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Wilhelm Hankel, arquiteto do ‘milagre econômico’ da Alemanha, diz que o fim do euro está próximo.

BERLIM – Ex-assessor do ministro da economia e arquiteto do “milagre econômico” da Alemanha nos anos 1970, o economista Wilhelm Hankel afirmou que a união monetária pode terminar virando um grave problema para a Europa. Com a economia à beira do colapso e sem condições de tomar as medidas adequadas, por fazerem parte do grupo do euro, países como a Grécia e a Irlanda, e os próximos que precisarem da ajuda do EFSF (european stability facility), o “guarda chuva de salvação dos devedores”, entrarão em depressão. Em entrevista ao Globo, Hankel afirma que Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), é “o coveiro do euro”. Na sua opinião, a autonomia do banco, que tem sede em Frankfurt, existe apenas no papel e as últimas medidas tomadas pelo BCE, como a compra de títulos sem valor da Grécia, seriam uma infração dos próprios estatutos da instituição financeira.

O GLOBO: Na sua opinião, quanto tempo o euro vai conseguir sobreviver com o mega-endividamento dos países do grupo?

Wilhelm Hankel: Eu posso dizer que ele vai um dia deixar de existir, que isso está próximo, mas não posso prever a data exata quando isso vai acontecer. Vai depender de fatores políticos e econômicos.Quanto tempo os países que precisam de ajuda vão estar dispostos a receber essa ajuda, com o preço de receber a ordem de fora sobre a direção que precisam dar às suas politicas econômicas. Por outro lado, importante é também saber quanto tempo os países financiadores da crise, como a Alemanha, vão estar dispostos a continuar pagando.

Atualmente, os países sem condições de pagar seus compromissos estão sobrevivendo às custas do “guarda-chuva de salvação”. Mas, depois da Irlanda, se Portugal e a Espanha também precisarem de ajuda, os recursos do pacote de 750 bilhões de euros não bastariam. Qual é a saída para esse impacto?

Hankel: Há várias possibilidades. Mas o que eu gostaria de dizer é que o fim do euro é tão certo porque não é possível a existência de uma divisa apoiada por muletas. Os subsídios, que significam o “guarda-chuva-de-salvação”, são como muletas que não podem continuar apoiando o euro a longo prazo. Quando a quantia acabar, é preciso uma mudança do acordo do euro, o tratado da União Européia. No caso da Alemanha, a lei exige um referendo. Este é um dos motivos que me levaram a processar o governo junto ao Tribunal Constitucional da Alemanha. A lei alemã prevê que todo passo tomado além do tratado de Lisboa, o acordo do euro, exige uma mudança da constituição ou um referendo. Nesse caso, já o pacote de 750 bilhões é ilegal, porque vai contra a lei.

Qual é o papel dos protestos populares? Na sua opinião, eles podem pressionar os governos a mudanças?

Hankel: Há, desde o ano passado, um grande grau de insatisfação. Na Alemanha, as pessoas estão insatisfeitas porque veem o euro como um risco para suas economias. Além disso, ficam irritadas ao ver que precisam pagar mais impostos para financiar a divida de países como a Irlanda, onde a renda per capital, de 34 mil euros por ano, é bem maior do que na Alemanha. Mas também a população da Irlanda, como a da Grécia e de Portugal, está insatisfeita. As exigências feitas pela UE são medidas que terão como consequência uma crise interminável, uma depressão, que vai tornar impossível ao país pagar suas dívidas. Mais cedo ou mais tarde ficará claro que todos os bilhões investidos agora terão o efeito apenas de adiar a quebra.

Qual seria, então, a melhor saída para os países endividados?

Hankel: Há vários cenários possiveis. O mais sensato seria a saída dos países endividados da zona do euro porque eles não tiveram uma situação adequada à moeda comum europeia. Eles não podem realizar uma politica econômica como a Alemanha, Finlândia ou Áustria. A Irlanda e a Grécia têm déficits gigantescos nas balanças de pagamento. O segundo cenário é a saída dos países financiadores porque eles não querem mais continuar pagando. O terceiro, que seria associado aos dois primeiros, seria a insolvência estatal. A União Monetária Europeia já previa isso com a cláusula non bailout (artigo 125), que advertia para o perigo de insolvência estatal para os países que não conseguirem fazer uma boa politica econômica. Agora procura-se adiar o bailout, quer dizer, a insolvência, através de créditos que ajudarão por um tempo de dois a três anos, apenas adiam o desfecho da crise.

Na sua opinião, Portugal e Espanha estão mesmo em situação semelhante à da Irlanda?

Hankel: Não só os dois. Até a França corre o risco de ter problema. E tudo isso é consequência do euro. Através da moeda europeia, todos os países têm credibilidade igual para assumir créditos. E isso é uma ficção. Antes do euro, quando cada pais tinha a sua moeda, cada um que tinha dificuldades desvalorizava a sua moeda. Com isso, os credores estrangeiros terminavam perdendo dinheiro. Por outro lado, o país que corria o risco de ter que desvalorizar não conseguia novos créditos. Assim, não havia o risco do hiperendividamento que vemos hoje com o euro.

O ex-chanceler alemão Helmut Kohl, que assinou o acordo do euro, já tinha noção desses riscos?

Hankel: Há regras econômicas de cem anos que foram ignoradas pelos governos no projeto de criação do euro, uma decisão que foi motivada politicamente e não levando em consideração critérios econômicos. Mas o negócio é mais antigo. Já o ex-chanceler Helmut Schmidt (de 1974 a 1982) queria o euro. O momento que apressou a decisão foi a reunificação alemã, em 1990. Nesse ano, os governos da Inglaterra e da França exigiram da Alemanha o fim do marco (DM), que era dominante no sistema monetário europeu. Eles chegaram a por a aprovação da reunificação alemã na dependência da criação de uma nova moeda, para acabar com a dominância do marco alemão na UE. A Inglaterra, que não adotou o euro, achava que a substituição do DM pelo euro teria o efeito de diminuir o perigo, a concorrência, para a libra. Por motivos bem diferentes, a libra é hoje ainda mais fraca do que o euro. Mas isso aconteceu através do processo de desindustrialização pelo qual passou a Inglaterra, país que antigamente era o mais forte dos industrializados.

Por que o Banco Central Europeu (BCE) não tem a mesma autonomia que tinha antigamente o BC alemão, o Bundesbank?

Hankel: No papel, sim, ele tem autonomia. Na prática, recebe as ordens dos governos. Cada um dos países do euro tem um representante com direito de voto no BCE. Foi por isso que o banco deixou de seguir seus estatutos e comprou “títulos sem valor” da Grécia e da Irlanda, da Espanha também. Jean-Claude Trichet é o coveiro do euro. Ele deveria defender a moeda europeia mesmo contra a tentativa de influência dos governos, contra a desvalorização, contra a inflação. Em vez disso, ele segue as ordens que recebe dos 16 governos dos países do euro.

E o Federal Reserve, tem ainda menos autonomia?

Hankel: O Federal Reserve financia o próprio estado, ao comprar títulos americanos. Isto significa o mesmo que dar dinheiro ao governo. Ele faz o mesmo que o BCE, que financia os bancos que deram créditos aos gregos e irlandeses. Nos dois casos, o perigo de inflação é maior. O fed nunca foi tão independente quanto o Bundesbank (banco central alemão) antes do euro.

Foi por isso que os países escandinavos recusaram-se a fazer parte do grupo do euro?

Hankel: A Dinamarca e a Suécia recusaram o euro por dois motivos. O primeiro foi o objetivo de não tornar suas democracias dependentes de Bruxelas. Os países escandinavos são os que têm a tradição democrática mais antiga da Europa. Mas o outro motivo foi a estabilidade. Tendo uma moeda própria, é possível uma politica monetária mais estável. Isso mostrou a Suíça, mas também a Alemanha antes do euro.

Por que o euro ainda está tão valorizado?

Hankel: Porque o dólar está ainda mais desvalorizado. O euro perdeu, mas o dólar perdeu ainda mais. Também porque grandes bancos centrais, como o BC da China, que têm grandes reservas em divisas, resolveram mudar, comprar menos dólares e mais euros.

Por que os países emergentes conseguiram sair da crise com mais rapidez do que os países do primeiro mundo?

Hankel: A principal explicação é que eles tinham menos bancos envolvidos na alta especulação. Eu assessoro os bancos centrais de diversos países emergentes. Eles também têm problemas, mas perderam muito menos com a crise do que as nações onde os bancos foram, durante algum tempo, bolhas especulativas.

Graça Magalhães-Ruether

04.12.10

O Globo

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Site publicado em 04/05/2009
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