Flávio Citro - Direito Eletrônico

Proibição de recusa de entrega da gravação das chamadas efetuadas para o Serviço de Atendimento ao Consumidor

DIREITO DO CONSUMIDOR – SACs terão de fornecer cópia de gravação aos consumidores

A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça publicou, no dia 12.03.2009, a Portaria nº 049 que obriga as empresas a cederem uma cópia da gravação dos atendimentos telefônicos dos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs) aos consumidores, quando exigido. De acordo com o documento, a recusa da empresa de entregar esse material é uma “prática abusiva”, que deve ser proibida.

O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do SDE informou que as empresas que desrespeitarem esse ato sofrerão multas que podem chegar a até R$ 3 milhões, podendo, inclusive, ser processadas na esfera judicial. A portaria prevê que no caso da empresa se recusar a ceder a gravação, ela será automaticamente declarada culpada das acusações feitas pelo consumidor.

De acordo com o DPDC, três meses depois da vigência das regras para o atendimento por telefone, as reclamações mais recorrentes são em relação à recusa das empresas de dar as gravações das conversas feitas entre os consumidores e os call centers. O prazo para a entrega do áudio é de, no máximo, dez dias, mas a forma é escolhida pelo consumidor, e pode ser por e-mail, correio ou pessoalmente.

Eis a íntegra da Portaria nº 49 da SDE.

SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO – PORTARIA Nº 49, DE 12 DE MARÇO DE 2009

 

 

 

Para efeitos de harmonização dos procedimentos administrativos para o cumprimento das normas do Decreto 6.523, de 31 de julho de 2008, pelos órgãos públicos de defesa do consumidor, especifica hipótese prevista no elenco de práticas abusivas constante do art. 39 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e dá outras providências.

A Secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, no uso da atribuição que lhe confere o art. 63 do Decreto 2.181, de 20 de março de 1997, e CONSIDERANDO que constitui dever da Secretaria de Direito Econômico, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, visando à fiel observância das normas de proteção e defesa do consumidor;

CONSIDERANDO que a informação de fornecedores e de consumidores quanto aos seus direitos e deveres promove a melhoria, a transparência, a harmonia, o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo;

CONSIDERANDO a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no âmbito dos serviços públicos regulados pelo Poder Público federal,

CONSIDERANDO que o Decreto n. 6.523/2008 determina em seu art. 15, § 3o, a obrigatoriedade da manutenção da gravação das chamadas efetuadas para o SAC, pelo prazo mínimo de noventa dias, durante o qual o consumidor poderá requerer acesso ao seu conteúdo;

CONSIDERANDO que o artigo 39 da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 institui um rol exemplificativo de práticas abusivas;

CONSIDERANDO o entendimento da Comissão de Redação do Decreto n. 6.523/2008, consubstanciado na nota técnica 08/CGSC/DPDC/2009, de 13 de fevereiro de 2009, que os fornecedores

de serviços regulados pelo Poder Público têm o dever legal de fornecer a gravação do atendimento telefônico do Serviço de Atendimento ao Consumidor e, desta forma, a recusa em fornecê-la gera presunção relativa de veracidade dos fatos que por meio dela o consumidor pretendia provar; resolve:

Art. 1º Considerar abusiva, no serviço de atendimento ao consumidor por telefone, no âmbito dos serviços regulados pelo Poder Público Federal, dentre outras práticas, recusar ou dificultar, quando solicitado pelo consumidor ou por órgão competente, a entrega da gravação das chamadas efetuadas para o Serviço de Atendimento ao Consumidor, no prazo de 10 (dez) dias;

Parágrafo único – A entrega deverá ocorrer por meio eletrônico, por correspondência ou pessoalmente, a critério do solicitante.

Art. 2o Sem prejuízo das sanções devidas, a recusa do fornecimento da gravação gera presunção relativa de veracidade das reclamações do consumidor quanto à violação do Decreto n. 6.523/2008.

Art. 3º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.

MARIANA TAVARES DE ARAUJO

 

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

COORDENAÇÃO GERAL DE SUPERVISÃO E CONTROLE

Nota n.º

Data:

Assunto:

08/CGSC/DPDC/2009

13 de fevereiro de 2009.

Parecer técnico do DPDC sobre as conseqüências jurídicas, na esfera

administrativa, da recusa do fornecedor a entregar a gravação de chamadas

efetuadas para o serviço de atendimento ao consumidor, em descumprimento

ao artigo 15, §3º, do Decreto nº6.523/2008.

Senhora Coordenadora-Geral,

I. Relatório

01. Trata-se de parecer acerca das conseqüências jurídicas, na esfera

administrativa, da recusa do fornecedor a entregar a gravação de chamadas efetuadas para o

serviço de atendimento ao consumidor, em descumprimento ao artigo 15, §3º, do Decreto

nº6.523/2008.

II. Fundamentação

02. Em atenção à vulnerabilidade do consumidor e à necessidade de impedir que

os fornecedores prevaleçam-se de sua posição para cometerem abusos, editou-se o Decreto

nº6.523/2008, que regulamenta os denominados “serviços de atendimento ao consumidor”

(SACs) por telefone no âmbito dos serviços regulados pelo Poder Público federal.

03. Dentre as normas nele constantes, destaca-se o §3º do artigo 15, o qual não

apenas exige que o fornecedor mantenha gravação de todo atendimento telefônico efetuado,

como também garante expressamente o direito do consumidor de requerer acesso ao

conteúdo – leia-se, integral – de tal registro:

Art. 15. Será permitido o acompanhamento pelo consumidor de todas as

suas demandas por meio de registro numérico, que lhe será informado no

início do atendimento. [...]

2

§ 3o É

 

 

obrigatória a manutenção da gravação das chamadas efetuadas

para o SAC

 

, pelo prazo mínimo de noventa dias, durante o qual

o

consumidor poderá requerer acesso ao seu conteúdo.

 

[...]

 

 

04. O referido dispositivo contribui para assegurar a

 

 

transparência e a boa-fé

na

prestação do serviço público concedido, conforme preconiza o artigo 37,

 

 

caput

, da

Constituição Federal:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

 

 

moralidade,

publicidade

 

e eficiência [...]

 

05. A mais disso, viabiliza a concretização dos princípios de

 

 

equilíbrio e

harmonia nas relações de consumo

 

e instrumentaliza o direito básico de

facilitação da

defesa

 

do consumidor garantido pelo CDC, instituindo uma medida eficaz para dotar o

consumidor de prova de eventual ilegalidade e, com isso, atenuar a grave dificuldade que

sofre para fazer valerem seus direitos. Nesse sentido, atente-se para as seguintes previsões

do CDC:

 

 

 

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o

atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua

dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a

melhoria da sua qualidade de vida, bem como a

 

 

transparência e

harmonia das relações de consumo

 

, atendidos os seguintes princípios:

[...]

 

 

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de

consumo

 

 

 

sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas

relações entre consumidores e fornecedores;

 

[...]

Art. 6º

 

 

 

São direitos básicos do consumidor: [...]

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos

 

 

 

06. Outrossim, a medida determinada pelo Decreto dos SACs coaduna-se com a

Lei nº8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão de serviços públicos e consagra o

direito do consumidor de receber da concessionária as

 

 

informações

necessárias para a

defesa de interesses individuais ou coletivos:

 

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei n

 

 

o

8.078, de 11 de setembro de

1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I – receber serviço adequado;

 

II – receber

 

 

 

 

07. Ou seja, a disponibilização da informação, no caso, especificamente o

conteúdo da gravação do atendimento telefônico, é

 

 

dever legal

do fornecedor.

3

08. Tal dever legal, saliente-se, não é exigível apenas por parte do consumidor.

Movida pelo poder-dever de defender e perseguir o interesse público e amparada pelo

princípio da oficialidade, a

 

 

Administração também dispõe da prerrogativa

de requerer do

fornecedor a prestação de informações relevantes ao interesse do consumidor. Assim

determinam expressamente o CDC e o Decreto nº2.181/97:

 

Lei n.º 8.078/90 (CDC)

Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e

nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas

relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos

e serviços. [...]

§ 4° Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores

para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre

questões de interesse do consumidor

 

 

 

Decreto nº 2.181/97

Art. 33. As práticas infrativas às normas de proteção e defesa do

consumidor serão apuradas em processo administrativo [...]

§ 1º

 

 

 

 

requisitar dos fornecedores informações sobre as questões

investigados

 

, resguardado o segredo industrial, na forma do disposto no §

4º do art. 55 da Lei nº 8.078, de 1990. [...]

 

 

09. Por oportuno, cumpre salientar que, embora o serviço concedido conserve

sempre seu caráter público, o concessionário exerce-o em seu próprio nome. Desse modo,

no âmbito do processo administrativo, perante a Administração concedente, a empresa

submete-se à Lei nº 9.784/99 na qualidade de administrado. Tal norma, que trata do

processo administrativo federal, prevê categoricamente como

 

 

deveres do administrado

perante a Administração

 

a prestação das informações que lhe forem solicitadas e a

colaboração para o esclarecimento dos fatos:

 

 

Art. 4

 

 

o São deveres

do administrado perante a Administração, sem

prejuízo de outros previstos em ato normativo: [...]

 

IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para

o esclarecimento dos fatos.

10. Desse modo, legislação federal e nacional fundamentam juridicamente a

exigência por parte dos órgãos oficiais competentes da entrega pelos fornecedores da

gravação de atendimento telefônico do SAC, considerando-se que seu conteúdo constitui

informação indispensável à defesa dos direitos do consumidor e ao esclarecimento dos

fatos.

11. Assim que, nesses termos, o descumprimento de tal exigência é um fato

jurídico relevante, acarretando conseqüências em diversos âmbitos.

12. Primeiramente, a recusa de entrega da gravação consiste em

 

 

ilegalidade

material

 

praticada pela empresa. Conforme se demonstrou, segundo preceituam o Decreto

nº6.523/2008, o CDC, o Decreto nº2.181/97, a Lei nº8.987/95 e a Lei nº9.784/99, a

4

disponibilização dessa informação é

 

 

 

dever legal

do fornecedor, cujo descumprimento, por

óbvio, qualifica-se como anti-jurídico e injusto.

13. Mais do que isso, a negativa de entrega também se caracteriza como

 

 

prática

abusiva

 

nos termos do CDC. Leia-se o disposto no artigo 39, VIII, do referido diploma:

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras

práticas abusivas: [...]

VIII – colocar, no mercado de consumo,

 

 

 

 

14. Ora, a recusa de acesso ao conteúdo da gravação das chamadas efetuadas

para o SAC por telefone faz com que o serviço seja prestado em evidente desacordo com o

artigo 15, §3º, do Decreto nº6.523/2008. Trata-se, assim, de hipótese de prática abusiva.

15. Dessa maneira, a referida conduta das empresas, ao constituir ilegalidade

material, traz como conseqüência jurídica a imposição de sanções na esfera administrativa,

sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis, consoante determinam o Decreto

nº2.181/97 e o CDC:

Lei n.º 8.078/90 (CDC)

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas,

conforme o caso, às seguintes

 

 

sanções administrativas,

sem prejuízo das

de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas

 

:

 

I -

 

 

 

II -

 

 

 

III -

 

 

 

IV -

 

 

 

V -

 

 

 

VI -

 

 

 

VII -

 

 

 

VIII -

 

 

 

IX -

 

 

 

X -

 

 

 

XI -

 

 

 

XII -

 

 

 

Parágrafo único

 

 

 

Decreto nº 2.181/97

Art. 33. As práticas infrativas às normas de proteção e defesa do

consumidor serão apuradas em processo administrativo [...]

§ 2º

 

 

A recusa à prestação das informações ou o desrespeito às

determinações e convocações

 

dos órgãos do SNDC caracterizam

 

desobediência,

 

 

 

imediata

5

cessação da prática

 

 

 

 

16. Em um segundo âmbito, no contexto de um eventual processo

administrativo, tal proceder por parte da empresa também configura um

 

 

ilícito processual

.

Como o conteúdo da gravação pode ser a única e irrefutável prova de violação aos direitos

do consumidor no contexto do SAC – além do depoimento pessoal – o fato de o fornecedor

recusar-se exibi-la, sendo que tem a obrigação de fazê-lo, opõe um entrave injustificado ao

esclarecimento dos fatos e à solução da questão. Ferem-se, assim, os princípios da boa-fé e

da lealdade processuais, reinantes também na esfera administrativa, conforme explicita a

Lei nº9.784/99:

 

Art. 2

 

 

o

A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios

da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,

 

moralidade

 

 

 

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

[...]

Art. 4

 

 

o São deveres

do administrado perante a Administração, sem

prejuízo de outros previstos em ato normativo:

 

I – expor os fatos conforme a verdade;

II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

III – não agir de modo temerário;

IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para

o esclarecimento dos fatos.

17. A conseqüência disso é que a Administração será obrigada a buscar outros

meios de elucidar o caso na posição de julgador do processo administrativo. É o que lhe

impõe o princípio da

 

 

verdade material

, o qual determina ser dever da Administração,

justamente em função do interesse público que a orienta, procurar esclarecer a verdade

 

 

real

,

isto é, o que aconteceu de fato na realidade, e não se limitar à verdade

 

 

formal

, ou seja, ao

que se pôde comprovar efetivamente no processo administrativo.

18. Assim, considerando-se que está em mãos do fornecedor a gravação, prova

que ele está obrigado a produzir, mas não o fez, e que a autoridade competente não fica

obrigada a restringir seu exame ao que foi alegado, trazido ou provado pelas partes, ela

pode e deve buscar outros elementos que possam influir no seu convencimento, no que se

inclui a conduta das partes.

19. A Administração pode valer-se, então, de todos os meios de prova lícitos

possíveis para motivar a sua decisão, e independentemente de requerimento das partes,

consoante o princípio da

 

 

oficialidade

, que a incumbe da iniciativa de impulsionar o

processo administrativo. Nesse sentido, dita a Lei nº9.784/99:

 

Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado,

 

 

sem

prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução

 

e

do disposto no art. 37 desta Lei.

 

 

6

20. No âmbito das relações de consumo, tais meios de prova lícitos possíveis são

aqueles elencados pelo Código Civil, que encontra aplicação subsidiária diante do silêncio

do CDC:

Lei n.º 8.078/90 (CDC)

Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes

de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário,

da

 

 

legislação interna ordinária

, de regulamentos expedidos pelas

autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos

princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. [...]

 

Lei nº10.406/2002 (Código Civil)

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico

pode ser provado mediante:

I – confissão;

II – documento;

III – testemunha;

IV – presunção;

V – perícia.

21. Nesses termos, no contexto em que o fornecedor se recusa a entregar a

gravação do atendimento telefônico do SAC, a

 

 

presunção

pode ser o único meio de prova à

disposição da autoridade competente.

22. Para o Direito Civil, a denominada

 

 

presunção comum

, essa prevista pelo

Código como meio de prova, consiste em uma operação lógica em que se parte de um fato

concreto para se concluir pela existência de outro, desconhecido mas provável, com base no

 

id quod plerumque accidit

 

 

 

silogismo

 

 

 

devem-se reputar como verdadeiros os fatos que, por

meio da gravação, o consumidor pretendia provar

 

. Senão vejamos.

24. A premissa maior do silogismo, isto é, aquilo que geralmente acontece,

consiste na máxima de que

 

 

 

ninguém age de má-fé contra seus próprios interesses

.

25. A premissa menor, os fatos conhecidos, são: o fornecedor tem em seu poder

prova cabal para a solução da lide e está obrigado legalmente a exibi-la, mas não o faz. Ora,

segundo se demonstrou, a empresa que se nega a entregar a gravação do atendimento age

de má-fé no âmbito processual.

26. Logo, a conclusão: ao recusar-se, deliberadamente, a viabilizar a produção

da prova, o fornecedor não está agindo contra seus próprios interesses. Em outras palavras:

não fazer a prova atende aos interesses do fornecedor. Por meio de tal raciocínio, então,

7

presume-se a veracidade do alegado pelo consumidor no que se refere ao conteúdo da

gravação.

27. Cumpre ressaltar que as presunções comuns são relativas, admitindo prova

em contrário. Desse modo, a conclusão a que se chega não fere qualquer direito do

fornecedor, pois, caso sejam inverídicos os fatos alegados pelo consumidor, a empresa

dispõe de todos os meios para desconstituir a presunção: basta cumprir seu dever legal e

exibir a gravação.

28. De qualquer forma, a presunção de que quem descumpre o dever de produzir

prova assim o faz para não ir contra seus próprios interesses nada mais é do que uma

análise lógica da realidade. Tanto o é que tal conclusão não é inédita no ordenamento

jurídico brasileiro: conforme se demonstra a seguir, essa mesma presunção consagrou-se

em mais de uma oportunidade no Direito Pátrio.

29. Primeiramente, pode-se citar o Código de Processo Civil. Seguindo o mesmo

raciocínio aqui explanado, o legislador previu que, quando o juiz exigir a exibição de

documento ou coisa, se a parte descumprir a obrigação legal de exibir, serão presumidos

como verdadeiros os fatos que o documento ou a coisa poderiam comprovar:

 

Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa,

que se ache em seu poder.

Art. 358. O juiz não admitirá a recusa:

I – se o requerido tiver obrigação legal de exibir;

II – se o requerido aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o

intuito de constituir prova;

III – se o documento, por seu conteúdo, for comum às partes.

Art. 359. Ao decidir o pedido,

 

 

o juiz admitirá como verdadeiros os fatos

que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:

I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no

prazo do art. 357;

II – se a recusa for havida por ilegítima.

30. Essa é exatamente a lógica demonstrada pelo Decreto Estadual nº39.395, de

Minas Gerais, que regula o Processo Administrativo Fiscal no estado. Observe-se:

Art. 111 -

 

 

Poderá ser pedida a entrega ou exibição de documento ou de

coisa

 

que se ache em poder da parte contrária. [...]

Art. 112 – A entrega ou exibição do documento ou coisa não poderá ser

negada:

 

 

I – se houver obrigação de entregá-lo ou exibi-lo, prevista na legislação

aplicável;

II – se aquele que o tiver em seu poder a ele houver feito referência com o

propósito de constituir prova.

Parágrafo único -

 

 

A recusa de exibição de documento ou coisa faz

prova contra quem a deu causa.

8

31. Por fim, pode-se referir, no âmbito de ação investigatória, a presunção de

paternidade que se impõe quando o investigado se recusa a fornecer o material genético

para o exame de DNA. Também nesse caso, a parte dispõe do único meio de prova

irrefutável, e a recusa a viabilizá-lo, em comportamento que obstrui o esclarecimento dos

fatos, gera presunção em favor do que foi alegado pela outra parte. A jurisprudência pátria

já se consolidava nesse sentido, com a criação de uma presunção comum pelo juiz, quando

a promulgação do Novo Código Civil em 2002 transformou-a em presunção legal:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário

não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a

prova que se pretendia obter com o exame.

III. CONCLUSÃO

32. Ante o exposto, este Departamento entende que os fornecedores de serviços

regulados pelo Poder Público têm o dever legal de entregar a gravação do atendimento

telefônico dos SACs. Demonstrou-se que tal gravação pode ser exigida pelas autoridades

competentes, e que a recusa a entregá-la gera presunção relativa de veracidade dos fatos

que, por meio da gravação, o consumidor pretendia provar.

À consideração superior.

FELIPE ROCHA DOS SANTOS

Chefe de Divisão da CGSC

De acordo. Encaminhe-se ao Diretor do DPDC para apreciação.

LAURA SCHERTEL MENDES

Coordenadora Geral de Supervisão e Controle

De acordo. Encaminho para sugestões da Comissão de Redação do Decreto nº

6.523/2008.

RICARDO MORISHITA WADA

Diretor do DPDC

9

·

 

 

Corroboramos a presente Nota Técnica, ressaltando os seguintes aspectos:

i) Os serviços prestados pelas concessionárias têm natureza pública. Nessa

qualidade, eles submetem-se aos princípios ditados no artigo 37,

 

 

caput

, da

Constituição Federal, especialmente os da publicidade e da transparência nos

atos da Administração, de modo que o acesso ao conteúdo da gravação do

atendimento do SAC é conseqüência lógica do exercício adequado da

atividade pública da concessionária.

ii) Na atual sociedade, a tecnologia da informação tende a favorecer a

transparência das relações de consumo. Nesse sentido, o princípio da boa-fé

impõe que o fornecedor se utilize dos meios de comunicação disponíveis

para garantir o acesso ao conteúdo das gravações no SAC, nos termos das

normas existentes. Portanto, a sua recusa não pode ser indiferente ao Direito,

devendo produzir conseqüências, conforme expresso na presente Nota.

iii) As conclusões da presente Nota Técnica, no que refere às conseqüências

processuais da recusa de entrega da gravação se estendem ao processo civil,

competindo também ao Judiciário, sempre que oportuno, a aplicação da

referida presunção.

 

COMISSAO DE REDAÇAO DO DECRETO N. 6523/2008

 

: uma máxima de caráter geral faz as vezes de premissa maior; o fato concreto e

conhecido traduz-se pela premissa menor; e o fato desconhecido, mas provável, impõe-se

como conclusão.

23. Na hipótese que ora se estuda, a conclusão que se estabelece pela presunção

como meio de prova só pode ser uma:

 

(aquilo que geralmente acontece). Trata-se, assim, de um

, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse

público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre

outros, os critérios de: [...]

, além da imposição das

sanções administrativas e

civis

 

cabíveis.

na forma do art. 330 do Código Penal, ficando a

autoridade administrativa com poderes para determinar a

 

. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas

pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser

aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou

incidente de procedimento administrativo.

imposição de contrapropaganda.intervenção administrativa;

interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de

atividade;

cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;revogação de concessão ou permissão de uso;suspensão temporária de atividade;suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;proibição de fabricação do produto;cassação do registro do produto junto ao órgão competente;inutilização do produto;apreensão do produto;multa;qualquer produto ou

serviço

em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais

competentes

 

ou, se normas específicas não existirem, pela Associação

Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo

Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

(Conmetro); [...]

Antecedendo à instauração do processo administrativo,

poderá a

autoridade competente

 

abrir investigação preliminar, cabendo, para

tanto,

 

, resguardado o segredo

industrial. [...]

do poder concedente e

da concessionária informações para

a defesa de interesses individuais ou coletivos;

 

[...][...]

e compatibilização da proteção do consumidor com a

necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a

viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da

Constituição Federal),

 

 

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Site publicado em 04/05/2009
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