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Europeu vai perder direitos’ / Entrevista

 Especialista é favorável às mudanças do CDC no Brasil e teme recessão na Europa

À frente das lutas pelos direitos do consumidor em Portugal desde 1981, quando surgiu a primeira lei de defesa do consumidor no país, o professor Mário Frota, presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC), acompanha de perto o movimento de consumidores no Brasil e é favorável às mudanças no Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que se refere a regras para evitar o superendividamento. Segundo ele, na Europa houve uma quebra de paradigma na concessão de crédito. Frota, no entanto, está preocupado e acredita que a crise econômica europeia vai diminuir os direitos dos consumidores.

O GLOBO: O senhor vem acompanhando o movimento de defesa do consumidor no Brasil há anos. Qual a sua opinião sobre as modificações no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que estão sendo propostas pelo Senado?

MÁRIO FROTA: Que é preciso mudar é inequívoco. Os meios é que estão sendo questionados, pois há receio de uma subversão dos direitos como estão hoje consignados. E há a necessidade de reforço na tutela administrativa dos Procons.

Esses pontos poderiam ser regidos por leis complementares, ou é preciso modificar o CDC?

FROTA: Eu vou além. Venho pregando na Europa e aqui que o mais eficiente seria ter um código só para contratos de consumo. A Europa primeiro queria legislar sobre todos os contratos, depois verificou-se que era melhor consolidar todas as leis acerca do direito do consumidor. Direito que está fora do código dificilmente é um direito cumprido, efetivo.

Há quem defenda que as mudanças sejam citadas no CDC, mas regulamentadas por leis complementares…

FROTA: Pode-se legislar por leis complementares, mas pode-se não ter a mesma eficiência. O importante é que essa reforma não diminua direitos já consagrados. Não me parece que os três anteprojetos de atualização — comércio eletrônico, superendividamento e dados pessoais — tenham tantas minúncias. No modelo europeu, temos as diretivas, mas com uma aplicação específica em cada país. Temos a diretiva do comércio eletrônico em geral, a dos contratos à distância, outra dos contratos de serviços financeiros à distância e também do crédito ao consumidor feito à distância.

A Europa tem leis para os assuntos que estão sendo discutidos aqui?

FROTA: Curiosamente, a Europa não tem uma diretiva geral para superendividamento. Aliás, a Europa sempre fugiu da regulamentação desse assunto. O que há são as leis dos países, individualmente.

Nessa crise europeia fará falta uma lei mais robusta sobre o assunto?

FROTA: Embora a Europa já tivesse uma diretiva de base, antecipando soluções, isso não foi panaceia universal, nem solução para todos os problemas, pois o crédito selvagem vem sendo a regra. A diretiva diz que é preciso acabar com a concessão irresponsável do crédito. Em Portugal, a sanção pode ir a C 1,5 milhão para a instituição financeira que for irresponsável na concessão do crédito. Empréstimo sem informação, ofertas como aproveite agora, mesmo com nome sujo, já acabaram.

Como é a lei na Europa?

FROTA: Houve uma inversão de paradigma, saiu-se do crédito selvagem para o crédito responsável. Foram criadas normas rigorosas para o período pré-contratual, que vão de informações sobre o que se vai pagar, com a taxa de efetivo total, inclusive na inadimplência, e passa por uma análise criteriosa sobre a situação financeira do consumidor nos bancos de dados positivos e nas listas públicas de execução. Claro que temos os problemas acidentais, que chamamos os cinco “Ds”: decesso (morte), divórcio, desastres, doenças e desemprego, e o consumidor tem de ser informado sobre o que acontece nestes casos.

E os juros, diminuíram com isso?

FROTA: Há um teto máximo para os juros. Verifica-se qual o juro médio de mercado e acrescenta-se um terço a mais. Se os encargos superarem esse percentual, é considerado crime de usura. Os bancos podem ser punidos criminalmente. E existem sanções draconianas quando os bancos tentam fugir das restrições de concessão de crédito, o que é considerado fraude. E há os contratos coligados. Por exemplo, se um automóvel tiver garantia de cinco anos e houver defeito de fabricação nesse período, o consumidor pode extinguir o contrato de financiamento e devolver o carro, pois o contrato de compra e venda está ligado ao de financiamento. A concessionária tem de restituir o dinheiro que recebeu ao banco. Os bancos têm muito medo desta regra. E isso ainda pode acontecer no Brasil.

O consumidor tem um tempo para pensar no que está contratando?

FROTA: Sim, na Europa o consumidor recebe o contrato e tem 15 dias para se arrepender. No Brasil, o projeto de lei de superendividamento prevê um prazo de sete dias. Deveria ser maior para o consumidor ter tempo de buscar explicações.

Qual o maior problema hoje com relação ao crédito?

FROTA: A questão agora é a consolidação de créditos. Um indivíduo tem quatro créditos em vários bancos. As instituições oferecem a reunião dos quatro créditos, junta-se tudo, aumentam- se o prazo de pagamento e os juros. Feitas as contas, se antes a pessoa pagava o bem duas vezes; com a consolidação, o consumidor paga três vezes o valor do bem.

Há risco de o consumidor europeu perder direitos com a crise?

FROTA: A restrição ao crédito já é notada. Não há dinheiro para emprestar. Mas, no geral, vejo que o consumidor europeu vai perder direitos. Digo isso com tristeza. Pela primeira vez em Portugal, desde 1981, quando saiu a primeira lei do consumidor, no programa de governo não há uma só linha de proteção ao consumidor. Entreguei ao secretário de Economia e Desenvolvimento Regional um conjunto de ideias que poderia servir ao programa de governo, mas não sei o resultado desse esforço.

Mas a sociedade civil é forte…

FROTA: Nem sempre. A sociedade civil em alguns países é fraca. Por outro lado, há uma empresa multinacional, a Euroconsumers S.A., que detém empresas de testes e de publicações, e se passa por uma associação de consumidores, mas não é. Isso ilude as pessoas.

Os problemas tendem a piorar?

FROTA: Sim. Por exemplo, estima-se que o quilowatt da energia elétrica deve subir 32%, e antes aumentara o IVA (equivalente ao ICMS brasileiro) da energia, de 6% para 23%, um percentual igual ao de um produto de luxo, apesar de ser um serviço essencial. É mais fácil buscar as metas do FMI nos serviços essenciais. Estou convencido de que neste inverno vai morrer muita gente em Portugal por falta de dinheiro para pagar o aquecimento. Estou muito preocupado com a defesa do consumidor na Europa, sobretudo porque não temos uma União Europeia unida, solidária, na qual o bem social passe pela conciliação dos direitos dos trabalhadores e dos consumidores.

16/10/2011 Jornal O GLOBO Rio de Janeiro Nadja Sampaio Caderno de Economia 

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Site publicado em 04/05/2009
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