Flávio Citro - Direito Eletrônico

Losango Promoções de Vendas Ltda. é condenada em Ação Civil Pública por prática de publicidade enganosa em empréstimo pessoal consignado, para aposentados e pensionistas.

A Relatora Des. Cristina Tereza Gaulia da 5ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA do ESTADO DO RIO DE JANEIRO deu provimento ao recurso do Ministério Público e ampliou a condenação da Losango Promoções de Vendas Ltda na Ação coletiva de consumo que a acusava de publicidade enganosa em empréstimo pessoal consignado, para aposentados e pensionistas A Sentença determinou que a informação sobre a taxa de juros venha em destaque da mesma forma que as demais informações concernentes ao contrato de empréstimo consignado e condenou a empresa a pagar indenização por danos materiais e morais individuais e danos morais coletivos. Dano material individual a ser apurado em liquidação ocasião em que o consumidor deverá comprová-lo. Dano moral individual que, na mesma senda, é devido em função da angústia e sofrimento impostos aos aposentados pela enganosidade, ludíbrio e abusividade gerados pela publicidade enganosa. Dano moral coletivo, a ser revertido para o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, que, de caráter preventivo-pedagógico, visa a banir da sociedade mal formada e mal informada, comportamentos antiéticos. Apelação Cível nº: 2009.001.05452

 

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

5ª Câmara Cível

Apelação Cível nº: 2009.001.05452

Apelante1: Losango Promoções de Vendas Ltda.

Apelante2: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Apelados: Os mesmos

Juiz: Dra. Maria da Penha Nobre Mauro Victorino

Relator: Des. Cristina Tereza Gaulia

Ementa: Apelações cíveis. Ação coletiva de consumo movida pelo Ministério Público. Publicidade enganosa em empréstimo pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS. Omissão de informe sobre a taxa de juros praticada e outros encargos. Garantia de acesso ao Judiciário. Direito do consumidor, considerado vulnerável, de amplo acesso à Justiça representado pelo MP (inteligência dos arts. 4º I c.c 6º VII e 82 I CDC). iolação dos princípios da informação, da transparência, e dos deveres anexos à boa-fé objetiva. Publicidade enganosa por omissão. Mídia televisiva, impressa e radiofônica. Percentual da taxa de juros e demais encargos, valor total do empréstimo e periodicidade do pagamento que deveriam constar na publicidade de forma clara, objetiva e em igual destaque às demais nformações relativas ao contrato de empréstimo. Inteligência do art. 31, dos parágrafos 1º e 3º do art. 37 e dos parágrafos 3º e 4º do art. 54 CDC. Sentença que determinou que a informação sobre a taxa de juros venha em destaque da mesma forma que as demais informações concernentes ao contrato de empréstimo consignado. Correção. Indenização por danos materiais e morais individuais e danos morais coletivos. Pedido regular e legalmente feito na vestibular. Possibilidade à inteligência do art. 3º da Lei 7347/85 e dos arts. 6º VI e VII da Lei 8078/90, na forma dos arts. 95 e 97 desta última. Dano material individual a ser apurado em liquidação ocasião em que o consumidor deverá comprová-lo. Dano moral individual que, na mesma senda, é devido em função da angústia e sofrimento impostos aos aposentados pela enganosidade, ludíbrio e abusividade gerados pela publicidade enganosa. Dano moral coletivo, a ser revertido para o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, que, de caráter preventivo-pedagógico, visa a banir da sociedade mal formada e mal informada, comportamentos antiéticos. Inteligência do Dec. 92302/86, Dec. 1306/94 e Lei 9008/95. Responsabilização do fornecedor pelos danos material e moral individuais. Condenação em valor certo pelo dano moral coletivo. Desprovimento do primeiro apelo. Provimento do recurso do MP. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos das apelações cíveis referidas em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ______________________, em NEGAR PROVIMENTO ao primeiro apelo e DAR PROVIMENTO ao segundo, na forma do voto do Relator. Rio de Janeiro, ____/____/2009.

RELATÓRIO

Trata-se de duas apelações cíveis, a primeira interposta por Losango Promoções de Vendas Ltda., e a segunda pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, à sentença proferida nos autos da ação civil pública movida por este em face daquela, que julgou procedente, em parte, o pedido para tornar definitiva a liminar de fl. 15, com a alteração estabelecida pelo acórdão de fls. 177/179, que determinou que a ré faça constar, em todos os instrumentos de oferta e publicidade que divulguem a taxa de juros do “empréstimo consignado em folha de pagamento para aposentados e pensionistas do INSS”, distribuídos ou veiculados por qualquer meio, ao lado da taxa de juros, os casos em que ela é aplicável, os impostos e demais encargos a pagar, especificando os montantes, de forma hábil à pronta visualização pelo consumidor, com igual destaque dado aos juros; e que, previamente à celebração do empréstimo e nas simulações, veiculadas por qualquer meio, informe ao consumidor sobre: o montante de juros, anual e mensal; os impostos e demais encargos a pagar, especificando os montantes; o número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar, pena de multa diária de R$ 5.000,00.

A sentença fundamentou-se no fato de que a jurisprudência se consolidou no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para agir sempre que o direito em litígio seja socialmente relevante; que o número de indivíduos abrangidos pela propaganda veiculada é indeterminado, de forma que a questão atinge a coletividade formada pelos potenciais consumidores do serviços; que o termo de ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público Federal e o Banco Schahin não é oponível à Losango; que restam presentes as condições da ação, pois, além de haver legitimidade e interesse, o pedido formulado não é juridicamente impossível; que a limitação territorial da competência do juízo nos casos de ação civil pública decorre do art. 16 da Lei 7347/85; que o CDC é o diploma legal aplicável ao caso concreto; que o dever de informação está previsto nos arts. 6º, III, 31 e 52 CDC; que é possível considerar como informações adequadas, em se tratando de empréstimos consignados em folha, aquelas que digam respeito ao montante de juros, anual e mensal, aos tributos e encargos incidentes na operação, bem como à soma total do valor a pagar; que a ausência de tais informações aumenta a probabilidade de erro do consumidor e ao mesmo tempo representa indevida vantagem para o fornecedor; que tanto a veiculação da propaganda quanto a simulação do empréstimo são cruciais para o convencimento do consumidor; que de acordo com o CDC, a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva e solidária, nos termos do parágrafo único do art. 7°, dos artigos 14, 20 e 25 § 1º CDC; que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais mostra-se descabida, pois tais prejuízos restaram indemonstrados, e porque em sede de direitos transindividuais, não há como associar sofrimento mental ou moral intenso por parte da vítima, conforme entendimento do STJ; que os danos materiais não podem ser presumidos, e, portanto, devem ser afastados, o que não impede que os consumidores eventualmente lesionados pela conduta faltosa da ré persigam o respectivo ressarcimento em sede de ação judicial individual.

O primeiro apelante, Losango Promoções de Vendas Ltda., requer a reforma parcial da sentença, ao argumento de que restou demonstrado nos autos que toda a documentação contratual e publicitária utilizada por este não apresenta qualquer afronta à legislação em vigor; que as referidas informações são detalhadamente prestadas em qualquer modalidade de empréstimo; que a exigência do Ministério Público de que fosse dado “igual destaque” às informações constantes das publicidades não possui previsão no ordenamento jurídico; que se revela razoável que a informação esteja inserida na publicidade, de forma a garantir a pronta visualização pelo consumidor, todavia, exigir “igual destaque” às informações inseridas torna-se medida arbitrária; que a matéria é regulada pela Resolução nº 3.517 do Banco Central do Brasil. O segundo apelante, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, requer a reforma parcial da sentença, sob o fundamento de que a sentença apurou a conduta irregular adotada pela ré, todavia não reconheceu o dever de indenizar os danos morais coletivos; que a tutela coletiva dos direitos individuais existe justamente para evitar a multiplicidade de ações individuais; que deve incidir o art. 95 CDC, com a fixação genérica da responsabilidade do réu e a subseqüente mensuração, em liquidação, dos prejuízos, conforme art. 97 CDC; que o dano moral coletivo possui previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, à inteligência do artigo 6º, VI e VII CDC e do art. 1º da Lei nº 7347/85; que a concepção de dano moral coletivo não pode mais estar presa ao modelo teórico da responsabilidade civil privada, das relações intersubjetivas, unipessoais; que a função do dano moral coletivo é homenagear os princípios da prevenção e precaução, com intuito de propiciar uma tutela mais efetiva dos direitos difusos e coletivos; que o caráter dúplice, indenizatório e punitivo, do dano moral também se aplica ao dano moral coletivo; que nesse sentido já se manifestou a jurisprudência desta Corte.

A Procuradoria de Justiça opinou às fls. 293/294 pela intimação do segundo apelado para apresentação de contrarrazões, o que foi determinado pelo Relator à fl. 296. Conforme certidão de fl. 297, o segundo apelado não se manifestou em contrarrazões. A Procuradoria de Justiça, no parecer de fls. 299/307, opinou pelo desprovimento do primeiro apelo e pelo provimento do segundo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, deve ser o mesmo conhecido. A questão controvertida cinge-se a verificar se a publicidade veiculada pela Losango Promoções de Vendas Ltda. Afrontou a legislação em vigor por omissão de informações importantes, essenciais, na oferta do crédito consignado; se é possível a determinação judicial de inserção de informações omitidas em mensagem publicitária da ré, com igual destaque em relação às demais informações ali constantes e se há danos materiais e morais individuais, e danos morais coletivos a serem indenizados.

Inicialmente, cumpre esclarecer que a presente ação civil pública, inicialmente, foi ajuizada em face da Losango Promoções de Vendas Ltda., ora primeira apelante, e também em face do Banco Panamericano S.A.. Todavia, o feito foi extinto, com fulcro no art. 269, III CPC, em relação ao segundo réu, Banco Panamericano S.A., conforme sentença de fl. 175, que homologou o acordo de fls. 171/1731, firmado entre este e o Ministério Público, tendo prosseguido a ação em face da primeira apelante, Losango Promoções de Vendas Ltda..Com efeito, trata-se de ação coletiva de consumo (também denominada ação civil pública pois seu rito é o da LACP, Lei nº 7347/85), proposta na forma preconizada pelo CDC, no art. 81 que refere: “A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo”.

Para tal fim, inclusive, o CDC teve o cuidado de nas disposições finais, art. 117, esclarecer que: 1 Mérito do acordo entre o MP Estadual e o Banco Panamericano (fl. 172): “(…) o Banco Panamericano se obriga, em todos os instrumentos de oferta ou publicidade, veiculados em todo território nacional, os quais divulguem a taxa de juros do “Empréstimo Consignado em Folha de Pagamentos para Aposentados e Pensionistas do INSS”, distribuídos ou veiculados por qualquer meio (internet, cartazes, out-doors, anúncios em jornais, periódicos e revistas, entre outros) a fazer constar, ao lado da taxa de juros, os casos em que ela é aplicável, bem como a data em que a publicidade foi veiculada, com a ressalva de que as taxas podem sofrer alterações posteriores de acordo com o mercado, os impostos e demais encargos a pagar, especificando os montantes, tudo de forma hábil à pronta visualização pelo consumidor, com igual destaque dado aos juros, ficando esclarecido que nenhuma penalidade poderá ser exigida em razão da publicidade em questão, até o término do prazo fixado no item 2.4 infra. 2.2. O Banco Panamericano se obriga, previamente à celebração do empréstimo e nas simulações realizadas a pedido do consumidor, a informá-lo sobre: i) o montante dos juros, anual e mensal; ii) os impostos e demais encargos a pagar, especificando os montantes; iii) número e periodicidade das prestações; iv) soma total a pagar”. “Acrescente-se à Lei 7347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, remunerando-se os seguintes: Art. 21 – Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

O desiderato que legalmente se pretendeu atingir na hipótese foi o do mais amplo acesso possível ao Judiciário, e à Justiça, nas causas envolvendo conflitos de consumo, facilitando-se a defesa e proteção daqueles que a própria lei considerou vulneráveis. Refiram-se os arts. 4º e 6º CDC que sublinham as idéias acima expostas: “A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores… atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”. “São direitos básicos do consumidor: (…) VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica dos necessitados”.

Tais dispositivos encontram, no já referido caput do art. 81 CDC, complemento indispensável. Possibilitou, portanto, a Lei 8078/90, tanto a tutela individual dos direitos do consumidor, da maneira tradicional, como também, e principalmente, a tutela coletiva. Consigne-se lição de Ada Pellegrini Grinover, sempre atual e precisa, sobre o tema:

“O Código procurou disciplinar pormenorizadamente as demandas coletivas por vários motivos. Primeiro, porque o nosso Direito Positivo tem história e experiência mais recentes nesse campo. Excluída a ação popular constitucional, a primeira disciplina legal mais sistemática, na área do processo civil, somente teve início em 1985, com a Lei nº 7347 (Ação Civil Pública).

Segundo, porque o legislador claramente percebeu que, na solução dos conflitos que nascem das relações geradas pela economia de massa, quando essencialmente de natureza coletiva, o processo deve operar também como instrumento de mediação dos conflitos sociais neles envolvidos e não apenas como instrumento de solução de lides. A estratégia tradicional de tratamento das disputas tem sido de fragmentar os conflitos de configuração essencialmente coletiva em demandas-átomo. Já a solução dos conflitos na dimensão molecular, como demandas coletivas, além de permitir o acesso mais fácil à justiça pelo seu barateamento e quebra de barreiras socioculturais, evitará a sua banalização que decorre de sua fragmentação e conferirá peso político mais adequado às ações destinadas à solução desses conflitos coletivos” (in “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor”, Forense Univ., 8ª ed., p. 787).

A fortalecer o viés da defesa coletiva dos direitos dos consumidores a lei fixou a legitimidade ativa do Ministério Público (art. 82, I) para, concorrentemente com outros legitimados, buscar pela via da ACP, a proteção dos direitos e interesses que constam do parágrafo único do art. 81 CDC2, estes que poderão ser protegidos por “todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”, na forma do art. 83 CDC. Por outro lado, sublinhe-se que um dos objetivos principais da lei consumerista é garantir ao consumidor a informação prévia, correta, clara e precisa sobre o serviço contratado, essa que, no bojo da lei, se concretiza como direito básico do consumidor, estatuído no art. 6º, inc. III CDC, in verbis: Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (…) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”

Desta forma, é possível ao Ministério Público, com base no poder/dever previsto na Lei 8078/90, e ainda, com fincas em prévio material investigatório, mover ação coletiva envolvendo alegado vício na informação sobre produtos e serviços postos no mercado de consumo por fornecedor determinado, agindo no desempenho de seu múnus, e requerendo ao Poder Judiciário que tal informação seja prestada de modo adequado e com a qualidade legitimamente esperada pela coletividade de consumidores, de molde a garantir a estes outro direito básico previsto no art. 6º, II CDC, que é a liberdade de escolha, veja-se:  CDC, art. 81, parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Art. 6º: “São direitos básicos do consumidor: (…) II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”. A propaganda veiculada pela Losango Promotora de Vendas Ltda. por meio da mídia impressa, televisiva e radiofônica, assim refere (fls. 161/167): “Losango tem linha de crédito especial para aposentados e pensionistas do INSS. Taxas reduzidas; Até 36 meses para pagar; Sem consulta ao SPC ou Serasa; Desconto direto no benefício. Losango, muito mais que crédito”. “Aposentados e pensionistas do INSS tem condições especiais na Losango”. Ligue grátis 0800 22 42 52. www.losango.com.br. Losango. Muito mais que crédito”.“Aposentados e pensionistas do INSS tem condições especiais na Losango. Empréstimos concedidos pelo Banco Schahin S.A.. Sujeito a análise de renda e do benefício previdenciário concedido. Encargos financeiros inclusos nas parcelas fixas. Rua João da Silva, 255 – loja 2 – Fone: 222-2222. Losango. Muito mais que crédito”. “Spot 30´´ (…) Entra o cantor Leonardo: – Meu pai deu um duro danado para cuidar da nossa família, né pai? O pai responde:

- É verdade, Leo. Volta o Leonardo: – E assim como ele, você que trabalhou a vida inteira, merece tratamento especial. A Losango criou uma linha de crédito especial para você que é aposentado ou pensionista do INSS. Com taxas reduzidas e até 36 meses para pagar. A prestação fica pequenininha… O pai: – Ah, filho… se todo mundo fosse assim… Leonardo: - Como eu? O pai, irônico: – Não… como a Losango. Os dois riem. Entra a assinatura: Losango. Muito mais que crédito”. “Testemunhal de rádio 30´´ (…) Locutor: Na Losango, você faz um empréstimo e tem até 45 dias para pagar a primeira parcela, e ainda pode financiar em até 12 vezes. E se você é aposentado ou pensionista do INSS, a Losango oferece taxas especiais para você, com pagamento em até 36 meses. Você realiza seus planos agora e só paga depois. Passe agora mesmo na filial Losango que fica na XXXXX e veja que a Losango tem o que você estava procurando para não ficar jogando seus planos para frente. Losango. Muito mais que crédito.”

De fato, não há qualquer menção, em nenhuma das formas publicitárias acima transcritas, às taxas de juros que serão praticadas pela ré no empréstimo consignado por esta oferecido aos consumidores, tampouco informação a respeito de incidência de impostos ou outros encargos a pagar, ou mesmo da periodicidade entre as prestações, bem como de seu total. Forçoso reconhecer que os deveres de informação e de transparência, deveres anexos decorrentes da boa-fé objetiva, foram violados. Nesse sentido, refira-se a lição da doutrina: “Para proteção efetiva dos direitos do consumidor, não é suficiente o mero controle da enganosidade e abusividade da informação. Faz-se necessário que o fornecedor cumpra seu dever de informação positiva. Toda a reforma nessa matéria, em especial no que se refere à publicidade, relaciona-se com o reconhecimento de que o consumidor tem direito a uma informação completa e exata sobre os produtos e serviços que deseja adquirir. O dispositivo tem, na sua origem, o princípio da transparência, previsto expressamente pelo CDC (art. 4º caput). Por outro lado, é decorrência também do princípio da boa-fé objetiva, que perece em ambiente onde falte a informação plena do consumidor. (…) Sem uma informação útil e completam, o consumidor não pode fazer uma escolha livre. (…) A informação precisa ser correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem prolixidade) ostensica (de fácil percepção) e em língua portuguesa”3. Imprescindível, pois, seja prestada pelo fornecedor informação clara, precisa e completa a respeito de todas as condições do contrato, onde se incluem os juros e os demais encargos inerentes a este, pois só assim o consumidor terá seus direitos básicos resguardados, conforme lição de Cláudia Lima Marques: “(…) transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis porque institui o CDC um novo e amplo dever para o fornecedor, o dever de informar ao consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também sobre o conteúdo do contrato. Pretendeu, assim, o legislador evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor, pois sem ter conhecimento do conteúdo do contrato, das obrigações que estará assumindo poderá vincular-se a obrigações que não pode suportar ou que simplesmente não deseja”.

Nesse sentido, refira-se a redação dos arts. 31 e 37, parágrafos 1º e 3º do CDC, verbis: “Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, PREÇO, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. “Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (…) § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”. Conclui-se, pois, que a presente hipótese traduz publicidade enganosa por omissão, sendo certo que essa omissão deve ser suprida pelo fornecedor, conforme bem determinado pela sentença a quo, para que “a ré faça constar, em todos os instrumentos de oferta e publicidade que divulguem a taxa de juros do empréstimo consignado em folha de pagamento para aposentados e pensionistas do INSS, distribuídos ou veiculados por qualquer meio, ao lado da taxa de juros, os casos em que ela é aplicável, os impostos e demais encargos a pagar, especificando os montantes, de forma hábil à pronta visualização pelo consumidor, com igual destaque dado aos juros; e que, previamente à celebração do empréstimo e nas simulações, veiculadas por qualquer meio, informe ao consumidor sobre: o montante de juros, anual e mensal; os impostos e demaisencargos a pagar, especificando os montantes; o número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar, pena de multa diária de R$ 5.000,00”, não merecendo qualquer reforma a sentença nesse aspecto.

Cumpre reconhecer, ainda, que o fato de ter a sentença determinado que o fornecedor desse igual destaque aos juros praticados que às demais informações, para que haja a pronta visualização pelo consumidor, não viola qualquer regra específica, ao revés, é determinação que se coaduna com os comandos dos §§ 3º e 4º do art. 54 CDC: 4 in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª. ed., Editora RT, p. 595. “§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”. Quanto aos pedidos de indenização, feitos pelo MP Estadual na vestibular e, afastados na sentença, sendo os mesmos revigorados no apelo, é necessário se tracem esclarecimentos que definam e discriminem tais requerimentos. Em primeiro lugar, quanto ao pedido de indenização pelos danos materiais, estes eventualmente sofridos por consumidores individualmente considerados, consigne-se a possibilidade não só do pedido em si, como da forma genérica em que o mesmo foi realizado, pois que tal previsão advém da lei, ou melhor, das Leis 7347/85 (LACP) e

8078/90 (CDC).

Esclareça-se que o art. 3º da Lei 7347/85 dispõe: “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

A respeito assinale-se a interpretação conferida ao dispositivo pela jurisprudência do STJ: “Em ação civil pública é possível cumular pedido condenatório ao pagamento de dinheiro com outro voltado ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer: “a conjugação ‘ou’ deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente), e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). É conclusão imposta, outrossim, por interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 CDC”. (STJ – Primeira Turma. REsp 605.323, Min. Teori Albino Zavascki, 18/08/2005, DJU 17/10/2005). Na mesma senda e, em complemento, sublinhe-se o teor dos arts. 95 e 97 da Lei 8078/90, verbis:Art. 95: “Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”. Art. 97: “A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82”.

Neste sentido, citem-se precedentes deste Tribunal:

FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA RESPONSABILIDADE PELOS DÉBITOS ANTERIORES OBRIGAÇÃO PROPTER REM PRÁTICA ABUSIVA MULTA COMINATÓRIA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR Ação civil pública proposta pelo Ministério Público objetivando compelir a Ré, fornecedora de serviço de energia elétrica, a não condicionar a ligação da luz no imóvel ao pagamento de débito de terceiro, sob pena de multa, bem como, a indenizar seus consumidores por danos material e moral. Sentença que julga procedente o pedido, arbitrando indenização por dano moral coletivo em R$ 5.000,00. Apelação da Ré. Legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo de ação civil pública que envolve interesses individuais homogêneos. Inteligência dos artigos 81, parágrafo único, inciso III e 82, inciso I da Lei 8.078/90. Reiteradas ações judiciais individuais sobre a questão objeto desta controvérsia que comprovam a prática de atribuir indevidamente ao débito da tarifa de energia elétrica a natureza propter rem, o que não tem amparo legal, nem nas resoluções da ANEEL. Prática abusiva que conduziu com acerto à imposição à Ré de se abster de qualquer ato que atribua ao consumidor responsabilidade por débitos anteriores, inclusive, condicionando o fornecimento do serviço à quitação desse débito. Multa cominatória arbitrada em valor compatível com o caráter coercitivo do instituto. Dever de indenizar corretamente reconhecido na sentença. Dano material que será apurado em liquidação de sentença, ocasião em que o consumidor deverá comprovar o fato gerador do direito reclamado. Dano moral coletivo corretamente reconhecido ante a intranqüilidade gerada pela ofensa à proteção legal do direito do consumidor. Indenização arbitrada observando critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Desprovimento da apelação. (TJRJ. Apelação Cível 2008.001.35720 DES. ANA MARIA OLIVEIRA – Julgamento: 07/10/2008 – OITAVA CÂMARA CÍVEL). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PUBLICIDADE ENGANOSA. COMPROVAÇÃO DE PRÁTICAS LESIVAS AO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS E MATERIAIS QUE DEVEM SER INDENIZADOS, APÓS A DEVIDA COMPROVAÇÃO EM PROCESSO DE HABILITAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA AFASTADA. SENTENÇA CORRETA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.

(TJRJ. Apelação Cível 2007.001.38957 DES. PAULO SERGIO PRESTES – Julgamento: 15/08/2007 – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL).

Cabe adendo precioso da já citada professora Ada Pellegrini Grinover, quanto à possibilidade desta condenação em danos materiais genérica, e portanto ilíquida, malgrado certa: “Nos termos do art. 95, porém, a condenação será genérica (…) Logo se vê que o fato de a condenação ser genérica não significa que a sentença não seja certa e precisa (…) E essa certeza é respeitada, na medida em que a sentença condenatória estabelece a obrigação de indenizar pelos danos causados, ficando os destinatários e a extensão da reparação a serem apurados em liquidação de sentença. A sentença genérica do art. 95 é, portanto, certa e ilíquida. Enquadra-se no disposto no art. 586 § 1º do CPC, que contempla a condenação genérica como aquela que, reconhecendo em definitivo o direito, há de ser liquidada para estabelecer o quantum, ou a res, ou o facere ou non facere”. Assim, a sentença pode e deve reconhecer o na debeatur, a responsabilidade civil por dano material à coletividade, e, os diversos consumidores lesados eventualmente pela situação julgada, posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, se habilitarão individualmente, conforme art. 97 CDC, no prazo de um ano do art. 100 CDC, para terem aferido e concretizado o quantum debeatur, bem como executado o valor a seu favor. Ora, e qual seria, na hipótese que ora se julga, o dano material da coletividade de consumidores?

Se um aposentado ou pensionista, levado pela publicidade de “empréstimo fácil” da Losango, esta que entretanto, não informa qual a real taxa de juros, contratar o referido empréstimo e, posteriormente, vier a ser descontado em seu contracheque do valor da prestação cumulada com juros remuneratórios muito superiores à taxa média de mercado, esta que a jurisprudência hoje considera como o valor ético e não abusivo, a ser cobrado6, terá óbvios danos materiais, os quais poderá ver repetidos, habilitando-se para tanto, sem a necessidade de rediscutir todo o mérito, e tão só apresentando a comprovação dos pagamentos e a taxa média de mercado praticada à época destes.  in “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto”, Grinover e o., Forense Univ., 9ª. ed., pgs. 903/4. 6 (STJ. AgRg no REsp 1071291/PR. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO. QUARTA TURMA. Julgamento: 03/03/2009. DJe 23/03/2009). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA TAXA CONTRATADA. JUROS FIXADOS CONSOANTE A TAXA MÉDIA DE MERCADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Nos casos em que não há demonstração da taxa de juros efetivamente contratada, a Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 715.894/PR em 26/04/2006, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, decidiu que os juros devem ser fixados consoante a taxa média de mercado, em sintonia com as Súmulas 294 e 296 desta Corte, e não segundo a Lei de Usura, em 12% ao ano. 2. Agravo regimental improvido.

Destarte, correto o pedido do MP, que deve ser genericamente provido. Em segundo plano, cabe discutir o pedido de dano moral. Este, na mesma forma acima esclarecida, poderá ser reconhecido a nível individual, em favor de cada consumidor que se habilite, em sede de liquidação e execução de sentença, juntamente com a habilitação da execução de danos materiais. Ou seja, pela enganosidade, ludíbrio, abusividade geradora de descontos indevidos e consequente agressão à dignidade de vida do aposentado, obrigado a pagar juros muito superiores  à média de mercado, pode o consumidor individual, receber também danos morais. Aliás, tais sentimentos geram exatamente a dor, o constrangimento, o sofrimento no homem médio a que alude a jurisprudência, como, por exemplo, nos seguintes acórdãos:

 

RELAÇÃO DE CONSUMO. Oferta de cartão ‘pré-pago’ rotulado como cartão de crédito. Ausência de limite disponibilizado ao consumidor. Necessidade de prévio depósito para utilização do cartão. Violação dos deveres de informação e transparência máxima. Celebração de termo de conduta entre o apelado e o Ministério Público. Pagamentos anteriores àquele ajuste. Propaganda enganosa caracterizada. Desrespeito e frustração impingidos ao consumidor. Dano moral configurado. Verba compensatória. Critérios para fixação. Observância ao princípio da razoabilidade e à vedação ao enriquecimento sem causa. Recurso provido em parte. (TJRJ. Apelação Cível 2009.001.27194. DES. CARLOS EDUARDO PASSOS – Julgamento: 03/06/2009 – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL).

 

INDENIZATÓRIA. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. OFERTA DE CURSO DE GRADUAÇÃO. INFORMAÇÃO INVERÍDICA. PROPAGANDA ENGANOSA. DANO MATERIAL E MORAL CONFIGURADOS. VERBA REPARATÓRIA. FIXAÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA CORRETA, NA FORMA E NO CONTEÚDO. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. (TJRJ. Apelação Cível 2009.001.21547. DES. MALDONADO DE CARVALHO – Julgamento: 20/05/2009 – PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL).

 

Porém, há um outro pedido de dano moral, feito pelo MP nesta ação: um pedido de dano moral coletivo, que por certo não se confunde com o dano moral individual acima discriminado. Este dano moral coletivo, pretende o MP seja arbitrado em R$ 1.000.000,00, e revertido para o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados. O pedido é possível e encontra amparo legal. Vejam-se os dispositivos: Lei 7347/85, art. 13: “Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”. Lei 8078/90, art. 6º: “São direitos básicos do consumidor: VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos  ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”. Desta sorte, cai por terra a alegação da sentença de que “em sede de direitos transindividuais, não há como associar sofrimento mental ou moral intenso à vítima”. Se legem habemos, e esta especificamente refere a possibilidade do dano moral nas demandas coletivas, a título coletivo,não cabe ao intérprete restrição hermenêutica. É possível extrair o conceito de dano moral coletivo da doutrina fluminense, através do magistério de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, em seu artigo “Responsabilidade por dano não-patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo)7: “Ora, quando se protege o interesse difuso – o que é um interesse de um número indeterminável de pessoas, que é de todos e de cada um ao mesmo tempo, mas que não pode ser apropriado por ninguém – o que se está

7 in Revista da EMERJ, v. 03, n. 09, 2000, p 21-42. protegendo, em última instância, é o interesse público.

Não se trata de soma de interesses privados, particularizados, fracionados, pois cada pessoa é titular de todo o bem, sem que possa se opor ao gozo por parte dos demais titulares do mesmo direito. Inegavelmente, portanto, trata-se de um interesse público, não titularizado pelo ente público. (…) De tudo resulta que os requisitos para fazer surgir a reação do direito à lesão de interesse difuso, os princípios que norteiam o critério de responsabilidade, bem como a própria função da imposição de responsabilidade devem ganhar certa flexibilidade, permitindo-se, com isso, agilidade e praticidade no combate e na reparação de atos violadores de interesses difusos.

Com essa conformação e preocupação, surge o recém denominado dano moral coletivo. O dano moral, portanto, deixa a concepção individualista caracterizadora da responsabilidade civil para assumir uma outra mais socializada, preocupada com valores de uma determinada comunidade e não apenas com o valor da pessoa individualizada”. Prossegue citando Carlos Bittar Filho: “(…) o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isto dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)”. O dano moral coletivo, na hipótese, tem pois nítido caráter preventivo-pedagógico, tanto que, na execução, o valor é destinado ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados. A respeito transcreve-se ainda lição do Ministro Luiz Fux, no voto vencido, em REsp de sua relatoria (REsp 598.281/MG) em que refere a possibilidade da condenação, de réu em ação civil pública, para defesa do meio ambiente, em valor relativo ao dano moral coletivo, verbis: “. Dano moral coletivo ressarcitório e punitivo. Ano atrás, indicou-se a possibilidade jurídica do dano moral coletivo, assinalando que muitos tocam a categorias de pessoas: usuários de telefones, a comunidade habitacional de um prédio, os consumidores de uma publicidade desleal, que poderiam ver afetados sentimentos grupais. Um avanço muito importante neste tema foi dado pelo art. 43 da Constituição argentina, ao reconhecer a legitimação para agir das associações com fins de deduzir o amparo quando há lesão de direitos q’de protegem o ambiente, a concorrência, os direitos de incidência coletiva em geral. Na Argentina admitimos a possibilidade da reparação do dano moral coletivo. No Brasil, a Lei 7.347, art. 1.°, diz: “regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados (…) ao meio ambiente (…)”. No suposto da lesão dos bens coletivos, e o meio ambiente, o dano moral admite uma função  ressarcitória e punitiva. O criticável na tese punitiva dentro desta matéria foi que pretendia ser excludente com relação a uma finalidade reparatória, e restritiva, ao permitir somente alguns casos específicos de ressarcimento. Consolidada a tese ressarcitória, revaloriza-se progressivamente a possibilidade de utilizar a indenização como pena, recorrendo-se à tese anglo-saxônica do dano punitivo. “Na reparação dos danos morais, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como em regra, nos danos materiais, porém, concomitantemente, a função satisfatória é a pena”. O que nos interessa pôr em relevo é que essa teoria aponta, basicamente, para a destruição da razão econômica, que permitiu que o dano se ocasionara. Era mais rentável deixar que o prejuízo se realizasse que preveni-Io; o dano punitivo arruína este negócio e permite a prevenção. Na concepção punitiva, não se reclama dinheiro como preço nem como reparação, mas como satisfação exigida do culpado, a vindicta, a pena. O dano moral e uma sanção por algo imoral. Na Argentina, as Jornadas Nacionales de Derecho Civil, disseram: “Es prudente establecer como requisito de admisibilidad de Ias condenaciones punitivas Ia existencia de un dafio resarcible individual o colectivo causado por el sancionado (“De lege ferenda”, punto 6)”. No Proyecto de Código Civil Argentino de 1998, art. 1622. Dafio a intereses de incidencia colectiva. En El caso de dafio a intereses de incidencia colectiva corresponde prioritariamente Ia reposición aI estado anterior al hecho generador, sin perjuicio de Ias demás responsabilidades. Si Ia reposición es total o parcialmente imposible, el responsable debe reparar e! dafio mediante otros bienes que satisfagan intereses de incidencia colectiva equivalentes aIos afectados. Están legitimados para accionar el damnificado directo, El defensor deI pueblo, el Ministerio Público y Ias asociaciones que propenden a Ia defensa de esos intereses y están registradas conforme a Ia ley especial.”

O advento do novel ordenamento constitucional – no que concerne à proteção ao dano moral – possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na: art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável UTI singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando lesão ao patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental. O dano moral ambiental caracterizar-se-á quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo – v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental. Deveras, o dano moral individual difere do dano moral difuso e in re ipsa decorrente do sofrimento e emoção negativas. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado.  Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884⁄94 introduziu uma alteração na LACP, segundo a qual passou a ficar expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei. Outrossim, A partir da Constituição de 1988, existem duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral, separadamente, ou seja, pode o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do outro. Ex positis, DOU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude da conduta dos réus para com o Meio Ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381⁄382). É como voto”.

O Fundo foi regulamentado pelo Dec. 92302 de 16/01/19868, pelo Dec. 1306/19949 e pela Lei 9008/9510. Superada a questão da existência do dano moral coletivo, pela formulação enganosa (antiética!), visando o ludíbrio de aposentados e pensionistas (agressão ao comportamento de boa-fé objetiva, que se exige de uma grande empresa, no âmbito de uma Sociedade com cidadania de baixa densidade, porque mal formada e desinformada, resta esclarecer que, a fixação de indenização por dano moral coletivo, visa o empoderamento dos cidadãos brasileiros a partir de iniciativas educacionais, informativas e modernizadoras com a verba do referido Fundo. Veja-se a respeito a lição do advogado Ricardo dos Santos Castilho: “O dinheiro arrecadado pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, fundo Federal, ou pelo fundo Estadual, deve ser aplicado na recomposição efetiva dos danos causados aos direitos previstos no art. 1º da Lei da ação civil pública, repondo as coisas no seu estado anterior, ou seja, na reconstituição dos bens lesados a que alude o art. 13 caput, in fine, da falada lei. Mas sua destinação foi ampliada: pode hoje ser usado para a recuperação de bens, promoção de eventos educativos e científicos, edição de material informativo relacionado com a lesão, bem como modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução da política relacionada com a defesa do interesse envolvido (Lei nº 9.008/1995, art. 1º, § 3º).

Tenhamos presente que os recursos do fundo não podem ter destinação diversa da que é estabelecida na lei”11. 8 “Regulamenta o Fundo para Reconstituição de Bens Lesados de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências”. 9 “Regulamenta o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, de que tratam os arts. 13 e 20 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, seu conselho gestor e dá outras providências”. 10 “Cria, na estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, altera os arts. 4º, 39, 82, 91 e 98 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e dá outras providências”. 11 in “A defesa dos interesses do consumidor: Da legitimidade do Ministério Público nos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”, ed. Iglu, 2002, p. 87.

Nesta linha e considerando a razoabilidade que deve pautar as decisões judiciais, a falta de precedentes, e o expressivo número de ações em face da ré em curso neste TJRJ, deve ser a indenização fixada em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Isso posto, voto no sentido do DESPROVIMENTO do primeiro apelo e do PROVIMENTO do segundo, reformando-se, em parte, a sentença e, reconhecendo a responsabilidade da ré pelos danos materiais e morais individuais causados aos consumidores, os quais deverão ser buscados em liquidação e execução de sentença na forma do art. 97 CDC, bem assim condenando a ré ao pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a título de dano moral coletivo, valor a ser depositado no Fundo de que trata a lei própria, em sede de execução, mantida no mais a sentença. ___________________________

Des. Cristina Tereza Gaulia

Relator

Certificado por DES. CRISTINA TEREZA GAULIA

A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.

 Data: 26/08/2009 18:58:19Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Processo: 2009.001.05452 – Tot. Pag.: 20

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Site publicado em 04/05/2009
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