Flávio Citro - Direito Eletrônico

Novos moradores não devem pagar contas de luz dos antigos ocupantes ou de ex-proprietários e ex-locatários.

A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) ganhou, em primeira instância, uma ação civil pública contra a cobrança indevida de contas de luz em atraso, por parte da Light e da Ampla. As duas concessionárias estariam exigindo de novos proprietários de imóveis o pagamento de dívidas de antigos moradores para restabelecer a eletricidade, o que foi considerado irregular pela 1 Vara Empresarial do Rio.

O advogado da comissão, Paulo Virão, explica que esse tipo de cobrança somente pode ser feito em casos em que a dívida pertence ao imóvel, e não ao consumidor:

— O IPTU, assim como o condomínio, são dívidas do imóvel. O uso de luz, por outro lado, é uma relação de consumo. No caso, o novo proprietário não pode ser condenado pelo antigo.

A pena para as empresas é de mil reais por cada denúncia que for recebida pela comissão, que atende pelo telefone 0800-2827060. No caso da Light, já existe até um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado com o Ministério Público Estadual (MPE) para que a cobrança não seja feita. Mas, segundo Virão, o acordo não estava sendo cumprido.

A Ampla e a Light informaram que somente vão se manifestar quando forem comunicadas oficialmente do resultado pela Justiça. As duas empresas ainda podem recorrer da decisão.

Cedae na mira

O advogado também prepara uma ação contra a Cedae pelos mesmos motivos. A companhia de águas estadual estaria cobrando as dívidas antigas baseada num decreto do governo, de 1974:

— Vamos usar a mesma argumentação do caso das concessionárias de energia.

Mario Campagnani

http://extra.globo.com/noticias/economia/novos-moradores-nao-devem-pagar-contas-de-luz-dos-antigos-1536398.html

EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA    EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO RIO DE JANEIRO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (CNPJ n.º 30.449862/0001-67) sem personalidade jurídica, especialmente constituído para defesa dos interesses e direitos dos consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, Praça XV, Rio de Janeiro – RJ vem, por seus procuradores, propor

 

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO

COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

 

Contra AMPLA – COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, inscrita no CNPJ sob o nº 33.050.071/0001-58, estabelecida à Praça Leoni Ramos, nº 1, São Domingos, Niterói – RJ, CEP 24210-200 e LIGHT – SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A, inscrita no CNPJ sob o nº 60.444.437/0001-46 estabelecida à Av. Marechal Floriano, 168, Centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20080-002, com fundamento nos artigos 6°, IV, 14, 39, IV, 42, caput e parágrafo único, todos da Lei n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), e nos termos que se seguem:

PRELIMINARES

 

Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da legitimidade ativa da autora

 

O Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal nº. 8.078/90, norma especial, de ordem pública e interesse social (art. 1°), deve ser obrigatoriamente aplicado à presente demanda, tendo em vista que a relação existente entre as rés e os usuários (efetivos e potenciais) do serviço por ela prestado é de consumo, conforme previsto em seus arts. 2°, caput e parágrafo único, 3º e 29.

 

Tendo em vista que o CDC é, conforme acima mencionado, norma especial, de ordem pública e interesse social, e por tratar de matéria processual, mais precisamente, e de forma integral em seu artigo 82, III, sobre a legitimidade ativa ad causam dos órgãos da administração pública para defender os direitos e interesses dos consumidores através de ações judiciais coletivas de consumo, deve ser aplicado prioritariamente em relação às demais legislações aplicáveis, como a Lei n. 7.347/85 e o CPC.

 

“Examinando agora a questão inicialmente proposta, entendemos que, após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, apenas os entes legitimados pelo art. 82 podem propor ações coletivas em defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das pessoas equiparadas. Com efeito, o CDC é lei específica para proteção do consumidor, tout court, e prefere, neste ponto, à Lei da Ação Civil Pública, que cuida da ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente,ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, com bem maior generalidade”. (ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 66/67) (grifos nossos)

 

“As normas do CPC e da LACP são aplicáveis às ações individuais e coletivas fundadas no CDC, desde que não sejam incompatíveis com o microssistema do CDC. Caso contrarie dispositivo expresso do CDC ou seu espírito, a norma do CPC ou da LACP não pode ser aplicada”. (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, atualizado até 01.08.1997. São Paulo: RT, 1997, p. 1402) (Grifos nossos)

“As disposições da LACP são integralmente aplicáveis às ações propostas com fundamento no CDC, naquilo em que não houver colidência, como é curial.

(…)

Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP, que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do CDC e só subsidiariamente a LACP” (NERY JUNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, pp. 1032/1033)

 

Dispõe o artigo 82, III, do CDC que “para fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente” “as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos” dos consumidores.

 

 A autora é uma comissão permanente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (arts. 109, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e 25, parágrafo único, XXI, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), sem personalidade jurídica, especificamente destinada, de forma ampla, à defesa dos direitos e interesses do consumidor (art. 26, § 19, alíneas “a” a “c”, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), e de forma específica, apesar de não haver qualquer exigência no artigo 82, III, do CDC (exige apenas que “defenda” os direitos e interesses dos consumidores), à defesa dos direitos e interesses do consumidor através de ações judiciais coletivas de consumo (art. 26, § 19, alínea “d”, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).

 

Art. 109. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. A Assembléia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos Regimento ou ato legislativo de sua criação.

 

Art. 25. Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Iniciados os trabalhos de cada sessão legislativa, a Mesa, dentro do prazo improrrogável de quinze dias, providenciará a organização das comissões permanentes.

Parágrafo único. As comissões permanentes são:

(…)

XXI – Comissão de Defesa do Consumidor, com cinco membros.

 

Art. 26. Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Compete às comissões permanentes:

(…)

§ 19 – À Comissão de Defesa do Consumidor compete:

a) manifestar-se sobre matéria referente à economia popular;

b) manifestar-se sobre composição, qualidade, apresentação, publicidade e distribuição de bens e serviços, relações de consumo e medidas de defesa do consumidor;

c) acolher e investigar denúncias sobre matéria a ela pertinente e receber a colaboração de entidades e associações relacionadas à defesa do consumidor;

 d) representar a título coletivo, judicialmente ou extrajudicialmente, os interesses e direitos previstos no Parágrafo único do art. 81, conforme autorização expressa no art. 82, III, todos da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.

 

“(…) Desse modo, um Departamento de proteção ao Consumidor, por exemplo, órgão integrante de determinada Secretaria de governo estadual e, portanto, da administração direta, está capacitado ao ajuizamento da ação, sem necessidade de ser a capacidade atribuída à própria entidade federativa estadual em si, como ocorre no sistema geral relativo a esse pressuposto processual. O mesmo se pode dizer, ainda como exemplo, de um Departamento de Defesa do Meio Ambiente: embora seja um órgão, e não uma pessoa, poderá habilitar-se como autor da ação civil pública. É comum, aliás, na estrutura do Executivo ou do Legislativo, a instituição de Procons, órgãos destinados à proteção dos consumidores”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigos)

 

“Além das entidades, o inciso III também legitima os órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código, reconhecendo-lhes a personalidade judiciária e permitindo, assim, a plena atuação em juízo de órgãos públicos como o Procon e os Núcleos de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública, que podem, agora, sem nenhuma dúvida, propor, nomine próprio, ações coletivas em defesa dos consumidores (sempre em sentido amplo)”. (ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 81)

 

“A norma autoriza a propositura da ação coletiva pelos órgãos públicos de defesa do consumidor, mesmo que não tenham personalidade jurídica. Têm eles personalidade judiciária, podendo ser autores de demanda em juízo. Os Procons, por exemplo, podem agir em juízo, em nome próprio, por meio de seu diretor ou representante legal. O diretor do ente despersonalizado pode conferir mandato a advogado para que seja proposta a ação, sendo desnecessário que o procurador da pessoa jurídica de direito (procurador da República, procurador do Estado ou procurador do Município) subscreva a petição inicial. Caso o diretor ou representante legal do ente despersonalizado seja advogado, pode lê mesmo subscrever a petição inicial de ação coletiva.

(…)

Não há necessidade de previsão estatutária estrita para que se a entenda legitimada, sendo suficiente que a associação defenda os direitos do consumidor”. (NERY JUNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, p. 1396)

 

Direito Constitucional. Ação Civil Pública. Tutela dos interesses consumeristas. Legitimidade ad causam do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública para propositura da ação. A legitimidade da Defensoria Pública, como órgão público, para defesa dos direitos dos hipossuficientes é atribuição legal, tendo o Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 82, III, ampliado o rol de legitimados para propositura da ação civil pública àqueles especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código. Constituiria intolerável discriminação negar a legitimidade ativa de órgão estatal – como a Defensoria Pública – as ações coletivas se tal legitimidade é tranquilamente reconhecida aos órgãos executivos e legislativos (como entidades do Poder Legislativo de defesa do consumidor). Provimento do recurso para reconhecer a legitimidade ativa ad causam da apelante (TJRJ, Ap. Cív. 2003.001.04832, 6ª Câm. Cív., Rel. Des..Nagib Slaibi Filho).

 

e) encaminhar as representações mencionadas na alínea “d” para publicação na íntegra no Diário Oficial da ALERJ, assim como as desistências das representações feitas.

 

Portanto, inegável a legitimidade da autora para figurar no pólo ativo da presente demanda, assim como de qualquer demanda judicial coletiva de consumo, conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e pelo TRF 2ª Região.

 

Ação Civil Pública. Direito do Consumidor. Comissão de defesa do consumidor da Assembléia Legislativa. Legitimação por força do inciso III do art. 82 do CDC. Sentença que se reforma. Recurso provido (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.13728, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. José Carlos Varanda, julgado por unanimidade).

 

PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. O CPDC, ao dispor no art. 82, III, que têm legitimidade ativa nas ações coletivas “as entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses protegidos por este Código”, não permite dúvida quanto à legitimação de pessoas formais e se refere aos direitos metaindividuais, em que inscrevem os individuais homogêneos (id, art. 81, III). Apelo conhecido e provido. Sentença que se anula. Unânime (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.23959, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Fernando Foch).

 

APELAÇÃO CÍVEL – Ação Civil Pública. Defesa do Consumidor em Juízo. Legitimidade ativa para propositura da ação. Aplicação dos arts. 5°, inc. XXXII da CRFB e art. 82, inc. III do Código de Defesa do Consumidor. Legitimidade da Comissão de Defesa do Consumidor. Legitimidade da Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ para propositura de ação coletiva tendente a defesa de direitos do consumidor objetivando o reconhecimento de aumento abusivo da tarifa cobrada por transporte marítimo e retorno ao patamar anterior, bem como a condenação à restituição, em dobro, das tarifas pagas indevidamente pelos consumidores. A mens legis do art. 82 do CDC quando estabeleceu legitimação para agir atinente ao aforamento de ações coletivas foi a mais ampla possível não podendo o aplicador da lei dar interpretação restritiva. No inc. III do art. 82, não se limitou o legislador a ampliar a legitimação para agir. Foi mais além, atribuiu Legitimação ad causam a entidades e órgãos da Administração Pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o que se fazia necessário para órgãos como PROCON e a Comissão Apelante, bastante ativos e especializados em defesa do consumidor, pudessem também agir em juízo. PROVIMENTO DO APELO (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.30582, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Sidney Hartung Buarque).

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ALERJ EM FACE DE NET RIO S/A. ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA PELA SENTENÇA RECORRIDA, QUE EXTINGUIU O FEITO SEM EXAME DO MÉRITO. POSTERIOR INCLUSÃO NO REGIMENTO INTERNO DA ALERJ DE DISPOSITIVO QUE AUTORIZA À COMISSÃO AUTORA A PROMOVER A AÇÃO COLETIVA. POSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DA LEGITIMIDADE COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 462, DO CPC. O ARTIGO 82, INCISO III, DO CDC, NA VERDADE AMPLIOU O CAMPO DA LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OS ARTIGOS 5º E 6º DA LEI 7.347/85 E OS ARTIGOS 109 E 173, INCISO III DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÃO EXCLUEM, MAS ANTES ALARGAM O ROL DOS LEGITIMADOS, EM BENEFÍCIO DOS CONSUMIDORES (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.39474, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Luis Felipe Salomão).

 

PODER LEGISLATIVO DESTE ESTADO, POSSUINDO A COMISSÃO AUTORA, LEGITIMIDADE PARA POSTULAR NO PÓLO ATIVO DESTA DEMANDA. O PARQUET FUNCIONA NA MESMA, COMO FISCAL DA LEI E NÃO COMO PARTE. ANULA-SE A SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, PARA DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO NOS SEUS TRÂMITES LEGAIS – PROVIDO O PRIMEIRO RECURSO E PREJUDICADO O SEGUNDO (TJRJ, Ap.Cív. 2006.001.24835, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Edson Scisinio Dias).

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. SENTENÇA QUE EXTINGUE O FEITO SEM EXAME DO MÉRITO. APLICAÇÃO DO ART. 82, III DO CDC. LEGITIMIDADE DAS ENTIDADES E ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA OU INDIRETA, AINDA QUE SEM PERSONALIDADE JURÍDICA, DESTINADOS À DEFESA DOS INTERESSES E DIREITOS PROTEGIDOS PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PROVIMENTO DO RECURSO (TJRJ, Ap.Cív. 2007.001.39903, 20ª Câmara Cível, Rel. Desa. Odete Knaack de Souza).

 

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. DEMANDA COLETIVA PROPOSTA PELA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. ENTENDIMENTO DA JULGADORA DE QUE FALTARIA LEGITIMIDADE ATIVA À DEMANDANTE. REFORMA DA SENTENÇA (TJRJ, Ap.Cív. 2007.001.60029, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Lindolpho Morais Marinho).

 

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – LIMINAR – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – EMPRÉSSTIMOS A APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO INSS – PROPAGANDA ENGANOSA – INTERESSE DIFUSO, COLETIVO OU INDIVIDUAL HOMOGÊNEO – LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE – VIOLAÇÃO DE NORMA LEGAL – ARTS. 6º, 31, 36, 37, 81, PARÁGRAFO ÚNICO, I, II, III E 82 – LEI 8.078, DE 1990 (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) – OBRIGAÇÃO DE FAZER – MULTA – REDUÇÃO.

1 – A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade para figurar no pólo ativo de ação civil pública visando discutir vícios na propaganda relativa a emprésstimos consignados em folha para aposentados e pensionistas do INSS. Sendo um órgão da administração, destinado especificamente à defesa dos direitos e interesses previstos no CDC, cumprindo os requisitos do parágrafo único do art. 81, do Código Consumerista, há de ser considerada parte legítima para figurar no pólo ativo de demandas coletivas de consumo, na qualidade de substituto processual.

2 – O perigo de dano irreparável por demora da concessão da tutela, bem como a verossimilhança do direito alegado, na hipótese, afiguram-se patentes, tendo em vista que as propagandas veiculadas, ostensiva e massivamente, em diversos meios de comunicação, sem atender ao estipulado no Roteiro Técnico e Instrução Normativa referentes ao emprésstimo consignado, bem como em flagrante desrespeito ao CDC, encerram a probabilidade de lesionar um enorme contingente de cidadãos.

3 – A lei n.º 8.078/90 (CDC) arrola e define no parágrafo único, I, II e III, os direitos (interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo) que poderão ser tutelados através das ações coletivas de consumo.

4 – Há que se reconhecer, na hipótese, que os consumidores (aposentados e pensionistas do INSS) foram induzidos a erro na aquisição dos produtos e serviços oferecidos, o que caracteriza flagrante ofensa às regras contidas nos arts. 31 e 37 do Código de Defesa do Consumidor.

5 – a Multa tem o objetivo de inibir o inadimplemento da obrigação determinada pelo Juízo, uma vez que se constitui em meio intimidatório ao cumprimento da obrigação, pois basta que seja cumprida a determinação para que o pagamento da multa seja interrompido. Sendo o seu valor excessivo, impõe-se a sua redução.

 

6 – Agravo de instrumento provido parcialmente (TRF 2ª Região, AgIn. 2006.02.01.004411-3, 2006.02.01.003662-1 e 2006.02.01.002914-8, 6ª Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros).

 

DOS FATOS

 

As rés são concessionárias prestadoras de serviço público de fornecimento de energia elétrica que atuam em municípios do Estado do Rio de Janeiro.

 

As rés, freqüentemente, para poderem receber créditos oriundos da prestação de serviços que apresentam dificuldades de serem cobrados, em razão da mudança de endereço do usuário devedor, utilizam-se de um expediente não legal: condicionam a mudança de titularidade, e/ou o restabelecimento do serviço quando eventualmente suspenso, ao pagamento de dívida gerada por terceiro, sob o fundamento de que a obrigação de remunerar o serviço de fornecimento de energia elétrica é propter rem.

 

A prática funciona da seguinte maneira: usuário (titular do serviço, o que tem seu nome nas faturas de cobrança pela prestação do serviço) é possuidor direto tão-somente (ex: locatário) ou proprietário de um imóvel que recebe energia elétrica fornecida por uma das rés; muda-se do imóvel, em razão da perda da posse direta (ex: término do contrato de locação) ou venda do imóvel, sem remunerar os serviços prestados por uma das rés no período em que residia no imóvel; o “retomante” da posse direta (ex: locador) ou o novo proprietário ao solicitar a transferência da titularidade do serviço (para que passe a constar oficialmente como o usuário) e/ou o restabelecimento do serviço, quando eventualmente suspenso, depara-se com uma condição imposta pelas rés: pagar dívidas pretéritas, geradas pelo antigo possuidor direto ou antigo proprietário.

 

Por força do expediente utilizado pelas rés, e diante da essencialidade do serviço, consumidores (artigos 2º e 29, CDC) são colocados em uma situação em que só há duas alternativas: ficar desprovido de um serviço essencial para sobrevivência digna ou, devido à essencialidade apontada, submeter-se às imposições das rés arcando com dívidas de outrem.

 

A Autora, no exercício de seu mister, pôde constar que três hipóteses vêm ocorrendo com certa freqüência, conforme relatos de consumidores em anexo:

 

A primeira diz respeito às relações de locação (ou relações similares) de imóveis. O proprietário do bem, ao retomar a posse do mesmo, e verificando que o serviço de fornecimento de energia elétrica encontra-se suspenso em razão do inadimplemento do locatário (ou parte similar), ou a titularidade do mesmo permanece em nome do antigo possuidor direto, procura uma das rés (a responsável pelo fornecimento de energia elétrica no imóvel retomado) e, ainda que prove a retomada do imóvel locado, através de documentos idôneos e adequados, como a extinção do contrato de locação com as assinaturas dos envolvidos devidamente reconhecidas em cartório, não logra sucesso na busca do restabelecimento dos serviços ou mudança da titularidade, salvo se o débito relativo à utilização dos serviços por outrem seja pago.

 

A segunda também diz respeito às relações de locação (ou relações similares) de imóveis. O proprietário do bem, ou simplesmente locador, retoma a posse do mesmo e celebra novo contrato de locação com pessoa diversa; o novo locatário, verificando que o serviço de fornecimento de energia elétrica encontra-se suspenso em razão do inadimplemento do antigo locatário (ou parte similar), procura a ré responsável pelo fornecimento de energia elétrica para o imóvel locado e, ainda que prove a existência da relação locatícia e ser pessoa diversa do usuário devedor, através de documentos idôneos e adequados, como contrato de locação com assinaturas dos envolvidos devidamente reconhecidas em cartório, não logra sucesso na busca do restabelecimento do serviço sem a necessidade de pagar o débito deixado pelo antigo usuário.

 

A terceira diz respeito aos contratos de compra e venda de imóveis. O novo proprietário, objetivando efetuar a transferência da titularidade da matrícula do bem junto aos cadastros das rés, procura as mesmas e tem sua pretensão negada, ainda que apresente a documentação necessária e adequada (escritura pública ou particular, conforme previsto em lei, e/ou certidão de ônus reais com o devido registro do negócio jurídico), sob a alegação da existência de débito gerado pela prestação do serviço no imóvel no passado, antes da transferência da propriedade.

 

Em síntese, o novo possuidor do imóvel não logra êxito em cadastrar-se como usuário dos serviços das rés em razão da inadimplência do possuidor anterior ainda que esteja de boa fé e apresente a documentação necessária e adequada. O restabelecimento “amigável” fica condicionado ao pagamento do débito existente (pretérito), através de um termo de assunção de dívida.

 

Conforme se verificará adiante, o artifício utilizado pelas rés configura prática abusiva, ilícita, e constrange consumidores a efetuarem pagamentos indevidos, que muitas vezes acaba causando danos morais.

 

DO DIREITO

 

Aplicação do CDC

 

Conforme visto anteriormente, a relação existente entre os usuários (de fato e em potencial) é de consumo.

 

Para que não reste qualquer dúvida, tendo em vista que o mesmo é prestado por concessionárias prestadoras de serviço público, convém fazer algumas considerações prévias.

 

De um lado da relação de consumo deve existir um consumidor, definido como “pessoa física ou jurídica que utiliza produto ou serviço com destinatário final” (artigo 2º, CDC), a vítima de um acidente de consumo (artigo 17, CDC) ou a submetida às práticas comerciais previstas no Capítulo V do CDC (artigo 29, CDC).

 

Do outro lado da relação deve estar um fornecedor, definido como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (artigo 3º, CDC).

 

Note-se que o fato de o fornecedor de serviços se tratar de concessionária prestadora de serviço público não afasta a aplicação do CDC; o artigo 22 do mesmo diploma legal não deixa dúvidas.

 

Além da presença dos personagens acima mencionados é necessário verificar o objeto da relação, que, para poder atrair a incidência do CDC, deve ser o fornecimento de produto ou serviço mediante remuneração (artigo 3º, §§ 1º e 2º, CDC), um acidente de consumo ou uma prática comercial prevista no Capítulo V do CDC.

 

É importante esmiuçar o que é considerado serviço para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

 

Primeiramente, aponte-se que a doutrina e a jurisprudência entendem que não se enquadram no conceito de serviço “de consumo” aqueles que são colocados indistintamente à disposição de toda a população e que são objeto de relações de direito tributário.

 

“O que se pretende dizer é que o ‘contribuinte’ não se confunde com consumidor, já que no primeiro caso o que subsiste é uma relação de Direito Tributário, inserida a prestação de serviços públicos, genérica e universalmente considerada, na atividade precípua do Estado, ou seja, a persecução do bem comum”. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, p. 1396)

 

“Relembre-se que, pela definição de serviços do art. 3º do CDC, somente àqueles serviços pagos, isto é, como afirma o § 2º, ‘mediante remuneração’, serão aplicadas as normas do CDC. Em uma interpretação literal da norma, os serviços públicos uti universi, isto é, aqueles prestados a todos os cidadãos, com recursos arrecadados em impostos, ficariam excluídos da obrigação de adequação e eficiência previsto pelo CDC. (…).

Assim, aplica-se o CDC, sempre que presente um consumidor, aos serviços públicos referentes ao fornecimento de água, energia elétrica, gás, telefonia, transportes públicos, financiamento, construção de moradias populares etc”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 486/487)

 

Desta forma, serviços, para efeitos de aplicação do CDC, devem ser aqueles cujos destinatários são individualizados, são os chamados serviços singulares, ou uti singuli, que são remunerados, por serem facultativos, através de tarifa (preço público). Caso o usuário não o remunere, poderá o prestador suspender o seu fornecimento, o que não ocorre nos serviços públicos obrigatórios, que são remunerados através de tributo.

 

Serviços ‘uti singuli’ ou individuais: são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. Esses serviços, desde que implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares. São sempre serviços de utilização individual, facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa (preço público), e não por imposto.

(…). Há que distinguir entre o serviço obrigatório e o facultativo. Naquele, a suspensão do fornecimento é ilegal, pois, se a Administração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário (como é a ligação domiciliar à rede de esgoto e da água e a limpeza urbana), não pode suprimi-lo por falta de pagamento; neste, é legítima, porque, sendo livre sua fruição, entende-se não essencial, e, portanto, suprimível quando o usuário deixar de remunerá-lo, sendo, entretanto, indispensável aviso prévio. Ocorre, ainda, que, se o serviço é obrigatório, sua remuneração é por taxa (tributo), e não por tarifa (preço), e a falta de pagamento do tributo não autoriza outras sanções além de sua cobrança executiva com os gravames legais (correção monetária, multa, juros, despesas judiciais)”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 300/301)

 

No caso em questão há pessoas jurídicas de direito privado fornecendo, mediante remuneração, serviços públicos a outra pessoa individualizada. Acrescente-se, ainda, que as rés, em virtude da não remuneração pela prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica, suspendem o fornecimento da mesma.

 

Indiscutível, portanto, que, aos serviços de fornecimento de energia elétrica prestados pelas rés aplicam-se as normas do CDC.

 

Da natureza da obrigação assumida pelo consumidor pela utilização dos serviços de fornecimento de energia elétrica.

 

A doutrina divide as obrigações, de forma geral, em três tipos: obrigações propriamente ditas ou stricto sensu (vulgarmente chamadas pessoais); obrigações reais e obrigações propter rem.

 

A primeira é a que se estabelece entre sujeitos identificados, em que há dois pólos distintos, um ativo e outro passivo, facultando ao primeiro exigir do segundo uma prestação positiva ou negativa, como o pagamento de um crédito.

 

“Partindo, pois, da idéia de que ius et obligatio correlata sunt, forçoso é, na verdade, reconhecer que ao direito de crédito, aquele direito que tem por objeto uma prestação em espécie, um dare ou um facere, positivo ou negativo, corresponde a obrigação stricto sensu ou obrigação propriamente dita”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 43)

 

A segunda, em que também há dois pólos, é a que se estabelece entre o titular de um direito real e toda a coletividade. No pólo ativo encontra-se o titular do direito real e, no pólo passivo, toda a coletividade. À coletividade cabe abster-se de interferir negativamente no direito real de seu titular.

 

“Ao outro, ao direito real, que se caracteriza por um dever negativo de todos para com o sujeito, ou se desenha num pati, corresponde uma obligatio que se insere no dever de todos, mas que, nem por isso, deixa de ser de cada um, de respeito às faculdades do sujeito”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 43)

 

“Os direitos reais não criam obrigações para terceiros. Quando muito, pode-se admitir, com os partidários da teoria personalista, que geram uma obrigação passiva universal, consistente no dever geral de abstenção da prática de qualquer ato que os atinja. Alguns, no entanto, importam para determinadas pessoas a necessidade jurídica de não-fazer alguma coisa. Negativa, portanto, será, nesses casos, a obrigação que originam”. (GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 12)

 

A terceira e última é aquela que se impõe ao titular de um direito real em razão desta condição (de titular de um direito real). As obrigações propter rem, para Orlando Gomes, “nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa” (GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª Edição. Ed. Forense. Pág. 21.)

 

Se trata, puramente, de exigir prestação em espécie, com caráter autônomo, o direito é creditório, e a obrigação correlata o é stricto sensu: se a relação traduz um dever geral negativo, é um ius in re, e a obrigação de cada um, no puro sentido de abster-se de molestar o sujeito, pode apelidar-se de obrigação real.

Mas, se há uma relação jurídico-real, em que se insere, adjeto à faculdade de não ser molestado, o direito a uma prestação específica, este direito pode dizer-se ad rem, e a obrigação é propter rem.

(…). A obligatio propoter rem somente encorpa-se quando é acessória a uma relação jurídico-real ou se objetiva numa prestação devida ao titular do direito real, nesta qualidade (ambulant cum domino)”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 44)

 

“… situações jurídicas propter rem são aquelas em que o sujeito é determinado mediatamente pela titularidade de um direito real”. (CORDEIRO, Menezes. Direitos reais. Lisboa: Livraria dos Advogados, 1979, p. 521)

 

Traço marcante das obrigações propter rem é o fato de que, independentemente da época em que a mesma se originou e quem era o titular do direito real, aquele que figura como titular do direito real é quem deve cumpri-la. Em outras palavras, uma vez constituída a obrigação o sujeito passivo será o titular do direito real, pois esta (a obrigação) acompanha a linha sucessória da titularidade do direito real; havendo transmissão do direito real a obrigação a ele inerente é transmitida ao novo titular, e assim por diante.

 

“A natureza jurídica de tais obrigações in rem scriptae, ob ou propter rem não está definida. (…). Tais obrigações existem quando o titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. O direito de quem pode exigi-la é subjetivamente real. Quem quer que seja o proprietário da coisa, ou titular de outro direito real, é, ipso facto, devedor da prestação. Pouco importa, assim, a pessoa em quem surgiu pela primeira vez. A obrigação está vinculada à coisa. Dentre outras, são obrigações ob rem ou propter rem as dos condôminos de contribuir para a conservação da coisa comum…” (GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 13)

 

Contudo, para que se possa classificar como propter rem, a obrigação deve estar relacionada diretamente com o direito real e não com o seu titular, que é o sujeito passivo da mesma somente em virtude de ostentar a condição de titular do direito real.

 

As despesas de condomínio de edifícios, de um modo geral, estão relacionadas com o uso do direito real de propriedade de unidade componente de condomínio, por isso podem ser classificadas como propter rem.

 

O Imposto Predial e Territorial Urbano está relacionado diretamente ao fato de estar um imóvel localizado em zona urbana. Por estar relacionado ao imóvel a obrigação de pagá-lo é propter rem, o sujeito passivo é o seu titular, em regra.

 

O fornecimento de energia elétrica não serve ao imóvel e sim para aquele que dele (do serviço) se beneficia, no caso o usuário, como ocorre nos serviços de fornecimento de água e esgoto.

 

Com efeito, a obrigação que decorre da utilização dos serviços de fornecimento de energia elétrica é stricto sensu, é (ainda que parte da doutrina sustente ser imprópria a classificação) pessoal. Por isso, diz respeito apenas ao usuário e não ao imóvel aonde foi fornecido.

 

Claramente a obrigação oriunda do fornecimento de energia elétrica não se trata de obrigação de natureza propter rem, em razão do fato de cobrança relativa a serviço de energia elétrica ter natureza de tarifa.

 

Inclusive, a Agência Reguladora ANEEL dispôs sobre o tema através da resolução 456/2000,

Art. 4º A concessionária poderá condicionar a ligação, religação, alterações contratuais, aumento de carga ou contratação de fornecimentos especiais, solicitados por quem tenha quaisquer débitos no mesmo ou em outro local de sua área de concessão, à quitação dos referidos débitos.

§ 1º A concessionária não poderá condicionar a ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito que não seja decorrente de fato originado pela prestação do serviço público de energia elétrica ou não autorizado pelo consumidor, no mesmo ou em outro local de sua área de concessão, exceto nos casos de sucessão comercial.

§ 2º A concessionária não poderá condicionar a ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito pendente em nome de terceiros.

 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem, reiteradamente, reconhecendo o caráter pessoal da obrigação decorrente do fornecimento dos serviços prestados pelas rés.

 

Ação de obrigação de fazer. Concessionária LIGHT, que não providencia a ligação de energia elétrica no imóvel alugado pela Autora, ao argumento da existência de débitos do antigo inquilino. Obrigação que é pessoal e não propter rem. Consumidora que fica dias sem energia em sua nova residência, embora concedida tutela antecipada cujo cumprimento foi negligenciado pela Ré. Dano moral configurado in re ipsa, razoavelmente indenizado em R$ 4.000,00. Multa diária devida. Recursos improvidos. (TJRJ, Ap. Civ. 0023286-76.2008.8.19.0210 (2009.001.65439, DES. ANTONIO ILOIZIO B. BASTOS – Julgamento: 01/12/200– DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

 

Processual Civil. Ação de Reparação de Danos c/c Obrigação de Fazer com pedido de tutela antecipada. Rito sumário. Suspensão imotivada e sem prévio aviso do fornecimento de energia elétrica, pela concessionária Light e negativa de firmar novo contrato de fornecimento de energia elétrica. Dívida do anterior inquilino. Não tratam os autos de obrigação de natureza propter rem, em razão do fato de cobrança relativa a serviço de energia elétrica ter natureza de tarifa. Impossível o corte do fornecimento de energia elétrica em razão de débito do inquilino anterior que não pode ser transferido para o novo locatário. Configurado o dano moral. Ré deve se abster de interromper os serviços e transferir a titularidade de responsabilidade de consumo ao autor. Sentença deverá ser reformada. Condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 3.000,00.Recurso conhecido. Desprovimento. Manutenção da decisão monocrática. (TJRJ, AP. Civ. 0032531-38.2008.8.19.0202 (2009.001.43772), Relator DES. SERGIO JERONIMO A. SILVEIRA – Julgamento: 08/09/2009 – NONA CÂMARA CÍVEL)

 

Processual Civil. Ação de Reparação de Danos c/c Obrigação de Fazer com pedido de tutela antecipada. Rito sumário. Suspensão imotivada e sem prévio aviso do fornecimento de energia elétrica, pela concessionária Light e negativa de firmar novo contrato de fornecimento de energia elétrica. Dívida de antigo locatário de imóvel. Não tratam os autos de obrigação de natureza propter rem, em razão do fato de cobrança relativa a serviço de energia elétrica ter natureza de tarifa. Impossível o corte do fornecimento de energia elétrica em razão de débito de antigo locatário que não pode ser transferido para o novo locador. Configurado o dano moral. Corte que perdurou por período considerável durante o mês de julho de 2007. Sentença de procedência. Condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 5.000,00. Agravo interno em embargos de declaração contra decisão monocrática que negou seguimento ao recurso, nos termos do artigo 557, caput, do CPC. Recurso conhecido. Desprovimento. Manutenção da decisão monocrática. (TJRJ, Ap. Civ. 0108751-35.2007.8.19.0001 (2009.001.30872) – DES. SERGIO JERONIMO A. SILVEIRA – Julgamento: 28/07/2009 – NONA CÂMARA CÍVEL)

 

APELAÇÃO CÍVEL. LIGHT. INTERRUPÇÃO INDEVIDA DO FORNECIMENTO DE ELETRICIDADE PELA CONCESSIONÁRIA. VALORES PRETÉRITOS. DÍVIDA DO ANTIGO USUÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO PROPTER REM. APELAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (TJRJ, AP. Civ. 0008209-04.2006.8.19.0208 (2007.001.60649) – DES. FERNANDO FERNANDY FERNANDES – Julgamento: 25/06/2008 – DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL)

 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LIGHT. DÉBITOS PRETÉRITOS. IMÓVEL COMERCIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇOS UTILIZADOS PELO LOCATÁRIO/ OCUPANTE ANTERIOR. Não responde o proprietário-locador do imóvel pelas dívidas do anterior ocupante-locatário. A contra prestação pelo fornecimento de energia elétrica não tem natureza propter rem, não se admitindo, pois, o condicionamento de seu fornecimento ao pagamento de débito pretérito, por quem não usufruiu da prestação do serviço. SENTENÇA CORRETA. IMPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ, Ap. Civ. 0047695-35.2006.8.19.0001 (2007.001.41023) – DES. MALDONADO DE CARVALHO – Julgamento: 28/08/2007 – PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)

 

OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. LIGHT. INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO REFERENTE À PERÍODO ANTERIOR, POR CONTA DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FIRMADO COM A ANTIGA LOCATÁRIA DO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DO AUTOR. A OBRIGAÇÃO DECORRENTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA NÃO GERA OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ÔNUS DE PROVAR QUE INCUMBE A RÉ, QUANTO AOS FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS E EXTINTIVOS DO DIREITO DO AUTOR. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE A INTERRUPÇÃO OCORREU DE FORMA LEGÍTIMA. DANOS MATERIAIS CARACTERIZADOS, PARA SE REPARAR OS LUCROS CESSANTES, LIMITADOS AO VALOR DO ALUGUEL QUE DEIXOU DE SER PERCEBIDO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. DESPROVIMENTO DO PRIMEIRO RECURSO. PROVIMENTO PARCIAL DO SEGUNDO. (TJRJ, Ap. Civ. 0059522-43.2006.8.19.0001 (2007.001.43487) – DES. PAULO SERGIO PRESTES – Julgamento: 15/08/2007 – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO SUMÁRIA DE INDENIZAÇÃO COM PEDIDO CUMULADO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DAS COBRANÇAS INDEVIDAS. RELAÇÃO DE CONSUMO NA MODALIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA. AMPLA. RECUSA INDEVIDA EM PROCEDER A MUDANÇA DE TITULARIDADE DO USUÁRIO. CORTE NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO EM RAZÃO DE INADIMPLEMENTOS DO ANTERIOR LOCATÁRIO. PROVA DA ILICITUDE E CONTRARIEDADE AO DISPOSTO NO ART. 4º, §2º DA RESOLUÇÃO Nº 456/2000 DA ANEEL. OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA E FINANCEIRA DO CONSUMIDOR EM RELAÇÃO À FORNECEDORA DO SERVIÇO. CONDUTA LESIVA QUE IMPEDIU O INÍCIO DA ATIVIDADE COMERCIAL A SER DESENVOLVIDA NO IMÓVEL OBJETO DE LOCAÇÃO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS NOS AUTOS. FATURAS IMPAGAS PELO ANTERIOR LOCATÁRIO QUE NÃO SE TRATANDO DE OBRIGAÇÃO PROPTER REM NÃO PODEM SER COBRADAS DO NOVO LOCATÁRIO DO IMÓVEL. SENTENÇA QUE SE MANTÉM NA ÍNTEGRA.RECURSO IMPROVIDO. (TJRJ Ap. Civ. 0044152-16.2009.8.19.0002 – DES. JOSE C. FIGUEIREDO – Julgamento: 21/07/2010 – DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)

 

Ação Indenizatória – Ampla – Fornecimento de energia elétrica – Cobrança. A questão versa relação de consumo, na forma dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor – Não se configura, o dever de pagar pelo serviço de energia elétrica, obrigação propter rem, eis que não se vincula à titularidade do bem, mas ao usuário dos serviços Cobrança devida apenas no período em que o autor passou a exercer o domínio do imóvel, março a agosto de 2006, quando da regularização do consumo de energia elétrica, conforme laudo pericial acostado aos autos – Danos morais incabíveis, considerando a licitude da cobrança, mesmo que apenas por certo período de tempo, na forma do artigo 14, parágrafo 3º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor – Despesas judiciais, incluindo os honorários periciais e advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, que deverão ficar a cargo do autor, observando o disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50, face à gratuidade de justiça concedida – Reforma da Sentença – Provimento do apelo da ré e desprovimento do recurso autoral. (TJRJ, Ap. Civi. 0002694-47.2008.8.19.0004 (2009.001.62172) – DES. CAMILO RIBEIRO RULIERE – Julgamento: 09/03/2010 – PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)

 

SUMÁRIO – AMPLA – INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – PRETENSÃO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, BEM ASSIM AO CANCELAMENTO DA COBRANÇA EM NOME DO ANTIGO LOCATÁRIO, ALÉM DA TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE E DO TIPO DE LIGAÇÃO DE RESIDENCIAL PARA COMERCIAL – SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR A RÉ AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS NO VALOR DE R$2.400,00 (DOIS MIL E QUATROCENTOS REAIS), DETERMINAR O CANCELAMENTO DAS COBRANÇAS EM NOME DO AUTOR E TRANSFERIR O TIPO DE LIGAÇÃO PARA COMERCIAL, ASSIM COMO A TITULARIDADE DO CLIENTE – NÃO CABIMENTO DO EXAME DO AGRAVO RETIDO À VISTA DA AUSÊNCIA DE EXPRESSA MENÇÃO, NA FORMA DO ARTIGO 523 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CORTE DE ENERGIA COM BASE EM ALEGADO DÉBITO COM VENCIMENTO, A MAIOR PARTE, APÓS A CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO PELO DEMANDANTE – CONTRATO DE LOCAÇÃO A EVIDENCIAR A DESTINAÇÃO COMERCIAL DE BAR E RESTAURANTE – FATURA DE COBRANÇA, EM NOME DO ANTERIOR LOCATÁRIO, A COMPROVAR A CLASSIFICAÇÃO COMO RESIDENCIAL – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA ALEGAÇÃO SUCESSÃO COMERCIAL, O QUE AFASTA A RESPONSABILIDADE DO AUTOR COM RELAÇÃO AO DÉBITO ANTERIOR À CELEBRAÇÃO DO CONTRATO – OBRIGAÇÃO PESSOAL DE CARÁTER CONTRAPRESTACIONAL – AFASTADA A ANTUREZA REAL, OU PROPTER REM – COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DA FATURA COM VENCIMENTO PARA NOVEMBRO ANTES DA SUSPENSÃO DO SERVIÇO – COMUNICAÇÃO DO DÉBITO RELATIVO AO MÊS DE OUTUBRO NA FATURA DE NOVEMBRO RECEBIDA NO MESMO DIA DA EFETIVAÇÃO DA CORTE DE ENERGIA – ILICITUDE NA INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO SOB A JUSTIFICATIVA DE DÉBITO A EVIDENCIAR A MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E O DEVER DE INDENIZAR DANO MORAL CONFIGURADO – MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO PARA R$12.000,00 (DOZE MIL REAIS) A FIM DE SE ADEQUAR AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. (TJRJ, Ap. Civ. 0073859-97.2007.8.19.0002 (2009.001.43710) – DES. ERNANI KLAUSNER – Julgamento: 01/10/2009 – PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)

 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. AMPLA. – SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. LEGITIMIDADE.- NÃO RESTAURAÇÃO DO SERVIÇO DEVIDO À EXISTÊNCIA DE DÉBITO VENCIDO EM NOME DO MESMO CONSUMIDOR, PORÉM RELATIVO A OUTRO IMÓVEL. POSSIBILIDADE, EIS QUE A DÍVIDA RELATIVA AO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA É PESSOAL, E NÃO PROPTER REM. ILEGITIMIDADE, PORÉM, DA CONDUTA DA CONCESSIONÁRIA, EIS QUE QUANTO AO DÉBITO RELATIVO AO OUTRO IMÓVEL NÃO HOUVE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO CONSUMIDOR. – DANO MORAL CARACTERIZADO, DIANTE DA ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO. – REDUÇÃO, ENTRETANTO, DO MONTANTE INDENIZATÓRIO, DIANTE DE SUA DÚPLICE FUNÇÃO COMPENSATÓRIA E INIBITÓRIA -, BEM COMO DO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DA RÉ E DA INTENSIDADE DAS LESÕES INFLIGIDAS À VÍTIMA. REDUÇÃO DE R$ 14.400,00 PARA R$ 7.000,00, À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. – JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO, EIS QUE SE TRATA DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – ART. 405 DO CPC. – CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA A CONTAR DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. – PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.(TJRJ, Ap. Civ. 0008334-40.2004.8.19.0014 (2007.001.30348) – DES. ROBERTO FELINTO – Julgamento: 24/07/2007 – OITAVA CÂMARA CÍVEL)

 

Inegável, portanto, que a obrigação que decorre da utilização dos serviços de fornecimento de água e coleta de esgoto não é propter rem, e sim pessoal, ou seja, o devedor da obrigação é aquele que efetivamente utilizou o serviço.

 

Da abusividade da prática de condicionar o fornecimento de energia elétrica para o consumidor ao pagamento de débito gerado sabidamente por pessoa diversa

 

O artigo 39 do CDC apresenta rol de práticas consideradas abusivas. Contudo o referido rol não é exaustivo, conforme se pode concluir da expressão “dentre outras práticas” contida na redação do caput do dispositivo.

 

“O presidente da República, cedendo nesse ponto ao poderoso lobby empresarial contrário ao CDC, vetou o então inc. X do texto legal, que dispunha: ‘praticar outras condutas abusivas’.

Como vimos, em tese o prejuízo seria nenhum, diante de duas janelas ampliativas (= cláusulas gerais), que permanecerem no Código (arts. 6º, inc. IV, e 39, incs. IV e V), garantindo, assim, que o rol de práticas abusivas estivesse legalmente posto de maneira exemplificativa. Entretanto, segmento da doutrina passou defender que o veto conferia ao art. 39 um caráter de númerus clausus, argumento este que, visivelmente, ao excluir um vastíssimo campo de práticas maléficas ao mercado de consumo, favorecia os fornecedores despreocupados com a proteção do consumidor.

Por isso mesmo, por ocasião da revisão que fiz, a pedido do então secretário nacional de Direito Econômico, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, do texto primitivo da Medida Provisória que deu origem à Lei n.º 8.884, de 11.6.94 – Lei Antitruste -, acrescentei, entre outros dispositivos, o atual art. 87, que dispõe: ‘O art. 39 da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se-lhe os seguintes incisos: ‘Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas…

Se dúvida existia sobre a qualidade enunciativa do art. 39, com o ajuste legislativo aqui efetuado termina de vez a querela”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 366)

 

“A lista do art. 39 apresenta 12 hipóteses, com redação dada pelas Leis 8.884, de 11.06.1994; 9.008, de 21.03.1995; e 9.870, de 23.11.1999. O antigo inc. X do art. 39, o qual indicava ser a lista apenas exemplificativa, foi vetado pelo Presidente da República, sob alegação de que este inciso tornava a norma ‘imprecisa’ e era inconstitucional, tendo em vista a sua ‘natureza penal’. Mesmo discordando dos argumentos usados para impor o veto, devemos concluir, em uma interpretação a contrario, que a lista de práticas abusivas do art. 39 com o veto tinha se tornado uma lista exaustiva, podendo ser apenas complementada por outras normas, do CDC ou de leis especiais. A Lei 8.884, de 11.06.1994, introduziu no caput a expressão ‘dentre outras práticas abusivas’, retornando a lista assim a ser exemplificativa, além das várias modificações introduzidas por outras leis”. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2006, p. 561)

 

Considerando que o CDC é baseado, também, no princípio da boa-fé objetiva, toda e qualquer prática que o contrarie é abusiva, independentemente de ser enganosa; muitas vezes o consumidor é obrigado, conscientemente, a aceitar determinada imposição do fornecedor que flagrantemente lhe é desvantajosa, por não lhe restar alternativa, trata-se de típica prática contrária ao princípio da boa-fé objetiva, abusiva, portanto.

 

“Prática abusiva (lato sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. São – no dizer irretocável de Gabriel A. Stiglitz – ‘condições irregulares de negociação nas relações de consumo’, condições estas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes.

… prática abusiva no Código é apenas aquela que, de modo direto e no sentido vertical da relação de consumo (do fornecedor ao consumidor), afeta o bem-estar do consumidor.

As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros, simplesmente dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas , ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las”. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 361/362)

 

Segundo a autora Cláudia Lima Marques, “boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes”. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 181/182)

 

Com efeito, condicionar o fornecimento de energia elétrica ao pagamento de dívida decorrente de serviço sabidamente usufruído por outrem contraria o princípio da boa-fé objetiva. A abusividade de tal prática torna-se ainda mais visível se for considerado que o bem envolvido é essencial para manutenção da dignidade da pessoa humana e prestado por um único fornecedor, situação em que o consumidor torna-se ainda mais vulnerável às imposições do fornecedor.

 

Desta forma, é vedado às rés condicionarem o restabelecimento ou a continuidade do fornecimento do serviço para o consumidor ao pagamento de dívida gerada sabidamente por outrem.

 

Da reparação por danos morais pela recusa ou suspensão indevida do fornecimento do serviço e pelo ilegal constrangimento

 

Dispõe o artigo 22, do CDC, que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

 

Com relação ao princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais, esclarece o artigo 6º, § 3º, II, da Lei n.º 8.987/95, que “não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção … após prévio aviso, quando: … por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade”.

 

O fornecimento de energia elétrica é, inegavelmente, um serviço essencial para sobrevivência digna da pessoa humana. De qualquer forma, à míngua de definição específica do que é serviço público essencial, deve-se considerar como essencial todo e qualquer serviço público, principalmente aqueles que são prestados diretamente através de delegação da administração pública para concessionárias, como o fornecimento de energia elétrica.

 

“É sempre muito complicado investigar a natureza do serviço público, para tentar surpreender, neste ou naquele, o traço de sua essencialidade. Com efeito, cotejados, em seus aspectos multifários, os serviços de comunicação telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de essencialidade, que se exacerba justamente quando estão em causa os serviços públicos difusos (ut universi) relativos à segurança, saúde e educação.

Parece-nos, portanto, mais razoável sustentar a imanência desse requisito em todos os serviços prestados pelo Poder Público”. (DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 215)

 

Serviços públicos: propriamente dito ditos, são os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Maleiros, 1997, p. 298)

 

Discorrendo por uma ótica publicista, Luis Antonio Rizzatto Nunes sustenta que:

 

“Em medida amplíssima todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde etc. Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de lixo, de telefonia etc.”

 

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, corrobora este entendimento,

 

“ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA. DESPROVIMENTO. 1. O corte no fornecimento de energia elétrica, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e malfere a cláusula pétrea que tutela a dignidade humana. Precedentes do STJ. 2. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada. 3. Agravo Regimental desprovido” (Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO: AGA 478911/RJ (200201347643), 485333 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux. DATA DA DECISÃO: 06/05/2003. ORGÃO JULGADOR: – PRIMEIRA TURMA.  RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX   FONTE: DJ DATA: 19/05/2003 PG: 00144. VEJA: STJ – RESP 223778-RJ (RSTJ 134/145), AGA 307905-PB (JBCC 186/355), RESP 174085-GO (LEXSTJ VOL.: 00114/239), ROMS 8915-MA)

 

O parágrafo único do artigo 22 do CDC prescreve que violado o princípio da continuidade na prestação dos serviços públicos essenciais “serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista” no CDC.

 

Dispõe o artigo 6°, VI, do CDC, que é direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

 

Trata-se de responsabilidade civil objetiva, por força do disposto nos artigos 22 e 14 do CDC, logo os fornecedores de serviços respondem, independentemente de culpa (presumida em razão do dever de qualidade adequação e segurança dos serviços colocados no mercado de consumo, e do dever de agir segundo a boa-fé objetiva), pelos danos causados na prestação dos seus serviços.

 

De acordo com as regras da responsabilidade civil objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor, cabe ao ofendido demonstrar a presença de três pressupostos para responsabilizar o fornecedor: defeito do produto ou serviço, dano e o nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo.

 

“A responsabilidade por danos decorre da propagação do vício de qualidade, alcançando o consumidor e inclusive terceiros, vítimas do evento, e supõe a ocorrência de três pressupostos:

a) defeito do produto;

b) eventus damni, e

c) relação de causalidade entre o defeito e o evento danoso”. (DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 177)

 

Do defeito

 

Segundo o parágrafo primeiro do artigo 14 do CDC “o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar”. Do serviço de fornecimento de energia elétrica legitimamente se espera que seja contínuo, ou seja, que somente seja interrompido em caso de inadimplência do usuário, ou seja, interrompido por motivo justo.

 

Conforme visto condicionar a continuidade do fornecimento de energia elétrica ao pagamento de débito de usuário diverso é considerada prática abusiva, expressamente vedada por lei.

 

Diante disso, não se pode concluir de forma diversa: é defeituoso o serviço cuja prestação e continuidade depende do pagamento de dívida de terceiro.

 

Do dano

 

Segundo Paulo Jorge Scartezzini Guimarães “dano é toda diminuição no patrimônio de uma pessoa, entendendo-se o termo ‘patrimônio’ em seu sentido lato, abrangendo tanto os bens materiais como os imateriais”. (Vício do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: RT, 2004, p. 314)

 

Acrescenta o mencionado autor que quando ocorre o cumprimento imperfeito de uma obrigação, ou obrigações, “podem surgir três tipos de dano: O primeiro, concernente às despesas contratuais; o segundo, chamado de dano circa rem, ligado aos prejuízos causados na coisa ou diretamente relacionados ao cumprimento impefeito; por último, os danos causados na pessoa ou em outros bens do credor, de terceiros ou ligados indiretamente ao vício, chamados de dano extra rem”. (Ob. Cit. p. 314)

 

A primeira questão a ser enfrentada se refere a prova do dano moral, tendo em vista o disposto no artigo 333, I, CPC.

 

Segundo Yussef Said Cahali “dano moral é tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade, no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (Dano Moral. São Paulo: RT, 1998, p. 20/21).

 

Discute-se na doutrina pátria e na jurisprudência dos Tribunais que o inadimplemento de um contrato não é capaz de causar danos morais indenizáveis, por se tratar de risco esperado pelas partes, que podem, para se resguardarem, prever penalidades para estas hipóteses.

 

Porém, reconhece-se pacificamente que existem situações em que o inadimplemento contratual ultrapassa o chamado “aborrecimento natural”, comum nestes casos, e interferem intensamente no psicológico do prejudicado, causando-lhe danos morais indenizáveis.

 

“De forma geral dizem alguns doutrinadores e julgadores, sem maior aprofundamento do tema, que o descumprimento de um contrato, normalmente, não acarreta dano moral, pos todo negócio jurídico traz em si um risco e, assim, é inerente a qualquer transação a possibilidade de aborrecimento. Nestes termos, não se poderia falar em dano moral em decorrência de mero cumprimento imperfeito.

(…)

O argumento trazido, data máxima vênia, não nos convence, visto que o fato de existir um risco não exclui – ocorrendo o fato danoso – o direito a posterior indenização. Todo ato ou atividade traz em si um perigo, e nunca se defendeu que, ao assumi-lo, estar-se-ia abrindo mão de eventual ressarcimento. Basta supor as relações de vizinhança ou mesmo o ato de dirigir um veículo; há neles um risco de ofensa e algo acontecendo, por exemplo, se formos humilhados pelo vizinho ou vítimas de um acidente de trânsito, teremos, teoricamente, direito à indenização por dano moral.

 

Não temos dúvida em sustentar que o efetivo transtorno e o aborrecimento geram um abalo em nossa tranqüilidade, em nossa tranqüilidade, em nossa paz, afetando assim o chamado bem-estar psíquico. Por esse motivo defendemos que tais situações caracterizam um dano”. (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: RT, 2004, pp. 322/323)

 

“No direito brasileiro, não obstante a ausência de disposição legal explicita, a doutrina é uniforme no sentido da admissibilidade de reparação do dano moral tanto originário de obrigação contratual quanto decorrente de culpa aquiliana, uma vez assente a indenizibilidade do dano moral, não há fazer-se distinção entre dano moral derivado de fato ilícito relativo; o direito à indenização pode projetar-se por áreas mais diversas das sociais, abrangendo pessoas envolvidas ou não por um liame jurídico de natureza contratual: assim, tanto pode haver dano moral nas relações entre devedor e credor quanto entre caluniador e o caluniado, que nenhuma relação jurídica se acha, individualmente, com o ofensor.

Na realidade, conforme assinala Viney, toda forma de responsabilidade, qualquer que seja a causa ou a natureza, induz, a cargo do responsável, o desgosto, os sofrimentos e frustrações provocados pelo seu autor: sob esse aspecto, impõe-se constatar que a distinção, se ainda posta em confronto, entre responsabilidade contratual e responsabilidade delitual, não tem hoje senão uma importância mínima; a obrigação de reparar danos extrapatrimoniais, tende, quase toda, a assumir o domínio contratual, com a mesma importância que em matéria delitual”. (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: RT, 1998, pp. 462/463)

 

A prova das aflições, angústias e desequilíbrios experimentados pelos usuários não inadimplentes, que possam interferir no bem estar de cada um, é de difícil produção, uma vez que tais sentimentos normalmente se manifestam apenas no “interior” dos indivíduos.

 

Atentas a este fato, a doutrina e a jurisprudência sedimentaram o entendimento de que o dano moral é um desdobramento da própria conduta ofensiva, ou seja, basta, em regra, a comprovação da ocorrência de fato danoso, suficientemente capaz de causar sofrimento ao homem médio, para estar provada a ofensa moral.

 

Processual Civil. Ação de Reparação de Danos c/c Obrigação de Fazer com pedido de tutela antecipada. Rito sumário. Suspensão imotivada e sem prévio aviso do fornecimento de energia elétrica, pela concessionária Light e negativa de firmar novo contrato de fornecimento de energia elétrica. Dívida de antigo locatário de imóvel. Não tratam os autos de obrigação de natureza propter rem, em razão do fato de cobrança relativa a serviço de energia elétrica ter natureza de tarifa. Impossível o corte do fornecimento de energia elétrica em razão de débito de antigo locatário que não pode ser transferido para o novo locador. Configurado o dano moral. Corte que perdurou por período considerável durante o mês de julho de 2007. Sentença de procedência. Condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 5.000,00. Agravo interno em embargos de declaração contra decisão monocrática que negou seguimento ao recurso, nos termos do artigo 557, caput, do CPC. Recurso conhecido. Desprovimento. Manutenção da decisão monocrática. (TJRJ, Ap. Civ. 0108751-35.2007.8.19.0001 (2009.001.30872) – DES. SERGIO JERONIMO A. SILVEIRA – Julgamento: 28/07/2009 – NONA CAMARA CIVEL)

 

“Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum” (Sérgio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 92)

 

DANO MORAL. INCÊNDIO. RESIDÊNCIA. AQECEDOR ELÉTRICO. Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais devido a incêndio causado pelo mau funcionamento de aquecedor na residência do autor. Na liquidação da sentença por artigos, o juiz rejeitou os danos materiais em razão de ter considerado insuficiente a prova de quais objetos foram consumidos pelo fogo, mas condenou a empresa à indenização por dano moral (equivalente a 1.324 salários mínimos da época). Isso posto, o Min. Relator observou que a indenização por dano moral, como se sabe, não necessita de prova, mas resulta da situação sofrida, do vexame, do transtorno e do constrangimento a que fica exposta a pessoa. Entretanto, considerou exorbitante a indenização dentro dos critérios usualmente utilizados pela Turma e os reduziu a 300 salários mínimos. Com esses esclarecimentos, a Turma deu provimento ao recurso da empresa. Precedentes citados: REsp 719.354–RS, DJ 29/8/2005; REsp 556.031-RS, e REsp 291.384-RJ, DJ 17/9/2001 (STJ, REsp 687.839-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 20/10/2005).

 

No caso em questão não ocorre um mero inadimplemento contratual, nem aborrecimentos comuns do dia a dia, vai muito além.

 

Privar o usuário não inadimplente de um serviço essencial à dignidade da pessoa humana, ou pressioná-lo a pagar dívida de terceiro para poder usufruir serviços essenciais, configura dano moral, conforme já assentado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

 

Ação de obrigação de fazer. Concessionária LIGHT, que não providencia a ligação de energia elétrica no imóvel alugado pela Autora, ao argumento da existência de débitos do antigo inquilino. Obrigação que é pessoal e não propter rem. Consumidora que fica dias sem energia em sua nova residência, embora concedida tutela antecipada cujo cumprimento foi negligenciado pela Ré. Dano moral configurado in re ipsa, razoavelmente indenizado em R$ 4.000,00. Multa diária devida. Recursos improvidos. (TJRJ, Ap. Civ. 0023286-76.2008.8.19.0210 (2009.001.65439, DES. ANTONIO ILOIZIO B. BASTOS – Julgamento: 01/12/200– DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

 

Processual Civil. Ação de Reparação de Danos c/c Obrigação de Fazer com pedido de tutela antecipada. Rito sumário. Suspensão imotivada e sem prévio aviso do fornecimento de energia elétrica, pela concessionária Light e negativa de firmar novo contrato de fornecimento de energia elétrica. Dívida do anterior inquilino. Não tratam os autos de obrigação de natureza propter rem, em razão do fato de cobrança relativa a serviço de energia elétrica ter natureza de tarifa. Impossível o corte do fornecimento de energia elétrica em razão de débito do inquilino anterior que não pode ser transferido para o novo locatário. Configurado o dano moral. Ré deve se abster de interromper os serviços e transferir a titularidade de responsabilidade de consumo ao autor. Sentença deverá ser reformada. Condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 3.000,00.Recurso conhecido. Desprovimento. Manutenção da decisão monocrática. (TJRJ, AP. Civ. 0032531-38.2008.8.19.0202 (2009.001.43772), Relator DES. SERGIO JERONIMO A. SILVEIRA – Julgamento: 08/09/2009 – NONA CÂMARA CÍVEL)

 

Ressalte-se que desempenha uma função social o reconhecimento de que a suspensão ou a recusa do fornecimento de energia elétrica, em razão da inadimplência de terceiro estranho, configura dano moral indenizável, tendo em vista que repercutirá de forma positiva para toda a sociedade: as rés irão refletir se é mais vantajoso arcar com indenizações ou não insistir numa prática reconhecidamente abusiva.

 

Do nexo de causalidade

 

Com relação ao nexo de causalidade entre recusa do fornecimento de energia elétrica e os danos morais que as vítimas deste tipo de prática experimentam desnecessário tecer qualquer comentário, tendo em vista que flagrante a “sua presença”, conforme se pode verificar nas ementas acima transcritas.

 

“Refere-se o terceiro elemento à relação de causalidade entre o cumprimento imperfeito e o dano. Assim, o cumprimento imperfeito deve ser a causa, a gênesis, a origem, enquanto o dano, a sua conseqüência”. (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: RT, 2004, p. 338)

 

Da restituição de valores pagos indevidamente

 

Dispõe o parágrafo único do artigo 42 CDC que “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.

 

Como visto, é vedado às rés condicionarem o restabelecimento ou a continuidade do fornecimento do serviço para o consumidor ao pagamento de dívida gerada sabidamente por outrem. Logo, aquele que, para poder usufruir um serviço essencial à dignidade da pessoa humana, efetua, por força de imposição do fornecedor, o pagamento de dívida de outrem (a obrigação de remunerar o serviço prestado pelas rés é, conforme visto, pessoal e não propter rem), é indevidamente cobrado, e o pagamento que efetua é indevido.

 

O direito de restituição do valor pago indevidamente é inquestionável, dúvida reside se o valor deve ou não ser restituído em dobro, tendo em vista que a parte final do parágrafo único do artigo 42 do CDC prescreve que será simples a restituição de quantia cobrada e paga indevidamente nos casos de engano justificável.

 

Conforme visto anteriormente, e segundo se verificará logo adiante, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem, reiteradamente, e de forma uniforme, decidindo que a obrigação decorrente da utilização dos serviços prestados pelas rés é pessoal, e não propter rem. Porém, mesmo diante dessa constatação as mesmas continuam insistindo com a abusiva prática de condicionar o fornecimento dos serviços que prestam para o consumidor ao pagamento de dívida sabidamente de outrem.

 

Portanto, não há como alegar, nestes casos, engano justificável, ainda mais se for considerado que a atuação dos fornecedores de produtos ou serviços, segundo o CDC, deve ser pautada não pelos parâmetros da boa-fé subjetiva, que significa a crença de estar atuando conforme a lei, mas pelos da boa-fé objetiva.

 

Da antecipação de tutela

 

A concessão de medida antecipatória, no sentido de proibir as rés de condicionarem, ao usuário que não se encontra inadimplente, o fornecimento de energia elétrica ao pagamento de dívida de terceiro que tenha, no passado, residido no mesmo imóvel e usufruído, nele, dos serviços sem remunerá-los, se mostra necessária e pertinente, salvo se não provada, adequadamente, a transferência da posse do imóvel.

 

Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC que, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

 

O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da demanda interfere de forma negativa.

 

Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela, logo, deve o dispositivo ora em comento ser interpretado em harmonia com o artigo 273 do Código de Processo Civil, que trata do assunto de forma geral.

 

O artigo 273 do CPC exige, para que seja concedida a antecipação parcial ou total da tutela pretendida, que exista prova inequívoca que convença o juiz sobre a verossimilhança das alegações do autor, e que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. A antecipação da tutela não será concedida caso exista “perigo” de irreversibilidade do provimento antecipado.

 

A doutrina já se manifestou sobre a contradição existente nas expressões “prova inequívoca” e “que convença da verossimilhança da alegação”, contidas no artigo 273 do CPC, concluindo que, havendo uma prova inequívoca haverá certeza, e não simples verossimilhança, cujo real significado é parecer ser verdadeiro o alegado, logo, a melhor interpretação para o dispositivo é haver probabilidade da existência do direito alegado, para que possa ser concedida a antecipação da tutela.

“O artigo 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação. A dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor.

Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição, São Paulo 1995, ed. Malheiros, pp.143)

 

Portanto, para que a antecipação de tutela possa ser concedida é necessário que: haja prova (ou mesmo indícios) demonstrando que há probabilidade de as alegações do autor da demanda ser verdadeiras, e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

 

Conforme visto, existe previsão legal válida que veda as concessionárias prestadoras de serviço publico de fornecimento de energia elétrica a condicionar a ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito pendente em nome de terceiros (art. 4, §2º, resolução 465 da ANEEL). Por outro lado, o fornecimento de energia elétrica é essencial para a dignidade da pessoa humana. Portanto, presentes os pressupostos e requisitos para a concessão da medida liminar, conforme já expressado pela jurisprudência deste Tribunal de Justiça em casos análogos.

 

DA ADEQUAÇÃO E IMPORTÂNCIA DA DEMANDA

 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, conforme visto, já pacificou o entendimento de que a obrigação que decorre da utilização de energia elétrica é pessoal, e não propter rem segundo sustentam as rés. Também é pacífico o entendimento de que a suspensão ou recusa do fornecimento de tais serviços é capaz de gerar danos irreparáveis ou de difícil reparação.

 

Todavia, o pacífico entendimento acima mencionado tem sido expressado em demandas judiciais pulverizadas, talvez por isso as rés continuem insistindo em condicionar a prestação de seus serviços aos consumidores não inadimplentes ao pagamento de dívidas de terceiros que residiam nos imóveis cujas posses foram transmitidas para aqueles posteriormente.

 

O presente procedimento poderá dar um fim à questão, atomizando a solução, em um só procedimento, de diversos questionamentos sobre o mesmo assunto, presentes e futuros, judiciais e extrajudiciais. Evita-se, a um só tempo, o abarrotamento dos Tribunais e órgãos de defesa do consumidor e a continuidade da flagrante prática abusiva por parte das rés e dos danos aos consumidores não inadimplentes.

 

A questão envolve direitos subjetivos que poderiam ser tratados em ações individuais, mas que, em razão de aparente homogeneidade e origem comum, podem ser discutidos em uma única ação coletiva, conforme autoriza os artigos 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor e 1º, inciso II, da Lei nº 7.347/85.

 

DOS PEDIDOS

 

Por todo o exposto, requer:

 

01) A citação das rés via mandado próprio para, querendo, contestarem a presente;

 

02) a condenação das rés na obrigação de não condicionarem a transferência de titularidade do uso do serviço de fornecimento de energia elétrica, assim como o seu restabelecimento quando eventualmente suspenso, para os consumidores não inadimplentes que tenham comprovadamente retomado a posse de imóveis de sua titularidade de terceiros que lá usufruíram o serviço de energia elétrica na qualidade de titulares do mesmo e não o remuneraram adequadamente;

 

03) a concessão de medida liminar em relação ao pedido 2;

 

04) a fixação de multa diária para assegurar o cumprimento da medida liminar e/ou da obrigação definitiva caso seja concedida;

 

05) a condenação das rés na obrigação de restituir, em dobro, os valores pagos por aqueles que foram submetidos à prática abusiva que se pretende combater através da presente demanda;

 

06) a condenação das rés na obrigação de reparar os danos morais experimentados por aqueles que foram submetidos à prática abusiva que se pretende combater através da presente demanda;

 

07) a condenação das rés na obrigação de publicar, às suas custas, em dois jornais de grande circulação desta Capital, em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo, em tamanho mínimo de 20 cm x 20 cm, a parte dispositiva de eventual procedência, para que os consumidores dela tomem ciência, oportunizando, assim, a efetiva proteção de direitos lesados;

 

08) a intimação do Ministério Público;

 

09) a condenação das rés ao pagamento dos ônus sucumbências e honorários advocaticios.

 

Protesta por todos os meios de prova admitidos. Dá-se à causa o valor de R$ 30.700,00 (vinte e oito mil trezentos e sessenta e cinco reais).

 

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2010.

 

 

PAULO GIRÃO BARROSO                             CARLOS EDUARDO CITTADINO DE MESQUITA

      OAB/RJ 107.255                                                                 OAB/RJ Nº 159.832

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

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Comentado por ana em 15/4/11

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Site publicado em 04/05/2009
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