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Plantão da Justiça se torna última esperança para quem fica sem tratamento médico
Karla Paes segura a foto de seu filho Enzo
Karla Paes segura a foto de seu filho Enzo Foto: Cléber Júnior / Extra
Roberta Hoertel e Wilson Mendes
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No plantão do Tribunal de Justiça do Rio, uma rotina dolorosa. Dezenas de pessoas aguardam, noite após noite, uma liminar judicial para garantir a internação nas redes pública e privada de saúde. Os pedidos respondem por 90% da demanda no órgão. A estimativa foi feita um dia depois de vir à tona o caso do menino Enzo, de 1 ano, que morreu há dois meses, após ter sua internação recusada no Hospital de Clínicas de Niterói. O plano de saúde do menino era Amil.
— Cerca de 60% dos atendimentos são pedidos de liminar para a internação na rede pública e 30% na privada. Geralmente, os hospitais e planos dizem que não há vagas, mas esta é uma alegação descabida. Se a pessoa paga, tem que ter a vaga, nem que seja em outro hospital da rede credenciada, o plano tem que resolver e arcar com os custos — afirmou a juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, responsável ontem pelo plantão judiciário.
A demanda é generalizada, mas, segundo a juíza, algumas empresas de saúde se destacam nas críticas:
— A Amil tem essa conduta em toda parte. Também observamos que a operadora tem reiteradamente descumprido as ordens e que tem praticado a reserva de vagas. Informam ao cliente que não há vaga, mas quando um oficial de Justiça se apresenta, fica constatado que a vaga existia — afirmou Juliana Krykhtine.
Na tarde de ontem, Karla foi à 81 DP (Itaipu) para pedir uma investigação sobre a morte do filho. Ela contou que irá entrar com uma ação na Justiça contra o hospital e o plano de saúde, que são acusados de negligência.
— Abrimos um inquérito por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e vamos intimar todos os envolvidos (hospital e plano de saúde) — disse o delegado Gabriel Ferrando.
Procurada ontem, a Amil não foi encontrada. Na quarta-feira, em nota, a empresa informou que “lamenta a morte da criança e que em momento algum houve qualquer tipo de interrupção de cobertura assistencial, que comprometesse o estado de saúde do mesmo”.
Enzo não resistiu a tantas dificuldades
Recontar a história do pequeno Enzo ainda é um tormento para sua mãe, Karla Paes. A operadora de telemarketing, que já está há dois meses afastada do trabalho por um quadro depressivo, voltaria à rotina no próximo dia 20 de junho. Algo impossível para ela.
— Na semana passada, meu psicólogo avisou que meu quadro tinha piorado. Não consigo deixar essa história de lado — disse ela.
Karla contou que pretende acompanhar de perto cada passo do inquérito policial que investiga a morte do seu filho. Mas por indicação do psicólogo, ela deveria deixar o assunto com a polícia.
— Sou mãe e vou acompanhar cada detalhe dessa investigação. Vou até o fim nessa história — contou Karla.
Abatida, em depoimento na 81 DP (Itaipu), Karla precisou lembrar cada detalhe dos últimos momentos que passou com o filho no Hospital de Clínicas de Niterói:
— Cada vez que lembro disso tudo parece que estou revivendo a história e, no fim, vou conseguir mudar o desfecho e ter meu filho de volta. A ficha não cai.
O quarto de Enzo, na casa dos pais, em Itaipu, está fechado desde a morte do menino. Todos os pertences e fotos da criança foram recolhidos da casa da família:
— Desde que ele morreu não vou ao quarto do Enzo. Tirei todas as lembranças dele da casa. Cada canto que olho lembro dele descobrindo a vida aqui dentro.
Reflexos na família
Os transtornos refletem em toda a família. Segundo Karla, sua filha mais velha, de 10 anos, está com problemas sucessivos na escola desde que o irmão morreu no hospital.
— Ela perdeu provas na época que o irmão morreu e fez a segunda chamada escondida. Até hoje ela não aceitou a morte do irmão — afirmou a operadora.
Os pais e irmãos de Enzo também estão com acompanhamento psicológico. Para dormir, até hoje Karla precisa de remédios:
— Por todo esse transtorno causado, quero que o plano pague pelos danos.
Entenda o caso:
Pneumonia
Enzo foi diagnosticado com pneumonia no dia 19 de março, em uma clínica particular. Sem melhora no quadro, a mãe voltou a procurar atendimento no dia 23 do mesmo mês.
Hospital das Clínicas
Enzo foi atendido na emergência do Hospital de Clínicas de Niterói, mas teve a internação recusada, acusou a família.
Liminar judicial
Karla conseguiu uma liminar que obrigava o hospital a internar o menino na UTI no dia 24. A ordem judicial foi descumprida.
Internação
Enzo só foi levado para o quarto no dia 25.
Transferência
Somente no dia 27 de março, com a evolução do quadro e o aparecimento de uma infecção generalizada, o hospital transferiu Enzo para a UTI.
Óbito
Quase 13 horas após a internação, Enzo teve uma cardíaca e morreu.
 

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Site publicado em 04/05/2009
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