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Débito Direto Autorizado (DDA) de cobranças eletrônicas que dispensam a emissão e o envio de boletos de papel pode ser invasivo segundo órgãos de defesa do consumidor.

Débito autorizado: armadilha no mercado

RIO – Órgãos de defesa do consumidor e especialistas temem que o novo serviço bancário de Débito Direto Autorizado (DDA), que gera cobranças eletrônicas e dispensa a emissão e o envio de boletos de papel, seja mais uma forma de manter os clientes endividados e dependentes de créditos. O serviço, oferecido desde o dia 19 de outubro, é solicitado pelo próprio consumidor e permite que todos os pagamentos assumidos por ele sejam acessados pelo banco e associados ao Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). As cobranças são geradas automaticamente, basta que o cliente cobrador também esteja cadastrado na instituição financeira, e não há opção de desvincular alguma das dívidas. Até agora, mais de dois milhões de usuários já aderiram ao serviço, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o sistema pode ser invasivo, já que o banco terá controle sobre a maioria das dívidas do cliente e poderá, assim, oferecer mais produtos de crédito. O Idec ressalta que o mecanismo lembra o chamado cadastro positivo, projeto de lei que pretende criar um banco de dados dos bons pagadores, com histórico de todos os pagamentos.
– Minha preocupação é que as pessoas possam ser induzidas ao endividamento – declarou a economista do Idec, Ione Amorim – O consumidor já recebe uma abordagem de ofertas de crédito por telefone, correspondência, anúncios pela rua, este será mais um canal, só que mais consistente.
A Febraban confirmou que, quando o DDA estiver mais amadurecido, os bancos poderão oferecer empréstimos direcionados aos clientes que não estiverem com suas contas em dia, com a contrapartida de juros menores, assim como promete o cadastro positivo.
Muitos especialistas em defesa do consumidor acreditam que o cadastro pode levar a uma situação discriminatória. Dentre outros pontos polêmicos, está o protesto de dívida sem o aviso prévio ao devedor e a possibilidade de inclusão do cliente nos cadastros de devedores, sujando o nome do consumidor na praça.
Segundo a assessoria de imprensa do Serasa Experian, o inadimplente somente entra para o cadastro de devedores quando o credor avisa e comprova que o consumidor não pagou a conta no prazo devido. Isso pode acontecer a partir do dia seguinte do vencimento de qualquer boleto. No momento em que recebe o aviso, o Serasa envia uma carta para o devedor, conforme afirmou a assessoria. O destinatário tem dez dias para regularizar a situação, antes que seu nome seja incluído nos serviços de proteção ao crédito.
Coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), Maria Inês Dolci ressalta que o consumidor pode ser surpreendido pela enxurrada de outros produtos oferecidos quando adere ao DDA, apesar de ter buscado apenas uma facilidade. Teoricamente, a instituição financeira não poderia disponibilizar um serviço não-solicitado pelo cliente.
– As informações não estão sendo passadas de forma clara. O que os bancos querem realmente é ter dados sobre o cliente, o que, em tese, já acontece – declarou Maria Inês – É preciso saber se, ao se cadastrar, a pessoa está ciente do que está contratando. Mas é cedo para avaliar. O DDA está apenas começando, precisamos acompanhar.
Rodrigo Winitskwoski não pretende se cadastrar no novo sistema. Ele não considera os benefícios interessantes e acredita que o DDA pode ser uma forma que o banco encontrou para ter maior controle sobre os clientes. Além de ser dono da empresa AWMarketing, Winitskwoski também trabalha com implantação de sistemas para pagamentos de contas. Ele oferece a opção de empresas receberem os boletos tradicionais virtualmente.
– Os bancos vão saber o que ocorre na sua vida inteira. É uma forma deles saberem para quem podem oferecer dinheiro, já que as pessoas ficarão completamente expostas – opinou.
O coordenador do MBA de Finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Roberto Zentgraf, questiona as intenções do banco.
– Acho muito difícil que essas novas informações sejam utilizadas para algo positivo. Recebemos ofertas de créditos especiais absurdas na hora de comprar. No entanto, temos um limite de saque muitas vezes insignificante comparado ao valor real que temos em nossas contas – confrontou Zentgraf – Desconfio que eles vão aproveitar para vender milhões de créditos e essa é minha grande desconfiança. Deixar o cara mais dependente.
O Procon-SP afirmou, em nota, que é de responsabilidade do usuário a adesão ou não do serviço e que antes de assinar o contrato deve ler com atenção e verificar se está de acordo, além de guardar uma cópia. “O Procon-SP esclarece que o consumidor não é obrigado a aderir ao DDA, só irá utilizar se for de seu interesse. As informações prestadas ao consumidor para o cadastramento e utilização devem ser as mais esclarecedoras possíveis e, ao consentir com o uso do DDA, o consumidor deve assinar um termo de adesão e exigir a sua via.”
A integrante do grupo de trabalho do DDA da Febraban Lúcia Helena Rehder vê o empréstimo oferecido como uma assessoria do banco ao cliente. Segundo ela, antes, a informação da cobrança ficava apenas com o cobrador e, no caso de inadimplência, podia protestar a dívida com o banco.
– Com o DDA, o banco passa a saber dos não-pagamentos e pode oferecer uma assessoria ao cliente. Avisar que ele está devendo e sugerir um empréstimo – declarou Rehder, acrescentando que os bons pagadores poderão ter financiamentos com juros mais baixos.
Segundo o Banco Central, a cobrança por este serviço não é permitida. No entanto, muitos bancos estão elaborando seus contratos com cláusulas que advertem os usuários à possível cobrança mais adiante.
A Pro Teste orienta os consumidores a não solicitar o serviço sem que o contrato esteja de acordo com as normas, para poder se proteger de problemas futuros.
– O cliente precisa exigir que, no contrato, esteja escrito que o serviço é totalmente gratuito – disse Maria Inês – O cuidado deve ser grande. É possível que os bancos comecem a fazer essa cobrança de repente e não avisem aos consumidores. Sendo assim, muitos podem começar a pagar sem perceber.
A Febraban já anunciou que haverá uma redução de despesas com a emissão e postagens dos boletos de papel. Mas os bancos não pretendem repassar esta economia para os clientes.
– Estamos em fase de implantação ainda, não sabemos ao certo quanto o investimento que fizemos até o momento – disse Rehder – Entretanto, este sistema já está gerando muitas facilidades.

Marta Nogueira, Jornal do Brasil

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Site publicado em 04/05/2009
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