Flávio Citro - Direito Eletrônico

Ministério Público decide acabar com táxis especiais no Rio

ReproduçãoO Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) propôs em ação civil pública que as cooperativas de táxis especiais sejam proibidas de cobrar tarifas que chegam ao dobro do que é cobrado pelos táxis comuns, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Os táxis especiais operam em pontos de grande movimento de passageiros e alta rentabilidade, como aeroportos, rodoviárias e shoppings.

Na ação, o promotor de Justiça Pedro Rubim Borges Fortes alega que não existe diferença de qualidade ou conforto entre os táxis das cooperativas convencionais e os chamados especiais. Para ele, as cooperativas de táxis especiais, ao cobrar o dobro do valor de um táxi comum, praticam “um absurdo, uma prática lesiva e abusiva aos interesses do consumidor”.

Além disso, os táxis especiais acabaram criando uma distorção na concorrência e confundindo o passageiro. “A cobrança em dobro distorce o mercado de táxis e cria um cenário de armadilha aos consumidores de aeroportos. Nos guichês internos dos aeroportos, o preço é dobrado. No saguão de desembarque, há vários taxistas em busca de uma corrida com ágio, querendo cobrar um preço superfaturado também. Do lado de fora, há escassez de táxis. É preciso acabar com a cobrança em dobro das cooperativas para regularizar o mercado novamente”, explicou Pedro Rubim.

O promotor também expediu uma recomendação ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, para que revogue um decreto municipal que permite a cobrança em dobro pelas categorias de táxis especiais e de turismo na capital fluminense. Ele destaca que, ao longo do inquérito, as cooperativas e a Secretaria Municipal de Transportes reconheceram que não existe mais diferença entre os veículos considerados especiais e os comuns, ao contrário do que ocorria anos atrás, quando apenas os táxis especiais eram equipados com ar-condicionado e rádio toca-fitas.

“O consumidor não pode ser obrigado a pagar pela sua corrida e, também, pela volta do carro vazio ao ponto de táxi. O Código de Defesa do Consumidor veda a cobrança por atividades que agregam qualquer valor ao consumidor, onerando-o excessivamente”, esclareceu o promotor. A principal justificativa das cooperativas de táxis especiais para manter a cobrança em dobro é, justamente, a remuneração do retorno do carro, vazio, ao ponto de origem.

Redação SRZD | Rio+ | 08/02/2012

http://www.sidneyrezende.com/noticia/161588

Processo2012.001.028805-0                  1ª Petição inicial

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Empresarial da Comarca da Capital

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, com fulcro na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar em face de:

1)COOPERATIVA DE TRABALHO DOS MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE TÁXI E TURISMO DO RIO DE JANEIRO LTDA – COOPATUR, inscrita no CNPJ n° 28.789.584/0001-45, com sede na Rua Guilherme Frota, nº 167, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.042-750;

2)COOPERATIVA MISTA DE TRABALHO DE MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE TÁXI ESPECIAL DO RIO DE JANEIRO LTDA – COOPERTRAMO, inscrita no CNPJ n° 30.042.097/0001-66, com sede na Rua Barros Barreto, nº 30, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.032-140;

3)COOPERATIVA DE TRABALHO DE MOTORISTAS E TRANSPORTES DE PASSAGEIROS E TURISMO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – COOTRAMO, inscrita no CNPJ n° 33.812.348/0001-32, com sede na Rua Capitão Carlos, nº 221, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.042-150;

4)COOPERATIVA DE MOTORISTAS PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS DE VEÍCULO DE ALUGUEL PARA TURISMO NO RIO DE JANEIRO LTDA – ROYALCOOP, inscrita no CNPJ n° 32.133.795/0001-00, com sede na Av. Nossa Senhora de Copacabana, nº 330/C.01, Copacabana, Rio de Janeiro/RJ, CEP 22.020-000;

5)COOPERATIVA DE TRABALHO DE MOTORISTAS DE VEÍCULOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS E TURISMO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO LTDA – TRANSCOOPASS, inscrita no CNPJ n° 33.725.029/0001-90, com sede na Av. Guilherme Maxwell, nº 178, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.040-210; 6)COOPERATIVA MISTA DE TRABALHO E CONSUMO DOS MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE TURISMO DO RIO DE JANEIRO LTDA – TRANSCOOTUR, inscrita no CNPJ n° 36.095.792/0001-72, com sede na Rua Bittencourt Sampaio, nº 150, Ramos, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.044-260;

7)TÁXI GRAFFITI – COOPERATIVA DOS MOTORISTAS DE TÁXI ESPECIAL, TRANSPORTE TURÍSTICO, RECEPTIVO ESPECIALIZADO E FRETAMENTO DO RIO DE JANEIRO LTDA, inscrita no CNPJ n° 08.861.990/0001-64, com sede na Rua Aristides Caire, nº 33, Méier, Rio de Janeiro/RJ,

pelas razões que passa a expor:

I – BREVE HISTÓRICO DA LESÃO TRANSINDIVIDUAL

A presente demanda coletiva está inserida em um problema que aflige cidadãos cariocas, autoridades públicas e turistas estrangeiros e nacionais há longo período. Trata-se dos “preços super-faturados” praticados por taxistas nos Aeroportos do Rio de Janeiro.

O presente procedimento foi instaurado no ano de 2002, a partir de uma representação em que se noticiava o problema de “superfaturamento nas tabelas dos táxis de luxo” (fls. 08 do IC 007/06), sendo que a majoração ilegal chegaria ao patamar de 300% em alguns casos. A rigor, já naquela ocasião, o dossiê apresentado pelo reclamante se referia a uma entrevista concedida em 1994, em que o Sr. Reynaldo Lustosa, Gerente da Secretária Municipal de Transportes, admitiria as irregularidades e os preços super-faturados dos táxis especiais.

Decorridos dezessete anos, o Sr. Reynaldo Lustosa informou não se lembrar da referida entrevista. Contudo, seu informe é extremamente esclarecedor quanto à evolução do Mercado de Táxis na Cidade do Rio de Janeiro e ao anacronismo das tarifas diferenciadas:

“Quando as categorias Especial e de Turismo foram criadas, a maioria dos carros dos táxis convencionais era de Volkswagen Sedan (fusca). Um carro popular, notadamente desconfortável, com duas portas, que dificultava a entrada e a saída dos passageiros e de pouca potência.

“Neste contexto surgiu a categoria do táxi Especial, cujo diferencial era a exigência de um carro mais potente e confortável, portanto mais caro.

“Já a categoria Turismo foi criada para servir aos aeroportos, portos, estações rodoviárias, etc com tarifa pré-paga, não necessitando de taxímetro.

“Ao longo dos anos, com a facilidade de os taxistas terem acesso a veículos mais caros, através de renúncia fiscal, houve o acirramento da concorrência, através do aumento desmedido do número de novas permissões concedidas, o que levou os taxistas dos ‘amarelinhos’ a elevarem o nível do serviço, com carros melhores e, depois de certa época, dotados de ar condicionado sem aumento na tarifa” (fls. 191 do IC 007/06).

Ora, o diagnóstico do Gerente da SMTR é preciso: em 1977, quando surgiu a categoria Especial, fazia sentido estabelecer uma distinção de preço entre um opala (com motor potente, ar condicionado e toca-fitas) e um fusca ou uma brasília (motor fraco, ventilador e rádio AM/FM). Era a época das “carroças” e da “reserva de mercado”, que manteve o setor automobilístico brasileiro em atraso.

Atualmente, é completamente irrazoável manter a distinção de preços e autorizar que as Cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI cobrem o dobro do preço.

II – DA COBRANÇA NÃO RAZOÁVEL E DA DISTORÇÃO DO MERCADO

Ora, a conjuntura atual tornou manifestamente absurda a cobrança pelas empresas-rés do valor em dobro pelo transporte de passageiros no Aeroporto Internacional do Galeão e no Aeroporto Santos Dumont.

A partir do momento em que inexiste qualquer distinção entre a qualidade dos automóveis, entre a potência dos motores, entre a temperatura ambiente e o conforto do transporte, torna-se manifestamente absurda a distinção de preços cobrados. Se inicialmente era justificada a categorização dos táxis, atualmente trata-se de uma odiosa distorção de mercado: o poder concedente mantém ao concessionário um absurdo privilégio de cobrar uma tarifa de luxo por um serviço que não é de luxo.

A perplexidade é compartilhada pelos usuários do sistema de transportes do Rio de Janeiro, tal como se verifica através da leitura da reclamação formal feita pelo consumidor ANDRÉ SALOMÃO à ouvidoria do Ministério Público, em 13/03/2011:

“Gostaria de relatar a ilegalidade que ocorre nos aeroportos do Rio de Janeiro. Peguei um táxi Meriva prata da COOPATUR rádio táxi, chamado especial, do Galeão até a Barra da Tijuca e paguei 120 reais. Agora pergunto: o que esses táxis têm de especial? Se todos eles têm ar condicionado e as mesmas condições? Depois voltando da Barra da Tijuca para o Galeão em um táxi amarelo Meriva também, até mais novo que o chamado especial, super confortável e paguei 60,00 reais, a metade do preço pelos mesmos serviços. O Ministério Público tem a obrigação de fiscalizar essas operações dos táxis chamados especiais no Rio de Janeiro, pois os cidadãos estão sendo extorquidos por estas cooperativas, que cobram absurdos sem taxímetro pelos mesmos serviços. Como cidadão, sinto-me lesado. Os turistas, todos os dias, são lesados também” (fls. 03 do Inquérito Civil 615/2011 em apenso).

É, de fato, absurda a cobrança do dobro do preço para a prática de um serviço de transporte rigorosamente igual. Atualmente, como muito bem asseverado pelo consumidor ANDRÉ SALOMÃO, o único aspecto Especial dos táxis das Cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI é sua denominação: são os táxis “chamados especiais”. Por sua vez, o serviço é rigorosamente idêntico ao serviço prestado pela concorrência. Atualmente, nada justifica a cobrança do preço em dobro pelo transporte dos passageiros.

III – DA ARMADILHA AO CONSUMIDOR NOS AEROPORTOS.

A evolução do mercado de táxis (item I) e a manutenção do privilégio absurdo da cobrança em dobro pelas cooperativas dos “chamados táxis especiais” (item II) cria uma distorção no mercado e expõe os consumidores a uma armadilha nos aeroportos do Rio de Janeiro. É justamente este cenário que se pretende desconstruir através da presente Ação Civil Pública.

Estudos interdisciplinares do direito contemporâneo nos ensinam que assimetrias de informação e assimetrias de poder são responsáveis, na prática, por lesões a direitos individuais.1 Ora, o atual cenário dos aeroportos do Rio de Janeiro amplia a vulnerabilidade do consumidor, expondo-o a situações de ignorância e de fraqueza. Existe uma armadilha que precisa ser urgentemente desfeita através da intervenção firme do Poder Judiciário.

Atualmente, o consumidor chega ao aeroporto em seu voô e se depara com a seguinte situação: em primeiro lugar, o indivíduo passa em frente a uma fileira de guichês das cooperativas de “táxis chamados especiais”. Ali sofre com o assédio das funcionárias das empresas-rés, que ficam se digladiando para chamar a atenção do consumidor e induzí-lo a contratar o serviço de transporte pelo dobro do preço. O consumidor ignorante, que desconhece o absurdo da cobrança, deve supor que se trata de um táxi oficial e que nunca seria explorado ali, no interior do aeroporto, antes mesmo do embarque. Por força desta assimetria de informação e de poder, este consumidor será, de fato, explorado pelas empresas-rés e pagará um preço em dobro por um serviço que não é especial. É uma vítima da armadilha de consumo armada no interior dos aeroportos do Rio de Janeiro.

Imaginemos, contudo, que o consumidor não se deixe conduzir pelo assédio das empresas-rés e pela aparência de oficialidade daqueles guichês no interior do setor de desembarque. Em segundo lugar, ao desembarcar no saguão e se misturar a multidão, o consumidor irá ouvir o assédio de taxistas, que irão tentar induzir o consumidor a contratar o serviço de transporte mediante o pagamento de “ágio”. Explica-se: o taxista irá propor um preço intermediário entre o preço normal e o dobro do preço. Esta armadilha para o consumidor foi minuciosamente descrita à Ouvidoria do Ministério Público pela consumidora Aline:

“Retornei de viagem com meu marido no último dia 08/setembro e desembarquei no aeroporto do Galeão. Fiquei absurdamente chocada com a máfia dos taxistas daquele aeroporto. Quando meu esposo solicitou um táxi com destino a nossa residência, no Bairro da Tijuca, disseram ‘Senhor, custa R$ 80,00′. Indignados, continuamos andando e, mais a frente, solicitamos novamente o táxi, mas todos os taxistas cobravam valores entre R$ 60,00 e R$ 80,00. Alguns motoristas simplesmente riam quando meu marido dizia que queria que o valor fosse cobrado pelo taxímetro. Passados alguns minutos, os taxistas não nos davam mais atenção. Aguardamos aproximadamente 50 minutos e, nesse período, vi turistas embarcando para a Barra da Tijuca com a tarifa pré-fixada em R$ 160,00, para São Conrado em R$ 120,00, e até para a Rodoviária Novo Rio em R$ 80,00. Um verdadeiro desrespeito ao cidadão carioca e ao turista. Após nossa longa espera, um taxista que havia deixado outro passageiro no local parou e disse: ‘Senhores, entrem rápido pra ninguém ver que vou fazer a corrida no taxímetro!’ Durante a corrida, o taxista nos revelou o quanto detestava deixar passageiros no Aeroporto Internacional do RJ, pois precisava pegar outro passageiro para voltar e tinha que fazer isso escondido, como se ele fosse um bandido. Relatou-nos ainda que havia dado três voltas até conseguir nos pegar sem que o ‘fiscal’ da máfia o visse, pois este o havia parado nas outras duas vezes e determinado o valor que deveria nos cobrar até a Tijuca: de R$ 60,00 a R$ 80,00… R$ 20,00 pra mim e o resto é seu! Enfim, retornamos com o único motorista honesto que encontramos e a corrida no taxímetro deu R$ 32,00, mesmo com o intenso trânsito da cidade naquele horário. O taxista nos contou detalhes da máfia dos taxistas daquele aeroporto e o quanto ele tinha medo de trabalhar honestamente por lá. Um aeroporto internacional daquele porte não pode passar por problemas dessa natureza, se somarmos ao fato de que estamos prestes a sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada isso é absolutamente inadmíssivel” (fls. 03 do Inquérito Civil n. 1511/2010 em apenso).

O relato da consumidora seria estarrecedor se esta armadilha ao consumidor nos aeroportos do Rio de Janeiro não fosse um fato público e notório. Qualquer indivíduo já vivenciou (ou já ouviu relatos sobre) as três armadilhas: (i) assédio das empresas do “chamado táxi especial”; (ii) assédio de taxistas no saguão de desembarque com propostas de corridas com “ágio”; (iii) espera desconfortável e sentimento de vulnerabilidade até a identificação de um táxi que se propõe a cobrar um preço justo, a despeito da pressão dos colegas de profissão e de um fiscal que poderia multá-lo.

É necessário desfazer urgentemente este cenário que vulnerabiliza o consumidor, cabendo ao Poder Judiciário uma intervenção firme para proteger os direitos do consumidor, proibindo as práticas que acarretam sua oneração excessiva pelos serviços de transporte de passageiros nos aeroportos do Rio de Janeiro.

IV – DA INTERVENÇÃO NECESSÁRIA: TUTELA DO CONSUMIDOR

No caso dos Aeroportos do Rio de Janeiro, a distorção do mercado é gerada pela cobrança em dobro das empresas-rés. As cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI devem cobrar o preço justo e razoável, equivalente aos demais táxis, para que não haja mais a oneração excessiva do consumidor.

Ao chegar ao guichê, o consumidor deve pagar uma tarifa pré-fixada simples, consoante a tabela de tarifas para cobrança antecipada da Categoria Convencional da SMTR (confira-se fls. 22/24). Já que não existe qualquer distinção entre o táxi convencional e o “chamado táxi especial”, deve ser proibida a cobrança pelas rés da tabela de táxi Especial. Nada justifica a cobrança do preço em dobro, a não ser uma odiosa reserva de mercado.

Não havendo a onerosidade excessiva e a falta de razoabilidade da cobrança em dobro (atualmente praticada pelas empresas-rés), os consumidores não serão mais explorados pelas cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI.

Fulminada a odiosa reserva de mercado e todas as distorções causadas por ela, também será eliminado o ágio praticado no saguão dos aeroportos do Rio de Janeiro. Extintas estas armadilhas, os taxistas honestos poderão parar tranquilamente para efetuar o transporte de passageiros mediante a cobrança pelo taxímetro, sem receio de fiscais a serviço de máfias e da violência de outros taxistas.

Este modelo é idêntico ao dos principais aeroportos do mundo, em que o consumidor opta por uma tarifa pré-fixada, razoável e justa, no interior do aeroporto ou por um serviço através de taxímetro em seu exterior. No caso do Rio de Janeiro, as distorções geradas pela cobrança em dobro das empresas-rés criaram um ágio, alimentaram uma máfia e desenvolveram um cenário de exploração dos consumidores que se prolonga há duas décadas.

Cabe ao Poder Judiciário intervir de maneira firme, proibindo a cobrança de preços em dobro, eliminando as distorções do mercado criadas pela “chamada categoria especial” e restabelecendo os direitos do consumidor.

V – DO DIREITO

Atualmente, além do táxi convencional, segundo informou a SMTR (fls. 190/191), existem duas outras categorias de táxi, quais sejam, especial e turismo. O táxi especial é categoria de táxi criada pelo Decreto nº 1148/77 (fls. 196/199) e, em tese, se caracteriza por utilizar veículo mais potente, dotado de sistema de telecomunicação e de taxímetro, que registra uma tarifa única, sem distinção horária ou geográfica, entre outros acessórios obrigatórios definidos no referido Decreto. Já a categoria de táxi turismo, a fim de servir aeroportos, portos, estações rodoviárias e hotéis, foi criada pela Portaria “N” nº 012/66 (fls. 200/204) e caracteriza-se por atuar como frete. A cobrança de tarifa dá-se de acordo com as tabelas tarifárias anexas às Resoluções da SMTR. Até o ajuizamento da presente vigora a Resolução SMTR nº 2.084/2011 (fl. 205).

Ora, não se justifica tal diferencial, pois as cooperativas de táxi comum também possuem serviço de radiotaxi e, como já informado, também possuem frota de veículos novos e de vários modelos, potentes e confortáveis, caindo por terra o fundamento alegado à época da criação dos táxis especiais pelo Decreto nº 1148/77, eis que ineficaz diante da realidade hodierna do mercado de transporte público individual.

Com efeito, o Decreto nº 1148/77 prevê que as cooperativas rés operem com tabelas de preços pré-fixados, estabelecendo sempre a razão de 2.0, isto é, a tarifa dos taxis especiais devem ser 100% superior em relação a tarifa dos taxis convencionais. Sendo que esta aplicabilidade de cobrança diferenciada, repita-se, não se justifica mais em razão de simplesmente não haver diferença substancial entre as características dos serviços ora prestados pelas cooperativas de taxis comum e especial.

A primeira ré, COOPATUR, tenta esclarecer o diferencial entre as cooperativas de táxi comum e especial (fl. 224 do IC nº 007/06) alegando que as tarifas dos táxis especiais são, em média, 80% mais altas que as tarifas convencionais devido ao fato dos táxis que operam nesta categoria não poderem pegar passageiros ao longo do percurso, mas somente por chamada radiofônica, bem como após a corrida deve retornar ao ponto vazio, enquanto que no táxi comum, estes podem pegar passageiros em qualquer lugar.

A segunda ré, COOPERTRAMO, (fl. 185 do IC nº 007/06) informou que a cobrança diferenciada, que ora se impugna, reside no fato de que as cooperativas de taxis especiais somente efetuam transportes de passageiros através do sistema de radiofonia ou mediante solicitação de passageiros que utilizam os terminais e hotéis, não lhes sendo permitido angariar passageiros, por solicitação em via pública, na forma adotada pelos taxis convencionais.

Ora, esta explicação apenas reforça a necessidade de se eliminar a categoria Especial e a cobrança em dobro feita pelas rés no aeroporto. Não é razoável proibir que estes táxis prestem o serviço de transporte de passageiros nas ruas do Município, deixando de servir os consumidores. Também não é razoável que os consumidores tenham que pagar em dobro, para financiar o retorno dos veículos vazios aos aeroportos. Não apenas se trata de um desperdício de recursos, mas também da cobrança do consumidor por um serviço que não lhe é prestado. Ora, se a justificativa para a cobrança em dobro é porque o consumidor arca com as despesas do retorno do táxi, vazio, ao aeroporto, então ele está pagando pelo seu “transporte” e pelo “retorno” do táxi vazio. Ocorre, porém, que o “retorno” do táxi não lhe agrega qualquer valor.

A explicação das empresas apenas reforça a necessidade de se proibir a cobrança em dobro. Cabe ao consumidor efetuar o pagamento apenas da “tarifa de transporte de passageiros”, mas não pagar o equivalente a uma “tarifa de retorno do táxi”, que é a justificativa para a cobrança em dobro, segundo as empresas-rés COOPATUR e COOPETRAMO.

Ora, a jurisprudência de nossos Tribunais é mansa e pacífica, ao proibir a cobrança de quaisquer tarifas que não agregam valor ao consumidor. Assim, não podem os custos do retorno ao aeroporto serem repassados ao consumidor, sob pena de violação ao CDC.

Não há, logo, razão plausível para haver cobrança diferenciada de valores dos serviços prestados pelas cooperativas de taxis comum e especial, uma vez que não há mais diferença ou especialidade nas características (modelo, potência, conforto da frota de veículos) que possam justificar onerar o consumidor com o pagamento excessivo de tarifa para utilizar o serviço de taxi especial.

O fundamento do Decreto nº 1148/77, criado devido à necessidade de se dotar, à época, o Município do Rio de Janeiro de um serviço de taxi que apresentasse modalidade variada, especializada e qualificada, pois o serviço de taxi convencional era insuficiente e insatisfatório, situação que não mais subsiste em face do mercado de taxi atual.

As características previstas no art. 7º do referido decreto para os táxis especiais (fl. 198), (quatro portas, potência mínima de 80HP, etc) não encontram razão de existir, em virtude das mesmas serem encontradas também nos taxis convencionais. Assim, tal categorização induz o consumidor incauto a supor que o taxi especial seja dotado de um serviço diferenciado, especializado. Isso poderia, a princípio, justificar a alta tarifa paga pelo serviço. Na prática, há o pagamento em dobro do preço sem que haja a devida e respectiva especialidade, onerando-se o consumidor excessivamente (art. 39, V do CDC).

Ademais, a elevação sem justa causa do preço de serviços é, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, uma prática abusiva (art. 39, X do CDC). Além disso, o usuário de transporte público individual possui o direito básico à prestação dos serviços públicos com adequação e eficácia (art. 6º, X, e art. 22, CDC), sendo que o critério de aferição da sua adequação é fixado em lei.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

A Lei n.º 8.927/95 determinou o conceito de adequação e eficácia do serviço, dispondo sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição da República. Segundo o art. 6o, § 1o do referido Diploma legal, verbis:

Art. 6o – Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o – Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generosidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas’ (grifo nosso)

Logo, a ausência de um serviço realmente especial, acompanhada da cobrança em dobro por um serviço que não equivale ao respectivo valor, compromete a prestação adequada do serviço, porquanto onera excessivamente e sem justificativa o consumidor.

VI – DA AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO.

É importante ressaltar que inexiste in casu hipótese de litisconsórcio passivo necessário, já que o Município do Rio de Janeiro não possui interesse jurídico na cobrança das tarifas de categoria Especial por parte das empresas-rés. Logo, não é necessária a inclusão do Município do Rio de Janeiro como réu na presente Ação Civil Pública.

Consoante a jurisprudência mansa e pacífica dos nossos Tribunais, ainda que uma prática empresarial abusiva e lesiva aos interesses do consumidor seja respaldada por um ato normativo emanado do Poder Executivo, não é obrigatória a inclusão do ente no pólo passivo da demanda.

No caso da presente Ação Civil Pública, há três motivos adicionais para a não-inclusão do Município do Rio de Janeiro no pólo passivo da demanda.

Em primeiro lugar, o esforço atual da Secretaria Municipal de Transportes em fiscalizar e ordenar o fluxo de táxis no Aeroporto Internacional do Galeão merece elogio por ser uma iniciativa para enfrentar este problema antigo. Apesar de o foco se limitar ao enfrentamento dos taxistas que cobram “ágio” no saguão do aeroporto, seria irônico incluir o Município do Rio de Janeiro como réu numa Ação Civil Pública justamente no momento em que o Poder Executivo pretende combater as armadilhas ao consumidor nos aeroportos do Município.

Em segundo lugar, a iniciativa do Município de ordenar o serviço de transporte de táxis no Aeroporto Internacional do Galeão é uma oportunidade para que o Poder Executivo reveja seus próprios atos, razão pela qual está sendo encaminhada uma Recomendação ao Prefeito do Município do Rio de Janeiro para que elimine as categorias “Especial” e “Turismo” de táxi, revogando a Portaria “N” nº 012/66 e o Decreto nº 1148/77.

Em terceiro lugar, a presente Ação Civil Pública não pretende impedir que o Município do Rio de Janeiro estabeleça uma categoria de serviço especial de per se. Em outras palavras, não se insurge o Ministério Público contra a existência de categorias VIP de prestação de serviço. Em uma sociedade capitalista, existe uma demanda da parcela mais rica por serviços de luxo e não se pretende impedir a existência de uma categoria de serviço de transporte de passageiros de qualidade superior. Logo, a decisão de não se incluir o Município como réu desta demanda coletiva também está relacionada à possibilidade de que este ente venha a criar uma nova categoria de Táxis de Luxo, cujos automóveis sejam, de fato, superiores aos veículos convencionais e cujo serviço seja, de fato, superior.

É fundamental ressaltar, mais uma vez, que a presente Ação Civil Pública visa apenas proibir a prática de se cobrar um preço em dobro pela prestação de um serviço simples. Ao induzir o consumidor a “PAGAR DOIS E LEVAR UM”, as empresas-rés estão onerando excessivamente o consumidor, distorcendo o mercado e aplicando um preço extremamente elevado sem justa causa. A cobrança abusiva e o cenário de lesões aos consumidores devem ser imediatamente interrompidos, havendo nítida violação aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, aos princípios da livre iniciativa e concorrência e à razoabilidade que deve nortear a cobrança de tarifas na concessão de serviços públicos.

III – PEDIDO LIMINAR

Estão presentes os pressupostos para o DEFERIMENTO DE LIMINAR, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

É flagrante a fumaça de bom direito que emana da tese ora sustentada, não só à luz dos preceitos constitucionais que conferem ao consumidor o direito a receber especial proteção do Estado, mas também do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que erige a direito básico do consumidor a proteção contra práticas abusivas impostas no fornecimento de serviços, bem como o assegura o direito à adequada prestação dos mesmos.

O fumus boni iuris encontra-se configurado, já que a cobrança em dobro por um serviço de transporte de passageiros idêntico ao táxi convencional é demonstrada no inquérito civil. Também existem elementos de convicção nítidos com relação às “armadilhas de consumo” impostas ao consumidor no aeroporto, ora por conta da cobrança em dobro das empresas-rés, ora em função da cobrança de “ágio” pelos demais taxistas e da recusa em praticar preços justos e razoáveis por conta da distorção do mercado. Além de tais fatos estarem documentados no procedimento, são fatos públicos e notórios que afligem o cotidiano dos munícipes e dos turistas, sendo notórios os abusos cometidos com preços sobrevalorizados nos aeroportos do Rio de Janeiro. Finalmente, a inexistência de qualquer justificativa razoável para a cobrança em dobro também está evidenciada. Em informe do Gerente da SMTR, consta a informação de que atualmente não há qualquer diferença entre os veículos convencionais, os veículos especiais e os veículos de turismo, fato, aliás, que sequer é negado pelas próprias cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI.

O periculum in mora se prende à circunstância de que as armadilhas ao consumidor somente serão interrompidas com a proibição da cobrança em dobro pelas empresas-rés. A recente operação da Secretaria Municipal de Transportes enfrentou apenas uma das armadilhas ao consumidor, a saber, a presença de taxistas no saguão dos aeroportos com ofertas de transporte mediante o pagamento de ágio. Permanecem a cobrança em dobro por parte das empresas-rés e a escassez de táxis que se dispõe a aceitar a realização do serviço com a cobrança pelo taxímetro. A rigor, a fiscalização da Secretaria Municipal de Transportes, na prática, restringiu o acesso dos taxistas comuns aos aeroportos e aumentou as filas, já que o preço cobrado pelos “chamados táxis especiais” é absurdo e número de taxistas convencionais cadastrados é reduzido. Ao invés de solucionar o problema, o consumidor atualmente está ainda mais vulnerável aos preços absurdos cobrados pelas empresas-rés, já que o acesso dos táxis não cadastrados ao setor de desembarque dos aeroportos está proibido. Tal fato pode ser comprovado através da seguinte reportagem veiculada recentemente pela TV Globo, em edição do noticiário RJ-TV: http://globotv.globo.com/rede-globo/rjtv-2-edicao/v/passageiros-reclamam-do-servico-de-taxis-no-galeao/1783923/. A reportagem evidencia o aumento das filas, já que os consumidores sofrem entre a escassez de táxis “chamados convencionais” e a onerosidade excessiva dos táxis “chamados especiais”. A eliminação imediata desta infame categorização mediante a proibição de cobrança em dobro pelas empresas-rés se impõe para interromper as lesões coletivas praticadas contra os consumidores.

Pelo exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO que seja DEFERIDA LIMINARMENTE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, obrigando-se as rés imediatamente a: a) não fazer, consistente em não efetuar a cobrança pelo transporte de passageiros pelo valor dobrado, abstendo-se de usar as tarifas estipuladas para as categorias Especial e Turismo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) fazer, consistente em efetuar a cobrança de passageiros pela valor simples, utilizando as tarifas estipuladas para a categoria Convencional, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Uma vez deferida, a medida liminar deve ser imediatamente comunicada ao Secretário Municipal de Transportes, Sr. Alexandre Sansão Fontes (Rua Dona Mariana, 48, Botafogo) para fins de imediato cumprimento.

IV – PEDIDOS PRINCIPAIS:

REQUER finalmente o MP, ora autor:

a) que, após apreciado liminarmente e deferido, seja julgado procedente o pedido formulado em caráter liminar, de modo a que as empresas-rés sejam condenadas, em definitivo, à obrigação de a) não fazer, consistente em não efetuar a cobrança pelo transporte de passageiros pelo valor dobrado, abstendo-se de usar as tarifas estipuladas para as categorias Especial e Turismo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) fazer, consistente em efetuar a cobrança de passageiros pela valor simples, utilizando as tarifas estipuladas para a categoria Convencional, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

b) a publicação do edital ao qual se refere o art. 94 do CDC;

c) a citação das rés para que, querendo, apresentem contestação, sob pena de revelia;

d) que sejam condenadas as rés ao pagamento de todos os ônus da sucumbência.

Protesta, ainda, o Ministério Público, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil, pela produção de todas as provas em direito admissíveis, notadamente a pericial, a documental, sem prejuízo da inversão do ônus da prova previsto no art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Dá-se a esta causa, por força do disposto no artigo 258 do Código de Processo Civil, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Rio de Janeiro, 1º de fevereiro de 2012.

Pedro Rubim Borges Fortes
Promotor de Justiça

1 Confira-se, a respeito, dentre outros: Mitchell Polinsky & Steven Shavell, Handbook of Law and Economics, North-Holland, 2008 (2 volumes); Mark Kelman, A guide to critical legal studies, Harvard University Press, 1987.

Processo2012.001.028805-0                  1ª Petição inicial
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Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Empresarial da Comarca da Capital

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, com fulcro na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar em face de:

 

1)COOPERATIVA DE TRABALHO DOS MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE TÁXI E TURISMO DO RIO DE JANEIRO LTDA – COOPATUR, inscrita no CNPJ n° 28.789.584/0001-45, com sede na Rua Guilherme Frota, nº 167, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.042-750;
2)COOPERATIVA MISTA DE TRABALHO DE MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE TÁXI ESPECIAL DO RIO DE JANEIRO LTDA – COOPERTRAMO, inscrita no CNPJ n° 30.042.097/0001-66, com sede na Rua Barros Barreto, nº 30, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.032-140;
3)COOPERATIVA DE TRABALHO DE MOTORISTAS E TRANSPORTES DE PASSAGEIROS E TURISMO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – COOTRAMO, inscrita no CNPJ n° 33.812.348/0001-32, com sede na Rua Capitão Carlos, nº 221, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.042-150;
4)COOPERATIVA DE MOTORISTAS PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS DE VEÍCULO DE ALUGUEL PARA TURISMO NO RIO DE JANEIRO LTDA – ROYALCOOP, inscrita no CNPJ n° 32.133.795/0001-00, com sede na Av. Nossa Senhora de Copacabana, nº 330/C.01, Copacabana, Rio de Janeiro/RJ, CEP 22.020-000;
5)COOPERATIVA DE TRABALHO DE MOTORISTAS DE VEÍCULOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS E TURISMO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO LTDA – TRANSCOOPASS, inscrita no CNPJ n° 33.725.029/0001-90, com sede na Av. Guilherme Maxwell, nº 178, Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.040-210; 6)COOPERATIVA MISTA DE TRABALHO E CONSUMO DOS MOTORISTAS AUTÔNOMOS DE TURISMO DO RIO DE JANEIRO LTDA – TRANSCOOTUR, inscrita no CNPJ n° 36.095.792/0001-72, com sede na Rua Bittencourt Sampaio, nº 150, Ramos, Rio de Janeiro/RJ, CEP 21.044-260;
7)TÁXI GRAFFITI – COOPERATIVA DOS MOTORISTAS DE TÁXI ESPECIAL, TRANSPORTE TURÍSTICO, RECEPTIVO ESPECIALIZADO E FRETAMENTO DO RIO DE JANEIRO LTDA, inscrita no CNPJ n° 08.861.990/0001-64, com sede na Rua Aristides Caire, nº 33, Méier, Rio de Janeiro/RJ,

pelas razões que passa a expor:

I – BREVE HISTÓRICO DA LESÃO TRANSINDIVIDUAL

A presente demanda coletiva está inserida em um problema que aflige cidadãos cariocas, autoridades públicas e turistas estrangeiros e nacionais há longo período. Trata-se dos “preços super-faturados” praticados por taxistas nos Aeroportos do Rio de Janeiro.

 

O presente procedimento foi instaurado no ano de 2002, a partir de uma representação em que se noticiava o problema de “superfaturamento nas tabelas dos táxis de luxo” (fls. 08 do IC 007/06), sendo que a majoração ilegal chegaria ao patamar de 300% em alguns casos. A rigor, já naquela ocasião, o dossiê apresentado pelo reclamante se referia a uma entrevista concedida em 1994, em que o Sr. Reynaldo Lustosa, Gerente da Secretária Municipal de Transportes, admitiria as irregularidades e os preços super-faturados dos táxis especiais.

 

Decorridos dezessete anos, o Sr. Reynaldo Lustosa informou não se lembrar da referida entrevista. Contudo, seu informe é extremamente esclarecedor quanto à evolução do Mercado de Táxis na Cidade do Rio de Janeiro e ao anacronismo das tarifas diferenciadas:

 

“Quando as categorias Especial e de Turismo foram criadas, a maioria dos carros dos táxis convencionais era de Volkswagen Sedan (fusca). Um carro popular, notadamente desconfortável, com duas portas, que dificultava a entrada e a saída dos passageiros e de pouca potência.
“Neste contexto surgiu a categoria do táxi Especial, cujo diferencial era a exigência de um carro mais potente e confortável, portanto mais caro.
“Já a categoria Turismo foi criada para servir aos aeroportos, portos, estações rodoviárias, etc com tarifa pré-paga, não necessitando de taxímetro.
“Ao longo dos anos, com a facilidade de os taxistas terem acesso a veículos mais caros, através de renúncia fiscal, houve o acirramento da concorrência, através do aumento desmedido do número de novas permissões concedidas, o que levou os taxistas dos ‘amarelinhos’ a elevarem o nível do serviço, com carros melhores e, depois de certa época, dotados de ar condicionado sem aumento na tarifa” (fls. 191 do IC 007/06).

 

Ora, o diagnóstico do Gerente da SMTR é preciso: em 1977, quando surgiu a categoria Especial, fazia sentido estabelecer uma distinção de preço entre um opala (com motor potente, ar condicionado e toca-fitas) e um fusca ou uma brasília (motor fraco, ventilador e rádio AM/FM). Era a época das “carroças” e da “reserva de mercado”, que manteve o setor automobilístico brasileiro em atraso.

 

Atualmente, é completamente irrazoável manter a distinção de preços e autorizar que as Cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI cobrem o dobro do preço.

 

II – DA COBRANÇA NÃO RAZOÁVEL E DA DISTORÇÃO DO MERCADO

Ora, a conjuntura atual tornou manifestamente absurda a cobrança pelas empresas-rés do valor em dobro pelo transporte de passageiros no Aeroporto Internacional do Galeão e no Aeroporto Santos Dumont.

 

A partir do momento em que inexiste qualquer distinção entre a qualidade dos automóveis, entre a potência dos motores, entre a temperatura ambiente e o conforto do transporte, torna-se manifestamente absurda a distinção de preços cobrados. Se inicialmente era justificada a categorização dos táxis, atualmente trata-se de uma odiosa distorção de mercado: o poder concedente mantém ao concessionário um absurdo privilégio de cobrar uma tarifa de luxo por um serviço que não é de luxo.

 

A perplexidade é compartilhada pelos usuários do sistema de transportes do Rio de Janeiro, tal como se verifica através da leitura da reclamação formal feita pelo consumidor ANDRÉ SALOMÃO à ouvidoria do Ministério Público, em 13/03/2011:

 

“Gostaria de relatar a ilegalidade que ocorre nos aeroportos do Rio de Janeiro. Peguei um táxi Meriva prata da COOPATUR rádio táxi, chamado especial, do Galeão até a Barra da Tijuca e paguei 120 reais. Agora pergunto: o que esses táxis têm de especial? Se todos eles têm ar condicionado e as mesmas condições? Depois voltando da Barra da Tijuca para o Galeão em um táxi amarelo Meriva também, até mais novo que o chamado especial, super confortável e paguei 60,00 reais, a metade do preço pelos mesmos serviços. O Ministério Público tem a obrigação de fiscalizar essas operações dos táxis chamados especiais no Rio de Janeiro, pois os cidadãos estão sendo extorquidos por estas cooperativas, que cobram absurdos sem taxímetro pelos mesmos serviços. Como cidadão, sinto-me lesado. Os turistas, todos os dias, são lesados também” (fls. 03 do Inquérito Civil 615/2011 em apenso).

 

É, de fato, absurda a cobrança do dobro do preço para a prática de um serviço de transporte rigorosamente igual. Atualmente, como muito bem asseverado pelo consumidor ANDRÉ SALOMÃO, o único aspecto Especial dos táxis das Cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI é sua denominação: são os táxis “chamados especiais”. Por sua vez, o serviço é rigorosamente idêntico ao serviço prestado pela concorrência. Atualmente, nada justifica a cobrança do preço em dobro pelo transporte dos passageiros.

 

III – DA ARMADILHA AO CONSUMIDOR NOS AEROPORTOS.

A evolução do mercado de táxis (item I) e a manutenção do privilégio absurdo da cobrança em dobro pelas cooperativas dos “chamados táxis especiais” (item II) cria uma distorção no mercado e expõe os consumidores a uma armadilha nos aeroportos do Rio de Janeiro. É justamente este cenário que se pretende desconstruir através da presente Ação Civil Pública.

 

Estudos interdisciplinares do direito contemporâneo nos ensinam que assimetrias de informação e assimetrias de poder são responsáveis, na prática, por lesões a direitos individuais.1 Ora, o atual cenário dos aeroportos do Rio de Janeiro amplia a vulnerabilidade do consumidor, expondo-o a situações de ignorância e de fraqueza. Existe uma armadilha que precisa ser urgentemente desfeita através da intervenção firme do Poder Judiciário.

 

Atualmente, o consumidor chega ao aeroporto em seu voô e se depara com a seguinte situação: em primeiro lugar, o indivíduo passa em frente a uma fileira de guichês das cooperativas de “táxis chamados especiais”. Ali sofre com o assédio das funcionárias das empresas-rés, que ficam se digladiando para chamar a atenção do consumidor e induzí-lo a contratar o serviço de transporte pelo dobro do preço. O consumidor ignorante, que desconhece o absurdo da cobrança, deve supor que se trata de um táxi oficial e que nunca seria explorado ali, no interior do aeroporto, antes mesmo do embarque. Por força desta assimetria de informação e de poder, este consumidor será, de fato, explorado pelas empresas-rés e pagará um preço em dobro por um serviço que não é especial. É uma vítima da armadilha de consumo armada no interior dos aeroportos do Rio de Janeiro.

 

Imaginemos, contudo, que o consumidor não se deixe conduzir pelo assédio das empresas-rés e pela aparência de oficialidade daqueles guichês no interior do setor de desembarque. Em segundo lugar, ao desembarcar no saguão e se misturar a multidão, o consumidor irá ouvir o assédio de taxistas, que irão tentar induzir o consumidor a contratar o serviço de transporte mediante o pagamento de “ágio”. Explica-se: o taxista irá propor um preço intermediário entre o preço normal e o dobro do preço. Esta armadilha para o consumidor foi minuciosamente descrita à Ouvidoria do Ministério Público pela consumidora Aline:

 

“Retornei de viagem com meu marido no último dia 08/setembro e desembarquei no aeroporto do Galeão. Fiquei absurdamente chocada com a máfia dos taxistas daquele aeroporto. Quando meu esposo solicitou um táxi com destino a nossa residência, no Bairro da Tijuca, disseram ‘Senhor, custa R$ 80,00′. Indignados, continuamos andando e, mais a frente, solicitamos novamente o táxi, mas todos os taxistas cobravam valores entre R$ 60,00 e R$ 80,00. Alguns motoristas simplesmente riam quando meu marido dizia que queria que o valor fosse cobrado pelo taxímetro. Passados alguns minutos, os taxistas não nos davam mais atenção. Aguardamos aproximadamente 50 minutos e, nesse período, vi turistas embarcando para a Barra da Tijuca com a tarifa pré-fixada em R$ 160,00, para São Conrado em R$ 120,00, e até para a Rodoviária Novo Rio em R$ 80,00. Um verdadeiro desrespeito ao cidadão carioca e ao turista. Após nossa longa espera, um taxista que havia deixado outro passageiro no local parou e disse: ‘Senhores, entrem rápido pra ninguém ver que vou fazer a corrida no taxímetro!’ Durante a corrida, o taxista nos revelou o quanto detestava deixar passageiros no Aeroporto Internacional do RJ, pois precisava pegar outro passageiro para voltar e tinha que fazer isso escondido, como se ele fosse um bandido. Relatou-nos ainda que havia dado três voltas até conseguir nos pegar sem que o ‘fiscal’ da máfia o visse, pois este o havia parado nas outras duas vezes e determinado o valor que deveria nos cobrar até a Tijuca: de R$ 60,00 a R$ 80,00… R$ 20,00 pra mim e o resto é seu! Enfim, retornamos com o único motorista honesto que encontramos e a corrida no taxímetro deu R$ 32,00, mesmo com o intenso trânsito da cidade naquele horário. O taxista nos contou detalhes da máfia dos taxistas daquele aeroporto e o quanto ele tinha medo de trabalhar honestamente por lá. Um aeroporto internacional daquele porte não pode passar por problemas dessa natureza, se somarmos ao fato de que estamos prestes a sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada isso é absolutamente inadmíssivel” (fls. 03 do Inquérito Civil n. 1511/2010 em apenso).

 

O relato da consumidora seria estarrecedor se esta armadilha ao consumidor nos aeroportos do Rio de Janeiro não fosse um fato público e notório. Qualquer indivíduo já vivenciou (ou já ouviu relatos sobre) as três armadilhas: (i) assédio das empresas do “chamado táxi especial”; (ii) assédio de taxistas no saguão de desembarque com propostas de corridas com “ágio”; (iii) espera desconfortável e sentimento de vulnerabilidade até a identificação de um táxi que se propõe a cobrar um preço justo, a despeito da pressão dos colegas de profissão e de um fiscal que poderia multá-lo.

 

É necessário desfazer urgentemente este cenário que vulnerabiliza o consumidor, cabendo ao Poder Judiciário uma intervenção firme para proteger os direitos do consumidor, proibindo as práticas que acarretam sua oneração excessiva pelos serviços de transporte de passageiros nos aeroportos do Rio de Janeiro.

 

IV – DA INTERVENÇÃO NECESSÁRIA: TUTELA DO CONSUMIDOR

No caso dos Aeroportos do Rio de Janeiro, a distorção do mercado é gerada pela cobrança em dobro das empresas-rés. As cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI devem cobrar o preço justo e razoável, equivalente aos demais táxis, para que não haja mais a oneração excessiva do consumidor.

 

Ao chegar ao guichê, o consumidor deve pagar uma tarifa pré-fixada simples, consoante a tabela de tarifas para cobrança antecipada da Categoria Convencional da SMTR (confira-se fls. 22/24). Já que não existe qualquer distinção entre o táxi convencional e o “chamado táxi especial”, deve ser proibida a cobrança pelas rés da tabela de táxi Especial. Nada justifica a cobrança do preço em dobro, a não ser uma odiosa reserva de mercado.

 

Não havendo a onerosidade excessiva e a falta de razoabilidade da cobrança em dobro (atualmente praticada pelas empresas-rés), os consumidores não serão mais explorados pelas cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI.

 

Fulminada a odiosa reserva de mercado e todas as distorções causadas por ela, também será eliminado o ágio praticado no saguão dos aeroportos do Rio de Janeiro. Extintas estas armadilhas, os taxistas honestos poderão parar tranquilamente para efetuar o transporte de passageiros mediante a cobrança pelo taxímetro, sem receio de fiscais a serviço de máfias e da violência de outros taxistas.

 

Este modelo é idêntico ao dos principais aeroportos do mundo, em que o consumidor opta por uma tarifa pré-fixada, razoável e justa, no interior do aeroporto ou por um serviço através de taxímetro em seu exterior. No caso do Rio de Janeiro, as distorções geradas pela cobrança em dobro das empresas-rés criaram um ágio, alimentaram uma máfia e desenvolveram um cenário de exploração dos consumidores que se prolonga há duas décadas.

 

Cabe ao Poder Judiciário intervir de maneira firme, proibindo a cobrança de preços em dobro, eliminando as distorções do mercado criadas pela “chamada categoria especial” e restabelecendo os direitos do consumidor.

 

V – DO DIREITO

Atualmente, além do táxi convencional, segundo informou a SMTR (fls. 190/191), existem duas outras categorias de táxi, quais sejam, especial e turismo. O táxi especial é categoria de táxi criada pelo Decreto nº 1148/77 (fls. 196/199) e, em tese, se caracteriza por utilizar veículo mais potente, dotado de sistema de telecomunicação e de taxímetro, que registra uma tarifa única, sem distinção horária ou geográfica, entre outros acessórios obrigatórios definidos no referido Decreto. Já a categoria de táxi turismo, a fim de servir aeroportos, portos, estações rodoviárias e hotéis, foi criada pela Portaria “N” nº 012/66 (fls. 200/204) e caracteriza-se por atuar como frete. A cobrança de tarifa dá-se de acordo com as tabelas tarifárias anexas às Resoluções da SMTR. Até o ajuizamento da presente vigora a Resolução SMTR nº 2.084/2011 (fl. 205).

 

Ora, não se justifica tal diferencial, pois as cooperativas de táxi comum também possuem serviço de radiotaxi e, como já informado, também possuem frota de veículos novos e de vários modelos, potentes e confortáveis, caindo por terra o fundamento alegado à época da criação dos táxis especiais pelo Decreto nº 1148/77, eis que ineficaz diante da realidade hodierna do mercado de transporte público individual.

 

Com efeito, o Decreto nº 1148/77 prevê que as cooperativas rés operem com tabelas de preços pré-fixados, estabelecendo sempre a razão de 2.0, isto é, a tarifa dos taxis especiais devem ser 100% superior em relação a tarifa dos taxis convencionais. Sendo que esta aplicabilidade de cobrança diferenciada, repita-se, não se justifica mais em razão de simplesmente não haver diferença substancial entre as características dos serviços ora prestados pelas cooperativas de taxis comum e especial.

 

A primeira ré, COOPATUR, tenta esclarecer o diferencial entre as cooperativas de táxi comum e especial (fl. 224 do IC nº 007/06) alegando que as tarifas dos táxis especiais são, em média, 80% mais altas que as tarifas convencionais devido ao fato dos táxis que operam nesta categoria não poderem pegar passageiros ao longo do percurso, mas somente por chamada radiofônica, bem como após a corrida deve retornar ao ponto vazio, enquanto que no táxi comum, estes podem pegar passageiros em qualquer lugar.

 

A segunda ré, COOPERTRAMO, (fl. 185 do IC nº 007/06) informou que a cobrança diferenciada, que ora se impugna, reside no fato de que as cooperativas de taxis especiais somente efetuam transportes de passageiros através do sistema de radiofonia ou mediante solicitação de passageiros que utilizam os terminais e hotéis, não lhes sendo permitido angariar passageiros, por solicitação em via pública, na forma adotada pelos taxis convencionais.

 

Ora, esta explicação apenas reforça a necessidade de se eliminar a categoria Especial e a cobrança em dobro feita pelas rés no aeroporto. Não é razoável proibir que estes táxis prestem o serviço de transporte de passageiros nas ruas do Município, deixando de servir os consumidores. Também não é razoável que os consumidores tenham que pagar em dobro, para financiar o retorno dos veículos vazios aos aeroportos. Não apenas se trata de um desperdício de recursos, mas também da cobrança do consumidor por um serviço que não lhe é prestado. Ora, se a justificativa para a cobrança em dobro é porque o consumidor arca com as despesas do retorno do táxi, vazio, ao aeroporto, então ele está pagando pelo seu “transporte” e pelo “retorno” do táxi vazio. Ocorre, porém, que o “retorno” do táxi não lhe agrega qualquer valor.

 

A explicação das empresas apenas reforça a necessidade de se proibir a cobrança em dobro. Cabe ao consumidor efetuar o pagamento apenas da “tarifa de transporte de passageiros”, mas não pagar o equivalente a uma “tarifa de retorno do táxi”, que é a justificativa para a cobrança em dobro, segundo as empresas-rés COOPATUR e COOPETRAMO.

 

Ora, a jurisprudência de nossos Tribunais é mansa e pacífica, ao proibir a cobrança de quaisquer tarifas que não agregam valor ao consumidor. Assim, não podem os custos do retorno ao aeroporto serem repassados ao consumidor, sob pena de violação ao CDC.

 

Não há, logo, razão plausível para haver cobrança diferenciada de valores dos serviços prestados pelas cooperativas de taxis comum e especial, uma vez que não há mais diferença ou especialidade nas características (modelo, potência, conforto da frota de veículos) que possam justificar onerar o consumidor com o pagamento excessivo de tarifa para utilizar o serviço de taxi especial.

 

O fundamento do Decreto nº 1148/77, criado devido à necessidade de se dotar, à época, o Município do Rio de Janeiro de um serviço de taxi que apresentasse modalidade variada, especializada e qualificada, pois o serviço de taxi convencional era insuficiente e insatisfatório, situação que não mais subsiste em face do mercado de taxi atual.

 

As características previstas no art. 7º do referido decreto para os táxis especiais (fl. 198), (quatro portas, potência mínima de 80HP, etc) não encontram razão de existir, em virtude das mesmas serem encontradas também nos taxis convencionais. Assim, tal categorização induz o consumidor incauto a supor que o taxi especial seja dotado de um serviço diferenciado, especializado. Isso poderia, a princípio, justificar a alta tarifa paga pelo serviço. Na prática, há o pagamento em dobro do preço sem que haja a devida e respectiva especialidade, onerando-se o consumidor excessivamente (art. 39, V do CDC).

 

Ademais, a elevação sem justa causa do preço de serviços é, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, uma prática abusiva (art. 39, X do CDC). Além disso, o usuário de transporte público individual possui o direito básico à prestação dos serviços públicos com adequação e eficácia (art. 6º, X, e art. 22, CDC), sendo que o critério de aferição da sua adequação é fixado em lei.

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

 

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

 

A Lei n.º 8.927/95 determinou o conceito de adequação e eficácia do serviço, dispondo sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição da República. Segundo o art. 6o, § 1o do referido Diploma legal, verbis:

Art. 6o – Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o – Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generosidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas’ (grifo nosso)

Logo, a ausência de um serviço realmente especial, acompanhada da cobrança em dobro por um serviço que não equivale ao respectivo valor, compromete a prestação adequada do serviço, porquanto onera excessivamente e sem justificativa o consumidor.

 

VI – DA AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO.

 

É importante ressaltar que inexiste in casu hipótese de litisconsórcio passivo necessário, já que o Município do Rio de Janeiro não possui interesse jurídico na cobrança das tarifas de categoria Especial por parte das empresas-rés. Logo, não é necessária a inclusão do Município do Rio de Janeiro como réu na presente Ação Civil Pública.

 

Consoante a jurisprudência mansa e pacífica dos nossos Tribunais, ainda que uma prática empresarial abusiva e lesiva aos interesses do consumidor seja respaldada por um ato normativo emanado do Poder Executivo, não é obrigatória a inclusão do ente no pólo passivo da demanda.

 

No caso da presente Ação Civil Pública, há três motivos adicionais para a não-inclusão do Município do Rio de Janeiro no pólo passivo da demanda.

 

Em primeiro lugar, o esforço atual da Secretaria Municipal de Transportes em fiscalizar e ordenar o fluxo de táxis no Aeroporto Internacional do Galeão merece elogio por ser uma iniciativa para enfrentar este problema antigo. Apesar de o foco se limitar ao enfrentamento dos taxistas que cobram “ágio” no saguão do aeroporto, seria irônico incluir o Município do Rio de Janeiro como réu numa Ação Civil Pública justamente no momento em que o Poder Executivo pretende combater as armadilhas ao consumidor nos aeroportos do Município.

 

Em segundo lugar, a iniciativa do Município de ordenar o serviço de transporte de táxis no Aeroporto Internacional do Galeão é uma oportunidade para que o Poder Executivo reveja seus próprios atos, razão pela qual está sendo encaminhada uma Recomendação ao Prefeito do Município do Rio de Janeiro para que elimine as categorias “Especial” e “Turismo” de táxi, revogando a Portaria “N” nº 012/66 e o Decreto nº 1148/77.

 

Em terceiro lugar, a presente Ação Civil Pública não pretende impedir que o Município do Rio de Janeiro estabeleça uma categoria de serviço especial de per se. Em outras palavras, não se insurge o Ministério Público contra a existência de categorias VIP de prestação de serviço. Em uma sociedade capitalista, existe uma demanda da parcela mais rica por serviços de luxo e não se pretende impedir a existência de uma categoria de serviço de transporte de passageiros de qualidade superior. Logo, a decisão de não se incluir o Município como réu desta demanda coletiva também está relacionada à possibilidade de que este ente venha a criar uma nova categoria de Táxis de Luxo, cujos automóveis sejam, de fato, superiores aos veículos convencionais e cujo serviço seja, de fato, superior.

 

É fundamental ressaltar, mais uma vez, que a presente Ação Civil Pública visa apenas proibir a prática de se cobrar um preço em dobro pela prestação de um serviço simples. Ao induzir o consumidor a “PAGAR DOIS E LEVAR UM”, as empresas-rés estão onerando excessivamente o consumidor, distorcendo o mercado e aplicando um preço extremamente elevado sem justa causa. A cobrança abusiva e o cenário de lesões aos consumidores devem ser imediatamente interrompidos, havendo nítida violação aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, aos princípios da livre iniciativa e concorrência e à razoabilidade que deve nortear a cobrança de tarifas na concessão de serviços públicos.

 

III – PEDIDO LIMINAR

Estão presentes os pressupostos para o DEFERIMENTO DE LIMINAR, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

 

É flagrante a fumaça de bom direito que emana da tese ora sustentada, não só à luz dos preceitos constitucionais que conferem ao consumidor o direito a receber especial proteção do Estado, mas também do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que erige a direito básico do consumidor a proteção contra práticas abusivas impostas no fornecimento de serviços, bem como o assegura o direito à adequada prestação dos mesmos.

 

O fumus boni iuris encontra-se configurado, já que a cobrança em dobro por um serviço de transporte de passageiros idêntico ao táxi convencional é demonstrada no inquérito civil. Também existem elementos de convicção nítidos com relação às “armadilhas de consumo” impostas ao consumidor no aeroporto, ora por conta da cobrança em dobro das empresas-rés, ora em função da cobrança de “ágio” pelos demais taxistas e da recusa em praticar preços justos e razoáveis por conta da distorção do mercado. Além de tais fatos estarem documentados no procedimento, são fatos públicos e notórios que afligem o cotidiano dos munícipes e dos turistas, sendo notórios os abusos cometidos com preços sobrevalorizados nos aeroportos do Rio de Janeiro. Finalmente, a inexistência de qualquer justificativa razoável para a cobrança em dobro também está evidenciada. Em informe do Gerente da SMTR, consta a informação de que atualmente não há qualquer diferença entre os veículos convencionais, os veículos especiais e os veículos de turismo, fato, aliás, que sequer é negado pelas próprias cooperativas COOPATUR, COOPETRAMO, COOTRAMO, ROYALCOOP, TRANSCOOPASS, TRANSCOOTUR e GRAFFITTI.

 

O periculum in mora se prende à circunstância de que as armadilhas ao consumidor somente serão interrompidas com a proibição da cobrança em dobro pelas empresas-rés. A recente operação da Secretaria Municipal de Transportes enfrentou apenas uma das armadilhas ao consumidor, a saber, a presença de taxistas no saguão dos aeroportos com ofertas de transporte mediante o pagamento de ágio. Permanecem a cobrança em dobro por parte das empresas-rés e a escassez de táxis que se dispõe a aceitar a realização do serviço com a cobrança pelo taxímetro. A rigor, a fiscalização da Secretaria Municipal de Transportes, na prática, restringiu o acesso dos taxistas comuns aos aeroportos e aumentou as filas, já que o preço cobrado pelos “chamados táxis especiais” é absurdo e número de taxistas convencionais cadastrados é reduzido. Ao invés de solucionar o problema, o consumidor atualmente está ainda mais vulnerável aos preços absurdos cobrados pelas empresas-rés, já que o acesso dos táxis não cadastrados ao setor de desembarque dos aeroportos está proibido. Tal fato pode ser comprovado através da seguinte reportagem veiculada recentemente pela TV Globo, em edição do noticiário RJ-TV: http://globotv.globo.com/rede-globo/rjtv-2-edicao/v/passageiros-reclamam-do-servico-de-taxis-no-galeao/1783923/. A reportagem evidencia o aumento das filas, já que os consumidores sofrem entre a escassez de táxis “chamados convencionais” e a onerosidade excessiva dos táxis “chamados especiais”. A eliminação imediata desta infame categorização mediante a proibição de cobrança em dobro pelas empresas-rés se impõe para interromper as lesões coletivas praticadas contra os consumidores.

Pelo exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO que seja DEFERIDA LIMINARMENTE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, obrigando-se as rés imediatamente a: a) não fazer, consistente em não efetuar a cobrança pelo transporte de passageiros pelo valor dobrado, abstendo-se de usar as tarifas estipuladas para as categorias Especial e Turismo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) fazer, consistente em efetuar a cobrança de passageiros pela valor simples, utilizando as tarifas estipuladas para a categoria Convencional, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

Uma vez deferida, a medida liminar deve ser imediatamente comunicada ao Secretário Municipal de Transportes, Sr. Alexandre Sansão Fontes (Rua Dona Mariana, 48, Botafogo) para fins de imediato cumprimento.

 
IV – PEDIDOS PRINCIPAIS:

 

REQUER finalmente o MP, ora autor:

 

a) que, após apreciado liminarmente e deferido, seja julgado procedente o pedido formulado em caráter liminar, de modo a que as empresas-rés sejam condenadas, em definitivo, à obrigação de a) não fazer, consistente em não efetuar a cobrança pelo transporte de passageiros pelo valor dobrado, abstendo-se de usar as tarifas estipuladas para as categorias Especial e Turismo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) fazer, consistente em efetuar a cobrança de passageiros pela valor simples, utilizando as tarifas estipuladas para a categoria Convencional, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

b) a publicação do edital ao qual se refere o art. 94 do CDC;

 

c) a citação das rés para que, querendo, apresentem contestação, sob pena de revelia;

 

d) que sejam condenadas as rés ao pagamento de todos os ônus da sucumbência.

 

Protesta, ainda, o Ministério Público, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil, pela produção de todas as provas em direito admissíveis, notadamente a pericial, a documental, sem prejuízo da inversão do ônus da prova previsto no art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Dá-se a esta causa, por força do disposto no artigo 258 do Código de Processo Civil, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 
Rio de Janeiro, 1º de fevereiro de 2012.

 
Pedro Rubim Borges Fortes
Promotor de Justiça

1 Confira-se, a respeito, dentre outros: Mitchell Polinsky & Steven Shavell, Handbook of Law and Economics, North-Holland, 2008 (2 volumes); Mark Kelman, A guide to critical legal studies, Harvard University Press, 1987.

http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw?MGWLPN=DIGITAL1A&PGM=WEBJRP104xLCI&LAB=LEDxWEB&PORTAL=1&PRO=20120010288050&FORMA=1&SEF=1&JOB=24897&PAL=TAXI&CNJ=20120010288050^N

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Site publicado em 04/05/2009
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