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Cariocas vão à Justiça por seus direitos

Número de processos sobre consumo em juizados do Rio cresceu 14% de 2009 para 2010. Por dia, são 1.682 ações

Luciana Casemiro e Nadja Sampaio

Os cariocas não estão deixando barato para as empresas que insistem em desrespeitar seus direitos. Às vésperas do Dia Mundial do Consumidor, 15 de março, O GLOBO constatou que, no Rio de Janeiro, a Justiça tem sido considerada o caminho mais curto para corrigir os abusos. De 2009 para 2010, o número de ações sobre relações de consumo nos Juizados Especiais Cíveis do Rio cresceu 14%, passando de 440.028 para 501.868.

No mesmo período, o acervo geral de processos teve um aumento de apenas 0,49%. Em 2010, 67% das ações nos juizados eram da área do direito do consumidor. Este ano, nos dois primeiros meses, foram propostas 74 mil ações. O que significa que, a cada dia útil, foram abertos 1.682 novos processos nos juizados do Rio. O maior grau de escolaridade e de conscientização da população e a agilidade dos juizados fluminenses estão entre as razões apontadas pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebelo, para esse crescimento.

— O Judiciário do Estado do Rio é o mais célere do Brasil. Hoje levamos, em média, 80 dias entre a distribuição da ação e o julgamento. Isso leva a um boca a boca entre os consumidores. Muitos sequer procuram a empresa, indo direto à Justiça. Afinal, falar com a empresa é sempre muito difícil: na maioria das vezes, o atendimento é por máquinas. Há uma sobrecarga no Judiciário, principalmente por parte de grandes empresas dos setores de telefonia e bancário, com questões que poderiam ter uma solução rápida e eficaz no âmbito das companhias, mas que acabam na Justiça — acrescenta o desembargador.

Saída é tornar a ação civil pública mais eficiente, afirma juiz
Para o juiz Flávio Citro Vieira de Mello, titular do II Juizado Especial Cível da Capital, os números são um diagnóstico da capacidade, ou incapacidade, de as empresas resolverem qualquer questão extrajudicialmente. Segundo Citro, as empresas “lesam no atacado e indenizam no varejo”.

O juiz critica o enquadramento de ações repetitivas como frívolas por parte do Judiciário: — O papel do Judiciário é fixar indenizações pedagógicas que pautem o comportamento do fornecedor para que não se repita uma conduta ilegal ou abusiva. Por outro lado, como as ações são redundantes, é preciso fomentar ações civis públicas com vocação para, de uma só vez, atingir milhares de consumidores. O desafio não é impedir que o consumidor ajuíze sua ação individual, mas tornar a ação civil pública mais eficiente que as individuais — afirma Citro. Ricardo Morishita, professor de direito do consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta, justamente, o acesso ao Judiciário como uma das conquistas da sociedade nos últimos 21 anos, desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

— O acesso é ótimo, saber que o consumidor pode ir à Justiça e que ela funciona é muito bom também. Se o consumidor vai à Justiça é porque acredita nela, e isso é positivo. A questão é a utilização, que é irracional. Por que ir ao Judiciário para resolver um problema que poderia ser solucionado pelas partes com ganho para todos? Precisamos de um mecanismo como a multa civil, a exemplo de outros países, o que possibilita ao juiz aplicar sanções pesadas por questões repetitivas, mesmo sendo a ação individual — diz Morishita.

A implementação da multa civil está sendo discutida, há dois anos, pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Neste momento, a proposta legislativa está em análise pela Casa Civil. Segundo Juliana Pereira, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, o objetivo do instrumento é justamente possibilitar ao juiz punições econômicas mais severas sempre que observar uma repetição da empresa e do fato gerador do processo:

— A ideia é criar um incentivo para o que o mercado resolva o problema do consumidor quando ele vai buscar na empresa o seu direito. Temos dados que mostram que 90% dos consumidores que se queixam aos Procons procuraram antes as empresas, mas não foram atendidos. No mercado de consumo, a produção é em série, o consumo é em massa, e a lesão, no atacado. Com esse instrumento, estaríamos reequilibrando essa relação. Para Juliana, o número de processos nos juizados especiais do Rio é extremamente preocupante: — O dado é assustador, pois ele mostra apenas a ponta do iceberg. Se os juizados recebem 1.600 novas ações por dia, temos de pensar em centenas de milhares de consumidores que não conhecem seu direito ou preferem deixar para lá. Esses números reforçam o argumento para que a multa civil seja implementada no Brasil.

Para advogado, número de ações não é falta de qualidade do serviço
O advogado Paulo Maximilian, da Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados, acha normal que 67% das ações nos juizados sejam da área do direito do consumidor.

— Nos juizados só podem reclamar as pessoas físicas, por isso a maioria é de consumidores. Se as empresas pudessem utilizar os juizados em ações contra o consumidor, a proporção poderia até ser maior — diz Maximilian, que não atribui, no entanto, o elevado número de ações à qualidade da prestação de serviço das empresas. — As empresas que têm atuação nacional utilizam os mesmos contratos, prestam os mesmos serviços e oferecem o mesmo call center, mas, no Rio, estão concentradas 40% das ações. Isso tem mais a ver com o perfil do consumidor carioca, aliado ao bom atendimento dos juizados. Já para Antonio Mallet, diretor jurídico da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania (Apadic), as empresas continuam errando porque, muitas vezes, sai mais barato insistir no erro.

— A empresa faz uma conta de custo e benefício e adota o que for mais barato. E o número de ações não diminui porque a indenização não tem um caráter punitivo. Muitas vezes, para a empresa sai mais barato pagar na Justiça que acabar com o problema, pois as falhas são estruturais — afirma Mallet. ■

SAIBA MAIS SOBRE AS QUEIXAS NO TJ

O QUE MELHOROU
• O consumidor está mais consciente de seus direitos e luta mais por eles
• As empresas criaram os serviços de atendimento ao cliente (SAC) e, mais recentemente, as ouvidorias
• Os rótulos dos produtos trazem mais informações e prazo de validade
• Aumentou o recall de produtos que oferecem risco à saúde e segurança
• O consumidor tem acesso ao serviço de telefonia fixa e celular e à banda larga
• Os contratos de alguns setores ficaram mais compreensíveis e trazem menos cláusulas abusivas
• Os bancos são obrigados a cumprir o CDC
• O departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) organizou o sistema de defesa do consumidor no Brasil
e criou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Sindec), que reúne informação de todos os procons
• Integração do sistema de defesa do consumidor, que reúne as entidades civis, Ministério Público e Defensoria Pública
• O decreto do SAC do DPDC criou parâmentros mínimos de qualidade no atendimento

O QUE PRECISA MELHORAR
• Faltam informações claras e fiscalização por parte das agências regulamentadoras. Os maiores problemas estão nos setores regulados
• Ofertas na área de telefonia são pouco claras e levam à cobrança indevida
• Fornecedores não entregam ao consumidor os contratos de prestação de serviços
• Cláusulas restritivas dos contratos não são apresentadas com destaque
• Mecanismos para atrair a fidelidade do cliente se baseiam em multas e não na boa prestação do serviço
• Demora na autorização de exames e internações por parte dos planos de saúde, além de reajustes abusivos
• Falta de informação na oferta de crédito e publicidade agressiva
• Aperfeiçoamento das consultas públicas
• Punições precisam ser mais efetivas e com menos recursos
• Criação de mais procons municipais

 

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Site publicado em 04/05/2009
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