Flávio Citro - Direito Eletrônico

Ofertas iludem e podem ser consideradas venda casada.

Empresas se aproveitam da fragilidade do consumidor. Para ser cancelado, serviço não pode ser usado.

RIO — A “empurroterapia” de serviços na hora da compra de produtos ou na aquisição de um cartão de crédito está se sofisticando e o consumidor mal consegue identificar a venda casada. São planos odontológicos, garantia estendida, livros. O consumidor tem que ficar atento no momento da compra e recusar o produto ou serviço na hora. Ou cancelar, assim que for cobrado, antes de usar. Se a pessoa tiver trabalho para cancelar o que não pediu, receber cobrança indevida, ou não conseguir utilizar o serviço oferecido, pode entrar na Justiça cobrando danos morais.

O juiz Flávio Citro do Juizado Especial Cível acaba de dar uma sentença que obriga as Casas Bahia a devolverem o valor de R$ 238 e a pagarem ressarcimento por dano moral de R$ 2 mil para cada réu. Reginaldo Marques de Souza e Marcelo Ferreira de Santana entraram com uma ação, pois a empresa colocou no cartão de crédito dois seguros de acidentes pessoais com bônus de assistência odontológica. A fatura foi paga, no entanto, os autores não receberam o cartão de identificação e utilização dos serviços, nem o manual de utilização do seguro.

— Fui comprar um celular e acabei saindo com um plano odontológico que não consegui usar porque nunca recebi o cartão do convênio. Até hoje estou com um dente preso com cola. E ainda me cobraram tudo junto na fatura — conta Reginaldo de Souza.

Conselho de Odontologia: oferta fere Código de Ética.

As Casas Bahia, em sua contestação, afirmaram que a responsabilidade era da seguradora.

— Sob o ângulo do direito do consumidor, as Casas Bahia são o primeiro responsável, pois foi quem vendeu os serviços. Esta prática de oferecerem serviços extras vem sendo disseminada e o consumidor, pego de surpresa, acaba contratando sem saber direito o que está fazendo. A pessoa que vai a uma loja para comprar um móvel ou um eletrodoméstico não está preparada para comprar um seguro ou uma assistência odontológica. Ela não se lembra de perguntar qual a rede desta assistência, se há local de atendimento perto da sua casa, não procurou se informar o que existe no mercado e nem comparou preços. Aproveitar-se dessa fragilidade do consumidor é ter uma vantagem excessiva — afirma Citro.

O Conselho Regional de Odontologia de São Paulo esclarece, na ação, que o Código de Ética Odontológica prevê como infração “executar e anunciar trabalho gratuito ou com desconto com finalidade de aliciamento” e “oferecer serviços profissionais como prêmio”. E explica que o Código de Ética deve ser seguido, obrigatoriamente, pelas operadoras, seguradoras, intermediadoras, administradoras de planos de saúde, entre outras entidades que exerçam a odontologia.

Citro observa que é fácil encontrar este tipo de reclamação na internet. Nas reclamações, os consumidores contam que, ao fazer a compra, o vendedor diz que vai dar um desconto, mas para isso é preciso que se aceite um plano odontológico. O tal plano, que seria uma cortesia, na verdade, custa R$ 238,80, valor embutido no desconto.

As Casas Bahia informam que pautam suas ações no respeito e dedicação aos consumidores, e oferecem produtos e serviços que visam a atender a suas necessidades. Esclarecem também que as informações prestadas no momento da oferta são claras e precisas, e permitem ao consumidor sua livre escolha. A empresa afirma que entrará em contato com os consumidores para esclarecer suas dúvidas e solucionar eventuais problemas.

As Lojas Renner também são alvo deste tipo de reclamação, só que, neste caso, os consumidores reclamam que a empresa empurra o Seguro Compra Garantida. E quando a cliente percebe que o seguro foi incluído e quer o cancelamento, recebe a informação de que é preciso procurar uma loja da Renner e pedir uma nova via do carnê.

O juiz Citro ressalta que a venda casada se dá quando o consumidor só consegue comprar um produto ou serviço se levar outro, obrigatoriamente. A prática das empresas tem sido de oferecerem os produtos, mas a forma desta oferta deixa o consumidor, a princípio, sem opção. E muitas vezes, o vendedor diz que é possível cancelar o serviço sem problema.

— O consumidor tem todo o direito de cancelar o serviço oferecido, se não o tiver utilizado, pedindo o ressarcimento do valor pago. Porém, se o serviço for cobrado sem que ele tenha autorizado, neste caso, é cobrança indevida e a devolução do valor cobrado tem que ser feita em dobro.

Consumidor tem direito de cancelar o serviço oferecido.

Débora Vargas se surpreendeu quando procurou o curso de inglês Wise Up no Rio, em janeiro deste ano, e descobriu que, independentemente do nível em que iria estudar, teria de comprar todo o material didático.

— Resolvi voltar às aulas de inglês e tive indicação do Wise Up. Estranhei ter que pagar a matrícula,de R$ 360, antes mesmo de fazer um teste de nivelamento. Paguei e fiz o nivelamento, quando fui informada de que, não importava o nível classificado, seria obrigada a comprar todo o material didático do curso, que custa R$ 2.484, mesmo estando em nível avançado, E o aluno tem que dar 18 cheques no valor de R$ 138, o que é um absurdo — conta Débora, que não aceitou as condições e pediu o cancelamento da matrícula, paga à vista e em dinheiro. Teve de esperar 15 dias pelo estorno.

Carolina Araújo escreveu para esta seção contando que passou pelo mesmo problema: “Para fazer a matrícula no curso fui impedida de usar os livros de uma amiga que havia desistido, sendo obrigada a comprar todo o material novamente. O que configura, evidentemente, venda casada, uma prática ilegal”.

O presidente da Wise Up, Flávio Augusto da Silva, nega que a empresa exerça prática abusiva:

— Seguimos o modelo adotado por todos os cursos e escolas. Nosso material didático pode, sim, ser utilizado por outro aluno. Podem existir problemas pontuais, mas nossa ouvidoria está à disposição para esclarecer as dúvidas dos alunos.

Nadja Sampaio – 15/02/12

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LEIA A SENTENÇA:

I JUIZADO ESPECIAL CIVEL E DO CONSUMIDOR DA COMARCA DA CAPITAL

Processo:  0273372-10.2011.8.19.0001

Reclamantes: REGINALDO MARQUES DE SOUZA e MARCELO FERREIRA DE SANTANA

Reclamada: CASAS BAHIA

S  e  n  t  e  n  ç  a

Vistos e etc.

Dispensado o relatório na forma do artigo 38 da Lei 9.099/95.

A reclamação versa sobre pleito de indébito e dano moral.

Os autores pleiteiam o cancelamento e rescisão dos contratos com o indébito de 2 seguros de acidentes pessoais com bônus de assistência odontológica (fls. 13 e 23), no valor de R$ 238,00 cada, que, embora contratados em fevereiro de 2011 pelos consumidores com valores incluídos nas compras de produtos nas Casas Bahia e pagos no cartão de crédito da Ré, não foram disponibilizados tais serviços aos autores que sequer receberam a cartão de identificação e utilização ou manual de utilização do segurado.

Na contestação de fls. 45 a Ré Casas Bahia argüiu ilegitimidade passiva apontando a responsabilidade da Mapfre Vera Cruz Vida e Previdência e da empresa Sorriso Operadora de Assistência Odontológica Ltda e sustenta a inexistência de ilícito e falta de comprovação dos danos pelos autores.

O Conselho Regional de Odontologia de São Paulo considerou a conduta da Ré de oferecer assistência odontológica verdadeiro “aliciamento de pacientes odontológicos” no seio da vasta clientela de varejo das lojas “Casas Bahia” com infração ética praticada em favor da varejista em parceria com SEGURO MAPFRE AP ODONTO vinculado à SORRISO OPERADORA ODONTOLÓGICA LTDA, em verdadeira competição e concorrência desleal, senão vejamos:

“18/05/2011


Nota de Esclarecimento – Oferecimento de Planos Odontológicos nas Lojas “Casas Bahia”

casa-bahia

O Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, Autarquia Federal responsável pela supervisão da ética profissional, por zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Odontologia e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente, considerando o anúncio realizado nas lojas “Casas Bahia”, oferecendo assistência odontológica – SEGURO MAPFRE AP ODONTO, divulgando valores, prêmios, benefícios, vantagens, gratuidades, tabela comparativa de valor médio de mercado pelo valor praticado pelo plano odontológico, vinculado à SORRISO OPERADORA ODONTOLÓGICA LTDA., ESCLARECE à classe odontológica:

O Art. 24, incisos III e VIII do Código de Ética Odontológica prevê como infração ética, respectivamente: “executar e anunciar trabalho gratuito ou com desconto com finalidade de aliciamento” e “oferecer serviços profissionais como prêmio (…)”. Ainda, o Art. 34, incisos I e VII, do mesmo dispositivo legal, dispõe, como infração ética, respectivamente: “anunciar preços, serviços gratuitos, modalidades de pagamento, ou outras formas de comercialização que signifiquem competição desleal” e “aliciar pacientes, praticando ou permitindo a oferta de serviços através de informação ou anúncio falso, irregular, ilícito ou imoral com o intuito de atrair clientela, ou outros atos que caracterizem concorrência desleal ou aviltamento da profissão”.

Assim sendo, o CROSP ESCLARECE que, por força da Lei 4.324/64, o Código de Ética também deve ser seguido, obrigatoriamente, pelas operadoras, seguradoras, intermediadoras, administradoras de planos de saúde entre outras entidades que exerçam a Odontologia, ainda que de forma indireta, além dos profissionais da odontologia e clínicas odontológicas, razão pela qual as medidas ético-disciplinares estão sendo adotadas em face dos inscritos envolvidos, desde 24/02/2011, quando tomamos conhecimento dos fatos, visando coibir tal conduta, que desprestigia e desvaloriza a profissão, gerando prejuízos à harmonia profissional e ao conceito da Odontologia perante a sociedade, situação que repudiamos como órgão fiscalizador e zelador da ética.

Salientamos que, de acordo com o Art. 10, §1º do Código de Processo Ético Odontológico, disponível no site do CROSP e do CFO, na hipótese de denúncia ou representação formal, para que o denunciante atue em eventual processo ético, é obrigatório constar: assinatura e qualificação do denunciante, exposição do fato em suas circunstâncias e demais elementos que possam ser necessários na avaliação da conduta. Os casos de denúncias encaminhadas por email, são acolhidos pelo CROSP, que assume o pólo ativo na ação ética como parte denunciante “de ofício”, considerando obrigação legal prevista na Lei 4324/64. Esclarecemos que na presente situação, a exemplo do que adotamos de rotina em situações dessa natureza, o profissional denunciante foi comunicado a respeito das medidas adotadas.

O CROSP conta com o apoio de todos na fiscalização da ética e defesa da Odontologia, sendo que denúncias poderão ser encaminhadas para o email fiscalizacao@crosp.org.br ou encaminhadas diretamente à nossa Sede, pelos CORREIOS, para Avenida Paulista, 688 – térreo – CEP 01310-909 – São Paulo, SP, conforme acima descrito.” http://www.crosp.org.br/noticias/exibir/?id=104

http://blogdaatm.blogspot.com/2011_05_01_archive.html

http://br.milliman.com/publications/healthcare/newsletters/pdfs/newsletter-25-05-11.pdf

Portanto, de igual forma, sob o ângulo do direito do Consumidor, responde a fornecedora e empresa de varejo a Ré Casas Bahia como empreendedor responsável em primeiro plano pela inexecução do contrato em prejuízo dos consumidores, na forma dos arts. 7º e 25 do CDC, em solidariedade com as demais prestadoras, mormente diante da equação econômica revelada na dinâmica do contrato de consumo, em que os seguros de acidentes pessoais com bônus de assistência odontológica (fls. 13 e 23), no valor de R$ 238,00 cada, tiveram seus prêmios incluídos nas compras de produtos nas Casas Bahia e pagos no cartão de crédito da Ré, razão pela qual deve ser rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, já que a Ré responde pelo vício do serviço que não foi disponibilizado para os autores, que sequer receberam a cartão de identificação e utilização ou manual de utilização do segurado.

Os autores, portanto, fazem jus ao indébito de R$ 238,00 cada, no valor de R$ 476,00.

Há necessidade ainda de fixação de uma indenização pedagógica.

O dano moral tem merecido a investigação de nossos melhores juristas, como o Professor Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, em aresto da 2a. Câmara do Tribunal de Justiça :

“Na falta de critérios objetivos para a configuração do dano moral, … ultrapassada a fase da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos o risco agora de ingressarmos na fase de sua industrialização … em busca de indenizações milionárias. … Estou convencido que o arbitramento judicial continua sendo o meio mais eficiente para se fixar o dano moral e nessa tarefa não está o juiz subordinado a nenhum limite legal, nem a qualquer tabela pré-fixada, mormente após a Constituição de 1988 … . Mas estou igualmente convencido de que o juiz deve fixá-la com prudência …(Apelação Cível n. 760/96, 2a. Câmara Cível).

Na mensuração da indenização do dano moral, deve valer-se o julgador da lógica do razoável, evitando a industrialização do dano moral, razão pela qual se arbitra a indenização, aos dois reclamantes, em R$ 4.000,00, com correção e juros a partir da data da sentença.

Pelo exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva e JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar a reclamada a pagar aos dois reclamantes REGINALDO MARQUES DE SOUZA e MARCELO FERREIRA DE SANTANA, a título de dano moral, a quantia R$ 4.000,00, com correção e juros a partir da data da sentença, devendo tal quantia ser depositada em até 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado desta, sob pena de multa de 10% do valor fixado na forma do art. 475-J do CPC; condeno ainda a reclamada a pagar a pagar aos 2 reclamantes R$ 476,00 a título de dano material, com juros e correção a partir do ajuizamento, devendo tal quantia ser depositada em até 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado desta, sob pena de multa de 10% do valor fixado na forma do art. 475-J do CPC. Sem custas e honorários, na forma do art. 54 da Lei 9099/95. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2012. FLÁVIO CITRO VIEIRA DE MELLO Juiz de Direito

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Site publicado em 04/05/2009
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