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SUPERENDIVIDAMENTO – LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM CONTA CORRENTE DE 30% (TRINTA POR CENTO) DOS GANHOS LÍQUIDOS

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LIMITAÇÃO. SUPERENDIVIDAMENTO. Inteligência do art. 6º § 5º da Lei 10.820/03. Apelante que se insurge contra a sentença que julgou improcedente o pedido de nulidade de cláusulas contratuais cumulado com limitação dos descontos de débitos em sua conta bancária. Possibilidade da limitação pretendida. Preservação do mínimo existencial. Princípio constitucional da dignidade (art.1º, inciso III CF/88). Boa fé objetiva nas relações de consumo que impõe conduta de lealdade e cooperação com o hipossuficiente. Verbas de natureza alimentar que são impenhoráveis. Inteligência do art. 649 IV CPC. Lei do empréstimo consignado que aponta que os descontos e as retenções financeiras relativos aos titulares de aposentadoria e pensão não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios. Precedentes jurisprudenciais. Recurso a que se dá provimento, na forma do art. 557 § 1º-A CPC. 2009.001.19452 – APELACAO -QUINTA CAMARA CIVEL, Apte: HAILTON MENDONCA DA SILVA X Apdo  : BANCO ITAU S A,   DES. CRISTINA TEREZA GAULIA – Julgamento: 24/04/2009 – QUINTA CAMARA CIVEL,  Publicação DOERJ de 04/05/2009
 
 ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 5ª CÂMARA CÍVEL
Apelação cível n.° 2009.001.19452
Apelante: Haílton Mendonça da Silva
Apelado: Banco Itaú S/A
Juiz: Dr. Carlos Otavio Teixeira Leite
Relator: Des. Cristina Tereza Gaulia
DECISÃO MONOCRÁTICA
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LIMITAÇÃO. SUPERENDIVIDAMENTO. Inteligência do art. 6º § 5º da Lei 10820/03. Apelante que se insurge contra a sentença que julgou improcedente o pedido de nulidade de cláusulas contratuais cumulado com limitação dos descontos de débitos em sua conta bancária. Possibilidade da limitação pretendida. Preservação do mínimo existencial. Princípio constitucional da dignidade (art.1º, inciso III CF/88). Boa fé objetiva nas relações de consumo que impõe conduta de lealdade e cooperação com o hipossuficiente. Verbas de natureza alimentar que são impenhoráveis. Inteligência do art. 649 IV CPC. Lei do empréstimo consignado que aponta que os descontos e as retenções financeiras relativos aos titulares de aposentadoria e pensão não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios. Precedentes jurisprudenciais. Recurso a que se dá provimento, na forma do art. 557 § 1º-A CPC.
Trata-se de apelação cível interposta por Haílton Mendonça da Silva à sentença que, em sede de ação ordinária que move em face de Banco Itaú S/A, julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade de cláusula contratual c/c obrigação de não fazer (confisco salarial) e indenizatória, ao fundamento de que o interesse do apelante, embora legítimo, não merecia proteção; que é presumida a autorização contratual do banco debitar da conta do apelante valores devidos pelos empréstimos pessoais, conduta, pois lícita e prevista contratualmente; que sendo lícita a cobrança não há que se falar em indenização.
Apela o autor ao argumento de que a relação das partes se submete às normas protetivas do consumidor; que o banco se vale da hipossuficiência dos consumidores para incutir através de maciça propaganda enganosa estar disponível “crédito super fácil”, em “condições especiais”; que embora tenha o juízo a quo invertido o 5ªCC Ap. Cív. 2009.001.19452 Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia ônus da prova, a par da não exibição do contrato, presumiu haver autorização contratual para o banco fizesse todos os descontos em conta necessários para a satisfação quanto aos empréstimos ex ante feitos pelo correntista. Conclui requerendo o provimento do apelo. Contrarrazões às fls. 109/122, pugnando o réu pela manutenção da sentença.
Passa-se a julgar na forma do art. 557§1º-A CPC.
Ab initio refira-se, que a relação sub judice é de consumo, sendo o autor vulnerável na forma do art. 4°, I CDC.
A questão da limitação dos descontos, feitos pelas instituições financeiras na conta-corrente dos correntistas em débito, vem sendo reiteradamente objeto de apreciação por parte dos juízos cíveis e pelos Juizados Especiais que compõem a Justiça Estadual.
Refira-se que salta aos olhos a situação de grave dificuldade financeira do apelante que possui quase a totalidade de seus proventos comprometidos por empréstimos bancários (vide comprovante de pagamento de fl. 21).
O desconto integral pelo banco dos valores devidos pelo autor relativos a financiamentos, empréstimos, etc., da conta corrente destinada ao depósito de salário é medida arbitrária e contrária, entre outros princípios constitucionais, à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), ferindo, outrossim, o norteador de boa-fé objetiva (art. 4º, III e 51, IV CDC), princípio esse que impõe ao fornecedor uma conduta pautada na lealdade, cuidado e cooperação com o vulnerável.
Sob outro prisma, a lei processual civil impõe a impenhorabilidade absoluta da verba referente a salário, a teor do que dispõe o art. 649, IV do CPC, verbis:
“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:”
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“IV – os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia;”
A jurisprudência desta E. Corte tem maciçamente afastado a penhora em conta-salário, o que aqui se aplica por analogia. Refira-se:
2007.002.14522 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DES. PAULO GUSTAVO HORTA – Julgamento: 29/06/2007 – QUINTA CAMARA CIVEL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA ON LINE DE CONTA-SALÁRIO VERBA DE NATUREZA ALIMENTÍCIA – IMPENHORABILIDADE. A responsabilidade patrimonial do devedor pelo cumprimento de suas obrigações abrange todos os seus bens, salvo as restrições legais, como os rendimentos (provento e vencimento) do servidor público, os quais, por sua natureza alimentar, que os tornam impenhoráveis, não estão sujeitos à execução (arts. 591, 648 e 649, IV, todos do CPC).Assim, conquanto a penhora on line da conta corrente do agravante seja meio moderno e altamente eficaz para assegurar a realização do direito exeqüendo, a decisão recorrida merece parcial reforma para cancelar a constrição judicial apenas sobre aquelas verbas, ressalvados todos os demais depósitos de outra natureza, bem como os de outras eventuais contas enquanto perdurar a dívida.Recurso parcialmente provido.
2007.002.15281 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DES. SERGIO CAVALIERI FILHO – Julgamento: 21/06/2007 – DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL – PENHORA ON LINE. Penhora Sobre Conta-Salário. Impenhorabilidade. Art. 649, IV, do CPC. Princípio da Menor Onerosidade. A penhora deve ser utilizada a benefício do credor, embora deva procurar impor ao executado o menor ônus possível. Assim, sempre que possível, deve recair nos bens de primeira classe, e só à falta destes nos da classe imediata. O inciso I do artigo 655 do CPC explicitou a preferência de dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira sobre os demais bens penhoráveis do executado, e o artigo 655-A disciplinou a indisponibilidade por meio eletrônico. Contudo, a penhora não pode incidir sobre bens impenhoráveis como são os vencimentos do servidor público, na forma do art. 649, IV, do CPC. Tal norma visa a garantir a subsistência digna do executado. Na espécie, demonstrado que o bloqueio de valores incidiu sobre sua conta-salário, deve-se afastar o gravame. Caso existam valores excedentes, investimentos ou aplicações financeiras torna-se viável a penhora, cabendo ao Juízo a quo determinar as providências necessárias para a efetivação da constrição.Provimento do recurso. Art. 557, § 1º-A, do CPC.
No mesmo jaez já são frequentes as decisões no sentido de que é possível, (e necessário em hipótese como a dos autos!), que se limite o desconto a percentual razoável para que o consumidor não se veja submetido à situação iníqua, na forma do art. 42 CDC e do art. 6º § 5º da Lei 10820/03, in verbis:
Art. 42 CDC: “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.
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Lei 10820/03: Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios.
Consignem-se algumas decisões nesta linha:
AGRAVO INOMINADO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO COM AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO DIRETO EM CONTA CORRENTE NA QUAL O AUTOR PERCEBE OS SEUS VENCIMENTOS. COMPROMETIMENTO INTEGRAL DA RENDA DA CORRENTISTA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERE O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA A FIM DE DETERMINAR A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS MENSAIS AO PERCENTUAL DE 30% DOS VENCIMENTOS DO CONSUMIDOR. DECISÃO ESCORREITA, HAJA VISTA A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES AUTORAIS E O FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO AO AUTOR. PROVIMENTO JURISDICIONAL QUE ATENDE PERFEITAMENTE AOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC, BUSCANDO A ASSEGURAR O MÍNIMO EXISTENCIAL AO CORRENTISTA E À SUA FAMÍLIA. PRECEDENTES DA JURISPRUDÊNCIA DO C. STJ, BEM COMO DESTE E. TJ/RJ. MULTA COMINATÓRIA ADEQUADAMENTE ARBITRADA. MEDIDA JUDICIAL, OUTROSSIM, QUE EM MOMENTO ALGUM SE MOSTRA TERATOLÓGICA CONTRÁRIA À LEI OU À EVIDENTE PROVA DOS AUTOS, NÃO HAVENDO RAZÃO PARA A SUA REFORMA (VERBETE SUMULAR Nº. 59, TJ/RJ). ASSIM, NÃO HAVENDO FUNDAMENTO JURÍDICO CAPAZ DE ENSEJAR O PROVIMENTO DA PRETENSÃO RECURSAL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, NEGA-LHE PROVIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/RJ Agravo de instrumento 2008.002.00551. Des. Elisabete Filizzola. Julgamento: 23/01/2008. Segunda Câmara Cível).
AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE IMPEDIA O DESCONTO EM CONTA CORRENTE, TAMBÉM CONTA SALÁRIO, DE DÉBITO BANCÁRIO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA NO SENTIDO DE PERMITIR O DESCONTO DE 20% DO TOTAL DO DÉBITO MÊS A MÊS, ATÉ O PAGAMENTO DA DÍVIDA. 1- Se o consumidor concordou expressamente com o desconto em conta corrente da dívida bancária não pode se insurgir contra a utilização do método de pagamento.2- Dependendo do caso concreto, como o dos autos, em que o valor das dívidas ultrapassa até mesmo o valor do salário, justifica-se a limitação do percentual a ser descontado, em homenagem ao princípio segundo o qual a cobrança não pode levar o devedor e sua família à miséria, consagrado pela Lex Aquilia, do século III a.C em Roma3- Consagrou-se na jurisprudência a possibilidade de descontar-se 20% do montante devido mês a mês. A dívida será saldada com o tempo e o devedor terá reduzido minimamente seu padrão de vida.4- Recurso conhecido e provido para permitir o desconto de 20% do total da dívida bancária mês a mês na conta corrente do devedor. (TJ/RJ Agravo de instrumento 2007.002.12650. Des. Gabriel Zefiro. Julgamento: 07/08/2007. Oitava Câmara Cível).
Em concreto, entende-se por razoável que o total dos descontos em conta corrente, tendo por causa empréstimos pessoais consignados em folha, é o patamar de 30% sobre os proventos do apelante.
Isso posto, na forma do art. 557 §1º-A CPC, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para fins limitar os descontos em conta corrente do apelante ao patamar de 30% (trinta por cento) sobre seus ganhos líquidos. Rateada a sucumbência.
Des. Cristina Tereza Gaulia Relator

ver também:

http://www.flaviocitro.com.br/v1/index.php/2009/05/17/superendividamento-jurisprudencia-tjrj-2009/

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Comentado por Ivan em 14/7/11

Prezado Sr.
Boa noite! Sou Funcionário Publico Estadual da Bahia
Bom pra começar eu tenho uma situação muito parecido com esses relatos especificados, pois tenho um super-endividamento que parece não ter fim ,sempre que eu estou se recuperando das dívidas feitas aparece um dano,que muitas das vezes conforme a necessidade força fazer mais outro empréstimo.
Pois hoje tenho meu nome no spc/serasa,devido dívida que tenho com Banco do Brasil(cartão de crédito),Banco Bradesco(cartão de crédito),caixa econômica federal (empréstimo reforma da casa), e pra completar tenho 05(cinco) empréstimo consignado a mais ou menos 10 anos.
Já procurei ajuda de político pra ver se pelo menos retirava os empréstimos consignado,pois por questão de já comprometer a renda familiar,mais mesmo assim nada de ajuda. Bom gostaria de obter respostas, subscrevo,
At: Ivan D. Rangel

Site publicado em 04/05/2009
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