Flávio Citro - Direito Eletrônico

Direitos dos consumidores: Compras coletivas na mira da Justiça e do Legislativo

Os sites de compras coletivas, populares há pouco mais de um ano, inovaram o cenário do e-commerce brasileiro, trazendo uma novíssima técnica para Internet, porém que aplica velhos conceitos de negócios sobre demanda. Os sites prometem descontos até então inimagináveis para produtos e serviços, desde que um número mínimo de “cupons” ou “pedidos” para determinado item seja vendido. Temos hoje aproximadamente 1200 sites de compras coletivas no Brasil segundo a consultoria e-bit.

 O problema é que inúmeras questões jurídicas até então impensadas passam a ecoar com a popularização destes sites. Se um fornecedor desiste da oferta, será o site de compras que se entenderá com ele na justiça. Porém o site está vinculado à sua “proposta” para com o consumidor, esta que equivale à chamada “oferta pública”, devendo ser responsável em face do usuário pela negativa do ofertante em atender um cupom. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, onde um consumidor consegiu um cupom de desconto e ao chegar em uma  pizzaria, viu seu cupom recusado pelo comércio.

 O consumidor processou o site de compras coletivas, que foi condenado pelo Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro, a indenizar por danos morais e materiais, no processo número 0014300-76.2011.8.19.0001:

 AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO na forma abaixo: Aos 06 dias do mês de maio de 2011, na sala das audiências deste Juízo, onde presente se achava o MM Dr. Juiz Flávio Citro Vieira de Mello, comigo, Sarita Algebaile Bondim – matrícula 01/30.256, às 16:45 h. foram apregoados os nomes das partes, tendo respondido ao pregão o reclamante e seu patrono, bem como o preposto da reclamada e seu patrono. Renovada a proposta de conciliação, a mesma restou infrutífera. Pela reclamada foi oferecida contestação escrita, sem preliminares. Inexistem outras provas a serem produzidas, estando encerrada a instrução. Dispensada a produção de razões finais. Pelo MM Dr. Juiz de Direito foi proferida a seguinte sentença: O autor adquiriu em 17/09/2010 um ticket da promoção do groupon de fls. 14 de uma pizza grande de R$ 30,00 por R$ 15,00 com vista para o mar no restaurante La Mesoun na Av. Atlântica. Houve erro por parte da ré que debitou no cartão de crédito o valor de R$ 30,00 relativo a promoção em duplicidade (doc. de fls. 12). O erro foi confessado pelo e-mail de fls. 15 em 20/10/2010 sendo sugerido ao autor que utilizasse o segundo voucher, tendo o mesmo concordado em 22/10 no doc. de fls. 16. A ré por e-mail em 11/11 (fls. 18) encaminhou ao autor dois códigos da promoção que deveriam ser exibidos ao comerciante para degustação das pizzas. Ocorre que em 14/11/2010 o autor compareceu ao restaurante La Mesoun (doc. de fls. 11), tendo sido recusada a promoção com exigência inclusive do pagamento das bebidas consoante nota fiscal emitida pelo comerciante. Trata-se de quadro grave de inadimplência e má prestação de serviços da ré com o agravamento do quadro que revela a inexistência de qualquer serviço de pós venda, fragilizando o consumidor em evidente demonstração de descontrole do volume de ofertas e do cumprimento das mesmas junto a milhares de consumidores que aderem as promoções do groupon, razão pela qual o autor faz jus ao ressarcimento de R$ 30,00 com correção e juros desde o desembolso (17/09/2010). Considerando o volume de vendas desta natureza pela internet há necessidade de fixação de uma indenização com caráter pedagógico para que situações como essa não mais ocorram. Na mensuração da indenização do dano moral, deve valer-se o julgador da lógica do razoável, evitando a industrialização do dano moral, razão pela qual arbitra-se a indenização em R$ 5.000,00, com correção e juros a partir da data da sentença. Pelo exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar a reclamada a pagar ao reclamante a quantia R$ 5.000,00, com correção e juros a partir da data da sentença; bem como condeno a ré a restituição do valor de R$ 30,00 com correção e juros desde o desembolso, devendo tal quantia ser depositada em até 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado desta, sob pena de multa de 10% do valor fixado na forma do art. 475-J do CPC.Sem custas e honorários. Publicada essa em audiência e dela intimadas os presentes, registre-se. Nada mais havendo foi encerrada a presente às 17:15 h. Processo No 0014300-76.2011.8.19.0001 julgado pelo juiz Flávio Citro Vieira de Mello no 5º Juizado Especial Cível – Copacabana com sentença confirmada pela Quarta Turma Recursal,Relator:  LIVINGSTONE DOS SANTOS SILVA FILHO 

 Outros casos estão sendo levados à Justiça, dentre os quais identificamos referentes a propaganda enganosa, recusa no cumprimento da proposta pelo site, e a indisponibilidade do site no exato momento da aceitação da proposta. Sites que “saem” do ar ou não “registram” as ofertas dos consumidores estão violando o Código de Defesa do Consumidor. Pelo Código Civil, nas compras entre “ausentes”, o contrato reputa-se formado com a aceitação do consumidor. Para esta aceitação, adota-se a teoria da agnição por expedição, ou seja, o contrato estará formado quando o consumidor manifesta, expede, envia sua aceitação, pouco importando se o lojista não tomou ciência ou mesmo se não recebeu o registro da compra.

 A propaganda vincula aquele que a realiza, e anúncios de 90% de desconto deverão ser honrados. E como provar exatamente a data do envio da aceitação, para processos na Justiça, considerando que o site pode alegar que revogou a proposta antes da aceitação?

 São questões técnicas que cada vez mais demandarão a atuação de peritos para auxiliarem consumidores em juízo. O site que por problemas na operação, não entrega o produto, mas debita do consumidor o precitado valor, evidentemente não pode se safar do dever de reparar, por argumentos técnicos de pouca compreensão para a maioria dos Juízes de direito.

 Do mesmo modo, aqueles que têm dados indevidos utilizados em sites, com conseqüente cobrança indevida ou negativação do nome, tem o direito de obtenção de reparação de danos pelo próprio site, que fora negligente na checagem e conferência dos dados fornecidos. Este é o entendimento majoritário dos Tribunais.

 No ReclameAQUI, os sites de compras coletivas já colecionam mais de 20 mil reclamações nos últimos 12 meses. Um “boom”! Tamanha é a preocupação pelos danos causados por estes sites que no Congresso Nacional já tramita um Projeto de Lei (1232/2011) que irá prever novas regras para sites desta natureza. Os sites deverão oferecer Call Center e seguir normas de atendimento ao consumidor para operarem.

 As empresas deverão ter escritório físico no Brasil, que deverão ser indicados aos consumidores no portal, facilitando notificações e citações. Os sites também deverão apresentar claramente para cada oferta disposta no site, dados como quantidade mínima de compradores, prazo para utilização do cupom, dados do anunciante e regras para uso.

 O mais importante é que pelo Projeto de Lei, os sites deverão oferecer prazos para uso dos cupons de no mínimo 6 (seis) meses e nomeadamente, deverão oferecer o reembolso ao consumidor, caso o número mínimo de cupons necessários para o desconto não seja atingido. Os sites ficam proibidos de enviar spam e principalmente, o anunciante (loja ou prestador de serviços) agora tem responsabilidade solidária em conjunto com o site que vincular a oferta, em face do consumidor.

 Trata-se de lei que aumenta as defesas do consumidor em face de tais sites. Em matérias técnicas, leis tornam-se obsoletas, e o consumidor deverá estar preparado para lidar com teses difíceis em juízo, contando com apoio de pericia especializada e mediadores virtuais que tornem as demandas menos complexas ao mesmo Efetivamente, em um cenário onde o e-commerce deve crescer 30% em 2011 e faturar 20 bilhões, fato é que não serão as leis que controlarão estes sites que se multiplicam, mas efetivamente, os próprios consumidores com seus poderes de análise, recomendação e referências. Você, consumidor, tem voz ativa, procure sites auditados e conformes e, se não cumprirem com o acordado, não somente os acione na justiça, mas também faça questão de acioná-los na rede, comentando sua experiência. O resultado, será muito eficaz!

 José Antonio Milagre é Perito e Advogado especializado em Direito Digital

http://www.twitter.com/periciadigital

 

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Site publicado em 04/05/2009
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