ESTADO DO RIO DE JANEIRO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
5ª CÂMARA CÍVEL
Mandado de Segurança nº 0015905-26.2012.8.19.0000
Impetrante: Companhia Estadual de Águas e Esgotos –CEDAE
Impetrada: Egrégia Quarta Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro
Relator: Des. Cristina Tereza Gaulia
DECISÃO
Ementa: Mandado de segurança. Impetração em face de acórdão da Quarta Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis. Impetrante que sustenta a incompetência absoluta dos juizados especiais, sob o argumento de que a causa de origem necessita de produção de prova pericial para o seu deslinde. Juizados especiais que se traduzem em microssistema destinado à rápida e efetiva atuação do direito. Impossibilidade de interferência pelos órgãos da justiça comum interferir nas decisões dos juizados especiais. Competência da própria Turma Recursal para o processo e julgamento de mandados de segurança interpostos em face das decisões dela emanadas. Incompetência absoluta das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça. Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJRJ. Reconhecimento ex officio e determinação de remessa dos autos para a Quarta Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, na forma do §2º do art. 113 do CPC.
Trata-se de mandado de segurança impetrado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE em face de ato praticado pelo Quarta Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro que, ao julgar desnecessária a produção de prova pericial, afirmou a competência do Juizado Especial Cível para o processo de julgamento de ação na qual a impetrante figurava como ré.
Narra o impetrante que, figurando como ré em demanda proposta no XIX JEC da capital, na qual pretendia o autor a instalação de hidrômetro), aduziu a incompetência absoluta daquele órgão judicial, sob o argumento da necessidade de produção de prova pericial para apuração das condições técnicas para o acolhimento da pretensão, bem como o litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais moradores do condomínio em que reside o autor; e que as preliminares não foram acolhidas tanto pelo Juizado quanto pela Turma Recursal. Argumenta que se trata de demanda complexa a necessitar da produção de prova pericial, pois a individualização do abastecimento não compreende, tão somente, a instalação de hidrômetro, mas também a realização de obras internas de adequação, antecedidas pela apresentação de projeto de rede de abastecimento, a ser aprovado por ela, e de responsabilidade do consumidor, conforme preceitua o Decreto Estadual/RJ nº 553/76; e que a impossibilidade de produção da referida prova viola as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como a regra constitucional relativa à competência dos juizados especiais apenas para causas de menor complexidade. Requer, preliminarmente, liminar para suspender o curso no processo no JEC, e, ao final, a concessão da segurança, declarando-se extinto o processo, no JEC, sem resolução do mérito, com base no art. 51, II da Lei nº 9.099/95.
É o relatório.
Passo a decidir.
Os juizados especiais, cuja competência tem berço constitucional (art. 98, I, CF[1]), segundo Joel Dias Figueira Junior e Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, consubstanciam “um microssistema de natureza instrumental e obrigatório destinado à rápida e efetiva atuação do direito”[2].
Inafastável, pois, a conclusão de que é vedada incorporação do sistema judiciário comum ao processo disciplinado pela Lei nº 9.099/95, de modo a possibilitar aos órgãos da justiça comum interferir nas decisões dos juizados especiais.
Por outro lado, o RITJRJ é expresso ao afastar a competência das Câmaras Cíveis para casos como o que ora se apresenta. Refira-se:
“Art.6º – Compete às Câmaras Cíveis:
I – processar e julgar:
a) os mandados de segurança e o habeas data contra atos dos juízes e membros do Ministério Público Estadual de primeira instância em matéria cível, salvo os dos Juízes dos Juizados Especiais Cíveis ou de suas Turmas Recursais; (…)”
Diante desta argumentação, não há como se admitir o processamento, nesta 2ª instância da justiça comum, de mandado de segurança em face de decisão proferida pela Turma Recursal dos Juizados Especiais.
A jurisprudência do STF é categórica nesse sentido:
AI 666523 AgR/BA
Primeira Turma
Rel.: Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Rel. p/Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 26/10/2010
Publicação: DJe-234 DIVULG 02/12/2010; PUBLIC 03/12/2010
“COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO DE TURMA RECURSAL. O julgamento do mandado de segurança contra ato de turma recursal cabe à própria turma, não havendo campo para atuação quer de tribunal de justiça, quer do Superior Tribunal de Justiça. Precedente: Questão de Ordem no Mandado de Segurança nº 24.691/MG, Plenário, 4 de dezembro de 2003, redator do acórdão Ministro Sepúlveda Pertence. (…)”
MS 24691 QO/MG
Tribunal Pleno
Rel.: Min. MARCO AURÉLIO
Rel. p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 04/12/2003
Publicação: DJ 24/06/2005, p. 5
“Competência: Turma Recursal dos Juizados Especiais: mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a Turma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do Supremo Tribunal Federal.”
Elucidativo o seguinte trecho do voto proferido pelo Min. Marco Aurélio, ao julgar o AI nº 666523 AgR/BA:
“Proclamamos, Presidente, numa dicção muito incisiva, do redator do acórdão, Ministro Sepúlveda Pertence – era eu relator da questão de ordem no Mandado de Segurança nº 24.691/MG[3] –, que a competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a turma recursal ou a órgão de turma recursal, pouco importando a matéria de fundo do mandado de segurança, é dela própria.”
A jurisprudência do Órgão Especial deste Tribunal não destoa, conforme se depreende dos seguintes julgados:
0046032-83.2008.8.19.0000 (2008.004.00404) – MANDADO DE SEGURANCA
ÓRGAO ESPECIAL
DES. AZEVEDO PINTO
Julgamento: 28/07/2008
“Mandado de segurança. Mandamus impetrado contra ato do Exmo. Sr. Desembargador Primeiro Vice-Presidente que não distribuiu mandado de segurança contra decisão de Turma Recursal a uma das Câmaras Cíveis deste Tribunal, sob o fundamento de inexistir previsão legal para tanto. Denegação da segurança. Correta a decisão do primeiro Vice-Presidente, uma vez que, à luz do disposto no artigo 6º, inciso I, alínea a do RITJERJ, Câmara Cível não detém competência para apreciar mandado de segurança contra ato das turmas recursais. Decisão atacada que está de acordo com os ditames legais e regimentais não se configurando ato coator. A rigor, não há discussão da competência, o que se pretende é discutir a questão da prova (realização). Precedentes deste Órgão Especial. Segurança denegada.”
0018074-59.2007.8.19.0000 (2007.004.00963) – MANDADO DE SEGURANÇA
ÓRGAO ESPECIAL
DES. NILZA BITAR
Julgamento: 21/01/2008
“MANDADO DE SEGURANÇA contra ato do 1º. Vice-Presidente que não distribuiu mandado de segurança contra decisão de Turma Recursal a uma Câmara Cível. Art.6º, I, a do RITJERJ. Competência não é das Câmaras Cíveis. Decisão atacada que observa os ditames legais e as determinações regimentais pertinentes à situação. Ordem que se denega.”
Evidencia-se, pois, a incompetência absoluta deste órgão judicial para o processo e julgamento deste writ, devendo os autos, na forma do §2º do art. 113 do CPC[4], ser remetidos para o juízo competente, in casu, a 4ª Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do nosso Estado.
Isso posto, RECONHEÇO, EX OFFICIO, A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DESTA 5ª CÂMARA CÍVEL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DESTE WRIT, E, PROCEDIDA A BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO, DETERMINO A REMESSA DOS AUTOS PARA A 4ª TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DO NOSSO ESTADO.
Rio de Janeiro, _____/_____/2012.
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Des. Cristina Tereza Gaulia
Relator
[1] “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (…)”
[2] “Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais”, RT, 2ª ed., rev., 1997, p. 29.
[3] Em seu voto, o Min. Sepúlveda Pertence, assim dissertou: “(…) Se passarmos a admitir o mandado de segurança para o Tribunal de Justiça, teremos, contra cada confirmação de sentença do Juizado Especial, a interposição de um mandado de segurança para o Tribunal de Justiça e, paralelamente, a interposição de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Começaremos, então, a dobrar os finados pelo Juizado Especial.”
[4] “Art. 113. A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.
(…)
§2º Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.”
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