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O CONSUMIDOR TOMA A PALAVRA. E RECLAMA.

O CONSUMIDOR TOMA A PALAVRA. E RECLAMA.

Os leitores que mais escrevem cartas à coluna Defesa do Consumidor dizem que as empresas não se preocupam com clientes.

 

Ser consumidor dá muito trabalho. E as mais de 160 mil cartas recebidas por esta coluna, de 2003 para cá — desde que nosso banco de dados foi informatizado —, dão a medida do tamanho do problema. É por isso que, às vésperas do Dia Mundial do Consumidor, festejado amanhã, decidimos ouvir alguns dos leitores que mais assiduamente escrevem cartas a esta seção. Alguns deles ultrapassaram a casa da centena de reclamações enviadas ao longo desses últimos anos. E, com sua persistência em fazer seus direitos respeitados, há quem tenha chegado a levar gerente de loja à delegacia e quem chegou a receber ligação do presidente de uma empresa de telefonia para resolver o seu problema. Uma lição de cidadania.

 

Ao ouvir os relatos desses consumidores, a sensação é de que o respeito aos direitos básicos defendidos pelo presidente americano John Kennedy, há 38 anos (veja quadro), ainda estão longe de ser alcançados.

 

— Hoje em dia, o consumidor precisa estar atento o tempo todo para não cair em armadilha. E mesmo estando sempre antenado antes de contratar um serviço ou comprar um produto, não há como, vez por outra, não ser pego por um fornecedor. O importante, no entanto, é não esmorecer na briga por seus direitos, e ter sempre em mente que, se a vantagem oferecida for muita, é hora de manter um pé atrás — diz Fernando Almeida, na dianteira de nosso ranking de cartas, com 167 enviadas. — Infelizmente, as empresas acabam atendendo mais por preocupação com a imagem, com a propaganda negativa, do que com o consumidor. Ninguém é infalível, mas repetir o erro, várias vezes, é má-fé.

 

Para consumidor, empresas não estão aprendendo com os erros.

JOÃO PIMENTEL: Justiça lenta atrapalha.

João Maurício Pimentel, publicitário e economista, resolve muito dos seus problemas através do serviço de cartas do jornal, enviou 87 até o momento, mas lamenta que as empresa não aprendam com as queixas.

— Tive um caso com o site de uma grande rede de supermercados, foi uma complicação para cancelar um pedido, só com o GLOBO! Mas nada mudou. O site permanece frio, indiferente. Não acho que as reclamações mudem o comportamento de nossas empresas, até por falhas gritantes na Justiça. Os processos nos Juizados de Pequenas Causas, que deveriam ser rápidos, hoje estão quase tão lentos quanto os juizados normais — aponta Pimentel.

 

BEATRIZ CORRÊA diz que pequeno comércio evoluiu, já os grandes: “uma vergonha”.

Beatriz Mendes Correa, com 140 cartas em seu histórico, diz que o mais lhe incomoda atualmente é o serviço bancário:

— Não há respeito em relação ao tempo de fila e as tarifas bancárias são altíssimas. Ou seja, eles usam nosso dinheiro e ainda nos cobram para usá-lo. Cito os bancos como exemplos, mas também as empresas de telefonia, os planos de saúde, todos continuam uma vergonha. O que melhorou foi o atendimento dos pequenos comerciantes, já os grandes, os leões continuam soltos.

 

PEDRO CORBETT: sete ações em trâmite.

Músico, programador de computador e ativista, assim se define Pedro Corbett, que desde os 17 anos mantém um site onde discute assuntos ligados à liberdade de expressão, cidadania e direitos dos consumidores, concorda com Beatriz. Sua inconformação com a ineficiência dos órgãos reguladores já o levou a escrever 142 cartas a esta coluna, a apresentar várias representações ao Ministério Público, à Corregedoria Geral da União e à Justiça (atualmente tem sete ações tramitando contra bancos e administradoras de cartão de crédito).

— Hoje há uma decadência na aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Estamos à beira do caos. As agências reguladoras que deveriam fiscalizar as empresas não o fazem, são omissas. Por isso, as empresas não temem nossas reclamações, sabem que não vão dar em nada. Para brigar pelos direitos, muitas vezes não resta outra opção a não ser a Justiça.

 

Críticas à acomodação, à turma ‘do deixa pra lá’.

Eduardo de Carvalho Abreu também tem na ponta da língua os passos da sua via crucis na briga por direitos: reclamar à empresa; quando não funciona, recorrer às agências reguladoras e, se ainda assim não há solução, sentar-se à frente do computador e escrever à esta seção. Já são 91 cartas, até agora.

— Depois que a gente reclama o atendimento melhora, mas na prática das empresas não tenho visto mudanças — queixa-se Abreu, que foi à Justiça duas vezes contra operadoras de telefonia e já chamou a polícia para garantir seus direitos. — Fui trocar um produto numa loja no shopping e o gerente se negou veemente, como me exaltei, ele ameaçou chamar a segurança. Sai da loja e chamei a polícia. Levei todos à delegacia, fiz um boletim de ocorrência e no fim, consegui a troca.

 

PARA LILIAN reclamar ainda vale à pena.

Reclamar dá trabalho, mas vale à pena, garante Lilian de Oliveira Costa, auxiliar de biblioteca, de 27 anos, moradora de Angra dos Reis.

— Só para dar um exemplo, meu marido teve um problema com uma promoção de uma operadora de celular, reclamamos e eles devolveram os R$500 de crédito ao qual ele tinha direito. A grande maioria das pessoas é acomodada, é da turma do deixa pra lá, mas precisamos mudar isso.

 

Foi justamente atendendo a reclamações de clientes da empresa para qual trabalhava, ou seja, do outro lado do balcão, que Deborah Bandeira Duarte aprendeu a ser consumidora:

— Trabalhei numa empresa na qual atendia clientes e observei que eles se queixavam de tudo, qualquer centavo. E eles tinham razão. A partir daí, também comecei a ser mais crítica. Antes eu tinha vergonha de reclamar.

Ela afirma que a sua persistência, que lhe conferiu a pecha de chata, algumas vezes acabou por beneficiar toda a vizinhança:

— A banda larga não chegava à minha rua; o cabo parava três quilômetros antes. Eu me queixei com a empresa e acabei recebendo uma ligação do presidente da companhia e uma equipe de cinco pessoas em minha casa para verificar o problema. Muitas obras e três meses depois, a banda larga já atendia a toda vizinhança.

 

Para Oton José Nobre, há sete anos, morador de Colombo, no Paraná, que contabiliza 89 cartas enviadas à esta seção, a informação ainda é o ponto crítico: 

— O que falta sempre é informação. O vendedor não sabe informar ao consumidor e aquele que não estiver bem informado com certeza vai sair perdendo. Se todos reclamassem seus direitos, as empresas já teriam melhorado.

 

Jornal: O GLOBO

14/03/2010

Luciana Casemiro


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Site publicado em 04/05/2009
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