor foi introduzida em emenda ao projeto de lei (PL) 405-C, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado na semana passada. O texto, do ex-senador Rodolpho Tourinho (DEM-BA), está agora na Comissão de Assuntos Econômicos, e o parecer do relator, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), deve ser apresentado até a próxima terça-feira.
Outro projeto, aprovado pela Câmara em maio, prevê que o consumidor autorize sua inclusão em um banco de dados, o que automaticamente permitiria a circulação de informações sobre todas suas compras e financiamentos dali em diante. Já o texto do Senado prevê a autorização quando da compra de produtos ou serviços que envolvam crédito ou financiamento. Neste caso, dizem os técnicos, a autorização será requerida sempre que houver uma compra. A Fazenda não esconde a preferência por esse texto.
Gustavo Paul 10/12/2009 Jornal: O GLOBO
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