Flávio Citro - Direito Eletrônico

Anteprojeto propõe prevenção e renegociação judicial do superendividamento

endividadoA ampliação do acesso ao crédito e o superendividamento cresceram juntos no Brasil nos últimos anos, mas cerca de 80% das pessoas tornaram-se devedoras acidentalmente. A informação é da coordenadora do grupo de pesquisa Mercosul e Direito do Consumidor, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Claudia Marques, autora de um anteprojeto de lei que propõe a renegociação judicial da dívida e a recuperação financeira do consumidor.

Segundo a professora de direito do consumidor, o anteprojeto é dirigido às pessoas físicas de boa-fé que querem, mas não conseguem honrar sua dívida. “O superendividamento é uma doença da sociedade de consumo. Muitas pessoas estavam com sua vida organizada e por um imprevisto como morte familiar, separação, nascimento de um filho, ficaram muito endividadas”, afirma.

Previamente à elaboração do anteprojeto foi feita uma pesquisa empírica para traçar o perfil do superendividado em três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os resultados mostram uma predominância do superendividamento entre pessoas do sexo feminino. Mais de 50% dos endividados são mulheres, entre 30 e 55 anos, não casadas (solteiras, viúvas ou separadas). O desemprego é uma característica presente em apenas 11% dos endividados.

“Temos hoje uma classe média, cerca de 30 milhões de pessoas, que tem acesso ao crédito. A pessoa jurídica tem a falência, a concordata, a recuperação extrajudicial, mas a pessoa física não tem, no Brasil, um processo efetivo para lidar com a globalidade de suas dívidas”, destaca.

O anteprojeto de lei é complementar à Lei 8.078 de 1990 que criou o Código de Defesa do Consumidor. O documento foi embasado em modelos internacionais como o norte-americano que realiza uma espécie de falência para o consumidor e o europeu no qual existe uma comissão de superendividamento e um juiz elabora um plano de pagamento, uma espécie de concordata.

No Brasil uma experiência pioneira é desenvolvida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul há quatro anos. O consumidor que não consegue pagar suas dívidas procura o Procon estadual ou uma defensoria pública, preenche um formulário com dados pessoais, econômicos, dados sobre a dívida e sai com a audiência de renegociação da dívida marcada.

“Cerca de 90% dos credores aceitam a negociação. São na maioria grandes e médias instituições financeiras. Os consumidores querem limpar seu nome. Mais de 2 mil pessoas já integraram o projeto e renegociaram suas dívidas no Rio Grande do Sul”, destaca a juíza Clarissa Costa Lima, uma das criados do projeto piloto no estado.

A assistente administrativa, Cristiane Machado, 29 anos, conta que ao casar contraiu dívidas e alguns meses depois seu marido ficou desempregado. A dívida que já era grande para ser paga por uma única pessoa ficou ainda maior com a gravidez não programada.

“Com a dívida eu colocava todos os gastos diários no cartão de crédito, depois tive que parcelar o cartão e por fim não conseguia mais pagar. Procurei o fórum e em menos de 15 dias marcaram uma audiência com o banco que fiz o empréstimo. Agora estou podendo pagar”, afirma Cristiane.

O anteprojeto de lei foi encaminhado ao Departamento de Proteção de Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, para análise. Segundo a professora da UFGRS, Cláudia Marques, caso não seja encampado pelo governo o anteprojeto será levado ao Congresso Nacional.

http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?edt=35&id=104648

http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2206006/porto-alegre-anteprojeto-propoe-ajuda-a-consumidor-endividado

leia a íntegra do Anteprojeto:

Nota Explicativa:

 

Ao iniciar as comemorações dos 20 anos de promulgação do Código de Defesa do Consumidor, neste ano de 2010, o Brasilcon, cumprindo com suas finalidades de sociedade e instituto científico de Política e Direito do Consumidor, tem a honra de dar a conhecer ao público em geral o Anteprojeto de Lei, gentilmente elaborado pela Professora Doutora Claudia Lima Marques da UFRGS (advogada e ex-Presidente do Brasilcon) e as magistradas do Rio Grande do Sul e Mestres em Direito pela UFRGS, Clarissa Costa de Lima e Káren Bertoncello (Diretoras do Brasilcon), sobre a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento de consumidores pessoas físicas de boa-fé.

O tema do superendividamento do consumidor pessoa física foi identificado no Congresso de 15 anos do CDC, realizado em Gramado (RS), como um dos temas onde modificações e/ou complementações ao CDC seriam necessárias. Realizado em 7 de setembro de 2005, um abrangente workshop sobre o tema, os colegas presentes no Congresso Brasilcon dos 15 anos do CDC em Gramado concluiram pela necessidade de uma lei especial e complementar ao Código de Defesa do Consumidor para tratar especificamente do superendividamento.[1]  

Este Anteprojeto de Lei, fruto de pesquisas acadêmicas[2] e experiências práticas das autoras,[3] é, pois, uma primeira contribuição para que o tema desenvolva-se e alcance concretização no país; tema que foi escolhido pela Consumers International como um dos mais importantes da defesa do consumidor na América Latina.

Ao comemorar os 20 anos do CDC, e propondo que as quatro revistas de Direito do Consumidor deste ano ajudem a refletir, a discutir e a evoluir ainda mais a dogmática e a prática do Direito do Consumidor, iniciamos publicando e submetendo à crítica (e ao apoio) de todos nossos leitores este Anteprojeto de Lei, e assim não só complementar as normas do CDC, em especial seu Art. 52, mas inovar na proteção da dignidade dos consumidores pessoas físicas no país.

No Congresso dos 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, em Florianópolis, o Brasilcon organizou um painel específico para discutir e analisar este Anteprojeto. Esperamos seus comentários. O Brasilcon alegra-se de poder submeter aos colegas, através da Revista de Direito do Consumidor, este Anteprojeto de Lei, apartidário e acadêmico, sobre tema considerado de grande relevância e atualidade, agradecendo sinceramente às autoras por seus esforços, dedicação e generosidade.

 

 

ANTEPROJETO DE LEI dispondo sobre a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento de consumidores pessoas físicas de boa-fé

 

                                                           Autores

            Profa. Dra. Claudia Lima Marques, Professora Titular da UFRGS

            Magistrada Clarissa Costa de Lima, Mestre e doutoranda pela UFRGS

Magistrada Karen Rick Danilevicz Bertoncello, Mestre pela UFRGS, ambas Coordenadoras do Centro de Pesquisa em Direito do Consumidor da Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e do Projeto-piloto agraciado com a Menção Honrosa no V Prêmio Innovare – Categoria Juiz Individual (2008)

 

 

 

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

 

 

CONSIDERANDO a necessidade de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO o objetivo da República em erradicar a marginalização (artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal) e que o superendividamento é um fenômeno de  exclusão social dos consumidores pessoas físicas e suas famílias, pois o benefício da falência é reservado aos comerciantes;

CONSIDERANDO a necessidade da preservação de quantia mínima capaz de assegurar a vida digna do indivíduo e seu núcleo familiar destinada à manutenção das despesas de sobrevivência, tais como água, luz, alimentação, saúde, educação, entre outros;

CONSIDERANDO que a luta contra a pobreza visa a incluir grande parte da população brasileira na sociedade de consumo e de crédito, sempre com respeito ao princípio da igualdade (Art. 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal), assegurando uma proteção dos mais fracos e vulneráveis, em especial em casos de quebra ou ruína dos consumidores (Art. 5º, XXXII, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO que o Estado deve promover a defesa do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal), e que esta é princípio da ordem econômica constitucional (artigo 170, V, da Constituição Federal), como limitador à livre iniciativa, inclusive nos contratos e nos serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária frente a consumidores;

CONSIDERANDO que o mandato constitucional (artigo 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) foi consolidado no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/90), e este pode ser complementado sempre que a evolução da sociedade e as modificações do mercado o requeiram (artigo 4º, inciso VIII, combinado com artigo 7º, ambos do Código de Defesa do Consumidor);

CONSIDERANDO a grande expansão do crédito ao consumidor pessoa física e a sua importância estratégica para a manutenção do desenvolvimento econômico-social do país, e que o consumo de produtos e serviços principais passou a ser acompanhado quase sempre de uma operação de crédito acessória, sem que o consumidor tenha pleno conhecimento ou clareza dos negócios acessórios e principais de crédito celebrados, caracterizados pela grande variedade e complexidade de instrumentos;

CONSIDERANDO que a oferta desses serviços ampliou-se enormemente, em razão da globalização, dos avanços tecnológicos, dos novos canais de distribuição eletrônica e da integração dos mercados, dos quais derivam novos produtos financeiros e métodos de marketing;

CONSIDERANDO que, se por um lado o crédito constitui uma ferramenta central para o desenvolvimento das modernas economias, por outro, ele pode acarretar conseqüências severas para o consumidor, o mercado e a sociedade como um todo;

CONSIDERANDO que o contrato de crédito envolve não apenas riscos financeiros ao consumidor, mas também eventuais riscos sobre sua qualidade de vida, dignidade, saúde e segurança, é necessário que a concessão de crédito seja feita de forma transparente e responsável;

CONSIDERANDO que os consumidores tem direito a receber informações adequadas sobre as condições e o custo do crédito, bem como sobre suas obrigações, antes da celebração do contrato de crédito, para que possam tomar as suas decisões com plena autonomia e liberdade de escolha (artigo 6º, inciso II, combinado com artigo 52, ambos do Código de Defesa do Consumidor), e que, também durante a execução do contrato e a cobrança de dívidas, o princípio da boa-fé impõe cooperação, cuidado e lealdade no tratamento com os consumidores; [4]

 

Preveem a seguinte lei, dispondo sobre a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento de consumidores pessoas físicas de boa-fé:

 

CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS DA LEI

 

Artigo 1º – DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO. A presente lei dispõe, a par das disposições existentes no Código de Defesa do Consumidor, sobre as situações de superendividamento dos consumidores pessoas físicas de boa-fé, oriundas de contratos de consumo realizados no Brasil. As normas da presente lei complementam e não excluem as disposições do Código de Defesa do Consumidor e das demais leis especiais, gerais e demais normas e Tratados que regulem os direitos do consumidor, aplicando-se sempre a norma mais favorável ao consumidor.

 

Artigo 2º – DO CARÁTER IMPERATIVO. A presente lei estabelece normas de ordem pública e de interesse social, devendo ser aplicada ex officio pelo julgador.  O consumidor não pode renunciar aos direitos que lhe são conferidos por força das disposições da presente lei, sendo nula de forma absoluta qualquer cláusula ou convenção que os exclua ou restrinja.

 

Artigo 3º – DOS CONTRATOS EXCLUÍDOS. Exclui-se da aplicação da presente lei as situações de superendividamento oriundas de contratos:

 

a)      cuja finalidade seja a de financiar a aquisição ou a manutenção de direitos de propriedade sobre imóveis  e os garantidos por hipoteca sobre coisa imóvel ou por outro direito sobre coisa imóvel;

b)      de arrendamento e locação de bens móveis de consumo duradouros que não prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato ou em contrato separado;

c)      de crédito que resulte de transação na Justiça ou perante outra autoridade pública;

d)     de financiamento, empréstimo e crédito, concedidos por um empregador aos seus empregados, no âmbito de uma atividade secundária e que não sejam propostos ou ofertados ao público em geral.

 

Artigo 4º – DA COMPETÊNCIA. Será competente a Justiça Estadual do domicílio do consumidor para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução do procedimento previsto nesta lei.

 

Artigo 5º – DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS. A par dos conceitos existentes no Código de Defesa do Consumidor, entende-se para os efeitos da presente lei por:

 

a)      Superendividado: toda pessoa física consumidor, de boa-fé, que se encontra impossibilitada de pagar o conjunto de suas dívidas de consumo vencidas ou a vencer, sem prejuízo grave do sustento próprio ou de sua família.

b)      Superendividamento: fenômeno social, jurídico e econômico capaz de gerar a impossibilidade do consumidor, pessoa física, de boa-fé, em pagar o conjunto de suas dívidas de consumo vencidas ou a vencer, sem prejuízo grave do sustento próprio ou de sua família.

c)      Dívidas de consumo: todas as dívidas da pessoa física, no mercado de consumo, que não estejam relacionadas à sua atividade profissional e que não provenham de decisões judiciais, dívidas alimentícias, fiscais e parafiscais.

d)    Mínimo existencial: quantia capaz de assegurar a vida digna do indivíduo e seu núcleo familiar destinada à manutenção das despesas mensais de sobrevivência, tais como água, luz, alimentação, saúde, educação, transporte, entre outros.

e)      Boa-fé: refere-se às condições pessoais éticas e de conduta geral do consumidor, em especial quando da celebração do(s) contrato(s) que gerou (geraram) as dívidas.

 

 Artigo 6º - DOS PRINCÍPIOS – Esta lei é orientada pelos princípios da dignidade, vulnerabilidade do consumidor, da boa-fé e lealdade, e dos bons costumes, do combate à excessiva onerosidade, da função social do crédito e dos contratos de consumo, da transparência, da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade.

 

Artigo 7º – DO DIÁLOGO DAS FONTES. Os direitos previstos nesta lei não excluem outros decorrentes do Código de Defesa do Consumidor, de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade; devendo ser interpretada sempre da forma mais favorável ao consumidor superendividado.

 

Artigo 8º – DOS DIREITOS BÀSICOS – São direitos do consumidor superendividado, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e da boa-fé:

 

I- Receber informações e aconselhamento em relação à adequação do crédito pretendido e crédito anexo ao contrato principal de consumo; assim como ter acesso prévio à cópia dos contratos, e, a qualquer momento, à cópia escrita dos contratos de consumo, em especial os envolvendo crédito;

II – Receber uma oferta escrita, na qual deverá constar a identidade das partes, o montante do crédito, a natureza, o objeto, a modalidade do contrato, o número de prestações, a taxa de juros anual e o custo total do crédito. A oferta deverá permitir uma reflexão sobre a necessidade do crédito e a comparação com outras ofertas no mercado;

III -  Arrepender-se nos contratos de crédito ao consumo, na forma desta lei, em período determinado, possibilitando-lhe desistir do contrato firmado sem necessidade de justificar o motivo e sem qualquer ônus para prevenir o superendividamento;

IV – Ser protegido contra toda publicidade abusiva e enganosa, em especial aquela que oculte, de alguma forma, os riscos e os ônus da contratação do crédito, ou que façam alusão a “crédito gratuito”;

V – Ser protegido contra a concessão irresponsável de crédito, o marketing agressivo e o tratamento irresponsável dos dados do consumidor;

VI – Ter facilitada a renegociação global de suas dívidas, em especial das parcelas mensais a pagar e dos contratos de crédito, para ter preservado o seu mínimo existencial,

VII- Encaminhar pedido de reestruturação de seu passivo global, em caso de inexitosa fase conciliatória com um ou mais de seus credores;

VIII- Receber estas e outras ações e políticas de prevenção e tratamento da situação de superendividamento, de educação para o consumo de crédito consciente, educação financeira e de organização do orçamento familiar;

 

 

CAPÍTULO II – DA PREVENÇÃO DO SUPERENDIVIDAMENTO

 

 

Artigo 9º – DA PROMOÇÃO DO ENDIVIDAMENTO. Qualquer publicidade que tem por objetivo ou podendo ter como conseqüência a concessão de um crédito ao consumidor deve ser identificada expressamente como “publicidade”, contendo de  maneira inequívoca, legível e aparente ou, se for caso, audível: a) a identidade, o endereço e a qualidade do fornecedor de crédito; b) a forma de crédito a que se refere; c) a taxa efetiva anual de juros; d) a duração do contrato, e) o custo efetivo total do crédito.

 

 

Artigo 10 – DA PUBLICIDADE ABUSIVA. É abusiva e proibida , dentre outras, a publicidade de crédito discriminatória que explore o estado de necessidade, se aproveite da inexperiência, dependência, estado mental, fraqueza ou ignorância do consumidor tendo em vista a sua idade, saúde, condição social, ou que seja capaz de induzir o consumidor a contrair créditos de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança.

 

Artigo 11 – DA PUBLICIDADE ENGANOSA. É enganosa e proibida a publicidade que induza o consumidor em erro, que inclua a menção a “crédito gratuito” e que ponha ênfase na rapidez com a qual o crédito pode ser obtido .

 

Artigo 12 – DO DEVER DE INFORMAÇÃO E DE CONSELHO. O fornecedor e qualquer intermediário de crédito devem:

 

a) dar ao consumidor, de maneira exata e completa as informações relativas ao tipo de crédito principal ou acessório, identificação e endereço do fornecedor do crédito, o montante total do crédito em moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, acréscimos legalmente previstos, número e periodicidade das prestações, duração do contrato de crédito, soma total a pagar com e sem financiamento e todas as demais informações exigidas pelo Código de Defesa do Consumidor;

 

b) explicar de forma clara as características do crédito principal e acessório, assim como as conseqüências da falta de pagamento para o consumidor ou as conseqüências do pagamento mínimo em se tratando de cartão de crédito, considerando a condição pessoal do consumidor para o qual o crédito é proposto, de modo que este possa compreender os efeitos decorrentes para sua situação econômica;

 

c) aconselhar e sugerir, no âmbito dos contratos crédito que oferece, o tipo e o valor de crédito mais adequado, tendo em vista o orçamento, a situação financeira e a capacidade de reembolso do consumidor no momento da conclusão contrato e da finalidade do crédito a ser concedido.

 

Artigo 13 – DA COOPERAÇÃO NA CONTRATAÇÃO E DO CRÉDITO RESPONSÁVEL. Antes da celebração do contrato de crédito, o fornecedor deve avaliar de forma responsável e leal a situação do consumidor que solicita um contrato de crédito e se terá condições de respeitar as obrigações decorrentes do contrato; podendo para tal fim, e sob os limites da legislação específica sobre o tratamento de dados pessoais, requerer as informações necessárias e completas a fim de apreciar a sua situação financeira e sua capacidade de reembolso e, em qualquer caso, os seus compromissos financeiros em andamento.

 

Parágrafo único – Se as partes decidirem alterar o montante total do crédito após a celebração do contrato, o fornecedor deverá atualizar a informação financeira de que dispõe relativamente ao consumidor e avaliar novamente de forma responsável a sua capacidade de reembolso.

 

Artigo 14 – DO DEVER DE CUIDADO NA CONTRATAÇÃO E COM OS DADOS PESSOAIS DO CONSUMIDOR – Na medida permitida pela legislação específica e pelo princípio da boa-fé, as informações e dados solicitados são de responsabilidade dos fornecedores e não podem se referir à raça, à origem étnica, à vida sexual, à saúde, às opiniões ou às atividades políticas, filosóficas ou religiosas, sindicais ou associativas do consumidor.

 

 

Artigo 15 – DA OFERTA PRÉVIA. Antes da celebração de um contrato de crédito, o fornecedor e, se for o caso, o intermediário de crédito, devem dar acesso ao consumidor às condições ofertadas pelo fornecedor, e colaborar facilitando e prestando ao consumidor, além das informações obrigatórias por lei, as necessárias para a comparação das diferentes ofertas, viabilizando a tomada de uma decisão esclarecida e informada.

 

§1º – Esta oferta prévia deverá ser prestada, em papel ou outro suporte duradouro, especificando:

I)                   a identidade das partes;

II)                o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

III)             número, periodicidade e valor das prestações;

IV)             o montante do crédito;

V)                a natureza do crédito;

VI)             o objeto e as modalidades do contrato;

VII)          acréscimos legalmente previstos;

VIII)       o custo efetivo total do crédito;

IX)             o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

X)                soma total a pagar, com e sem financiamento;

XI)             conseqüências da falta de pagamento;

XII)          garantias exigidas;

XIII)       direito de retratação do consumidor;

XIV)       o direito do consumidor de reembolso antecipado e as respectivas condições;

XV)          o direito do consumidor de receber cópia do contrato.

 

 

Artigo 16 – DO INSTRUMENTO CONTRATUAL. Os contratos de crédito principais e acessórios devem ser firmados em papel ou outro suporte duradouro, em condições de inteira legibilidade, seguindo também as regras do Código de Defesa do Consumidor sobre os contratos de adesão.

 

§ 1º – A todos os contratantes, inclusive aos garantes, deve ser entregue no momento da respectiva assinatura um exemplar, devidamente assinado, do contrato de crédito, sob de pena de inexistência, retornando ao status quo ante, liberando o consumidor do pagamento dos encargos, inclusive juros remuneratórios.

 

§ 2º – O contrato de crédito deverá especificar, de forma clara e adequada, dentre outros termos e condições contratuais:

 

I)                   a identidade das partes;

II)                o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

III)             número e periodicidade das prestações;

IV)             o montante do crédito;

V)                a natureza do crédito;

VI)             o objeto e as modalidades do contrato;

VII)          acréscimos legalmente previstos;

VIII)       o custo efetivo total do crédito;

IX)             o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

X)                soma total a pagar, com e sem financiamento;

XI)             conseqüências da falta de pagamento;

XII)          garantias exigidas;

XIII)       direito de retratação do consumidor;

XIV)       o direito do consumidor de reembolso antecipado e as respectivas condições;

XV)          o direito do consumidor de receber cópia do contrato.

 

Artigo 17 – DA INVERSÃO EX VI LEGE DO ÔNUS DA PROVA. Compete ao fornecedor de crédito principal e acessório fazer prova do cumprimento dos deveres e de informação, de conselho, de cuidado e de cooperação, assim como da oferta prévia  e da concessão responsável de crédito previstas nesta lei.

 

Parágrafo único – A não entrega de cópia do contrato para o consumidor no momento da contratação e a negativa de apresentação do contrato de crédito por parte do fornecedor presumem o descumprimento dos deveres previstos neste capítulo.

 

Artigo 18 – DA CONSIGNAÇÃO  E O DIREITO DE RETRATAÇÃO. A consignação em folha de pagamento, se permitida para fins de contrato de crédito ao consumo, deverá preservar o mínimo existencial.

 

§ 1º – O consumidor tem o prazo de 7 (sete) dias para desistir da contratação de crédito, a contar da data da celebração do contrato ou da data da recepção, pelo consumidor, da cópia do contrato que realiza ou prevê a consignação em folha de pagamento e respectiva conta corrente, sem necessidade de indicar o motivo.

§2º – O fornecedor facilitará o exercício do direito de retratação, imprimindo parte do formulário destacável e de fácil preenchimento pelo consumidor com todos os dados, identificando o fornecedor e o contrato específico.

§3º – Para o exercício do direito de retratação, previsto no caput supra, o consumidor deve:

I)                   entregar o formulário ou declaração de próprio punho ao fornecedor/mutuante mediante protocolo, carta registrada ou qualquer outro meio de prova. Considera-se que a comunicação foi enviada antes do termo do prazo desde que tenha sido registrada até o sétimo dia;

II)                restituir ao fornecedor/mutuante o capital e pagar os juros vencidos sobre este capital a contar da data de levantamento do crédito até a data do pagamento do capital, no prazo de 7 (sete) dias após ter notificado o fornecedor/mutuante da retratação.

 

 

Artigo 19 – DO DIREITO DE RETRATAÇÃO. Nos contratos de crédito cujo reembolso exceda a 6 (seis) prestações, o consumidor pode no prazo de 3 (três) dias para desistir da contratação de crédito, a contar da data da celebração do contrato ou da data da recepção, pelo consumidor da cópia do contrato, sem necessidade de indicar o motivo.

 

§ 1º – Nesses três dias o valor referente ao crédito não será entregue ao consumidor e o sendo será por conta e risco do fornecedor em vista a faculdade de suspensão do vínculo.

 

§ 2 º – Em se tratando de situações de emergência e urgência, devidamente caracterizadas, o consumidor poderá abrir mão, por escrito, do referido prazo de reflexão e retratação, cabendo o ônus da prova ao fornecedor.

§3º – O fornecedor facilitará o exercício do direito de retratação, imprimindo parte do formulário destacável e de fácil preenchimento pelo consumidor com todos os dados, identificando o fornecedor e o contrato específico.

§4º – Para o exercício do direito de retratação, previsto no caput supra, o consumidor deve:

I)                   notificar o fornecedor/mutuante por carta registrada. Considera-se que a comunicação foi enviada antes do termo do prazo desde que tenha sido registrada até o sétimo dia;

II)                restituir ao fornecedor/mutuante o capital e pagar os juros vencidos sobre este capital a contar da data de levantamento do crédito até a data do pagamento do capital, no prazo de 30 dias após ter enviado a notificação da retratação ao fornecedor/mutuante.

§5º Nenhuma outra indenização será devida pelo consumidor.

 

Artigo 20 – DO CONTRATO DE CRÉDITO CONEXO. A invalidade ou a ineficácia do contrato de crédito coligado, conexo ou acessório repercute, na mesma medida, no contrato principal de aquisição de produtos ou fornecimento de serviços e vice-versa, em especial quando o produto principal é dado em garantia do contrato ou é de propriedade fiduciária de um dos fornecedores.

 

Artigo 21 – DOS REMÉDIOS. No caso de incumprimento ou de inadimplemento parcial do contrato de compra e venda ou de fornecimento de serviços conexo com o contrato de crédito, o consumidor que, após a notificação do vendedor, não tenha obtido deste a satisfação do seu direito ao exato cumprimento do contrato, pode exercer contra o fornecedor de crédito qualquer uma das seguintes opções:

 

I)       a exceção do não cumprimento do contrato;

II)    a redução do montante do crédito em montante igual ao da redução do preço,

III) a resolução do contrato de crédito.

 

Parágrafo único – No caso de optar pelas pretensões II e III, o consumidor não está obrigado a pagar ao fornecedor do crédito o montante correspondente àquele que foi recebido pelo vendedor.

 

Artigo 22 – DA LIBERAÇÃO DO CONTRATO ACESSÓRIO. Se o fornecedor ou um terceiro prestarem um serviço acessório conexo com o contrato de crédito, o consumidor deixa de estar vinculado ao contrato acessório se exercer o direito de retratação conforme esta lei.

 

Artigo 23 – DA SANÇÃO POR DESCUMPRIMENTO. Os fornecedores respondem solidariamente pela concessão, direta ou indireta, de um crédito em desconformidade com qualquer dos artigos desta lei e ficarão sujeitos a uma ou mais das seguintes sanções:

I – perda dos juros moratórios;

II – perda da correção monetária;

III – perda dos juros remuneratórios;

IV – multa em favor do Fundo de Negociação do Endividamento;

V – remissão das dívidas;

VI – imposição de contrapropaganda e/ou avisos públicos de cessação da prática comercial.

 

Parágrafo único – A graduação e a eventual cumulação das sanções ficará a critério do julgador considerando as circunstâncias do caso, a conduta do fornecedor e de seus agentes, a gravidade e espécie do descumprimento e a extensão do dano.

 

 

CAPÍTULO III – DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO (Reestruturação do Passivo)

 

Seção I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS EM MATÉRIA DE TRATAMENTO

 

 

Artigo 24 – O Estado garantirá aos consumidores, pessoas físicas, um procedimento de tratamento do superendividamento pelo Poder Judiciário, visando à regularização do conjunto de suas dívidas e obrigações.

 

Artigo 25 – DO SUPERENDIVIDAMENTO – Entende-se por superendividamento, para efeitos do tratamento previsto nesta lei, a impossibilidade do devedor/consumidor, pessoa física, de boa-fé, em pagar o conjunto das suas dívidas de consumo vencidas ou a vencer.

 

§1º – São excluídas as dívidas que provenham de decisões judiciais, dívidas alimentícias, fiscais, parafiscais e as dívidas relacionadas exclusivamente à atividade profissional.

 

§2º – A impossibilidade determina-se pela insuficiência do patrimônio em função dos bens e rendimentos, tanto atuais como esperados, e das obrigações constituídas, ainda que estejam por vencer no momento da apresentação do pedido;

 

§3º – Fica assegurada a garantia legal da impenhorabilidade prevista no artigo 649 do Código de Processo Civil;

 

Artigo 26 – DO COMBATE AO ABUSO. O procedimento estabelecido nesta lei aproveitará, exclusivamente, aos devedores de boa-fé, ou seja, cujo endividamento seja resultante de atos praticados sem o intuito doloso de prejudicar ou fraudar o direito dos credores.

 

Artigo 27 – DA BOA-FÉ DO CONSUMIDOR. A boa-fé do devedor é presumida, sempre caracterizada quando a insuficiência patrimonial resultar de:

a) doença, acidente ou outro evento fortuito ou imprevisto, inclusive falecimento de familiar;

b) modificação grave ou imprevisível da situação laboral;

c) alteração do núcleo familiar ou das suas condições de existência, que seja capaz de afetar o orçamento doméstico;

d) exploração pelo credor da situação de necessidade, inexperiência, dependência, estado mental, fraqueza ou ignorância do consumidor tendo em vista a sua idade, saúde, condição social, entre outras circunstâncias pessoais relevantes.

 

 

Seção II – DO PROCEDIMENTO

 

Artigo 28 – DAS MODALIDADES DE TRATAMENTO. As pessoas físicas tuteladas por essa lei poderão requerer a regularização do conjunto de suas dívidas e obrigações através de acordo consensual (fase conciliatória), com os credores ou de plano judicial de pagamento (fase judicial).

 

Artigo 29 – DA COMPETÊNCIA. O procedimento será proposto perante o Poder Judiciário Estadual, a partir do preenchimento de formulário-petição (Anexo I)[5] que poderá estar à disposição dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor , na qual o devedor declarará:

a) dados pessoais sócio-econômicos;

b) rendimento mensal e despesas correntes;

c) composição do núcleo familiar;

d) relação de todos os credores e respectivos endereços, com indicação dos montantes de seus créditos, datas de vencimento, garantias de que se beneficiem. Integrará, ainda, a descrição da atuação do credor relativa ao fornecimento das informações sobre os encargos contratuais e se o crédito foi fornecido quando o consumidor já estava inserido em cadastros de inadimplentes;

e) relação do ativo e respectivo valor, com indicação dos bens próprios e comuns;

f) identificação de todas as ações e execuções contra si pendentes;

g) descrição dos fatos que determinaram o aparecimento da situação de impossibilidade de satisfazer pontualmente as obrigações assumidas.

 

§2º – Se o devedor tiver dificuldade em fornecer com exatidão os dados relativos aos créditos pelos quais é responsável, o juiz poderá requisitar as informações necessárias diretamente dos credores, banco de dados, serviço de previdência e seguridade social, administração pública ou outras instituições que estejam habilitadas a fazê-lo.

 

§3º – O devedor será advertido de que a análise da boa-fé processual levará em conta a veracidade das informações prestadas quando do preenchimento do formulário-petição.

 

 

Artigo 30 – DO DEVER DE COOPERAÇÃO. No decurso do procedimento, os interessados deverão colaborar no sentido da apuração correta da obrigação contraída pelo devedor, prestando informações completas e apresentando sem demora os meios de prova que lhe forem pedidos.

 

Parágrafo único – O descumprimento do dever de cooperação, pelo devedor, pode implicar a perda do direito de se beneficiar da reestruturação do passivo sem prejuízo das demais sanções legais. Em relação ao credor pode implicar o agravamento das medidas porventura aplicadas no plano judicial sem prejuízo das demais sanções legais, inclusive a pena de litigância de má-fé.

 

 

Artigo 31 – DAS DESPESAS. O acesso ao procedimento previsto essa lei independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

 

 

Artigo 32 – DO PRIVILÉGIO DE FORO. É competente para processar e julgar o procedimento previsto nesta lei o foro do domicílio do consumidor.

 

Artigo 33 – DA ASSISTÊNCIA AO DEVEDOR. Nas causas de valor estimado em até 20 (vinte) salários mínimos, o devedor comparecerá pessoalmente, podendo ser assistido por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

 

Artigo 34 – DA ACOLHIDA E ACONSELHAMENTO INTERDISCIPLINAR. Na oportunidade da entrega do formulário/petição, o devedor poderá ser atendido por profissional das áreas da assistência social, da psicologia, dentre outras, assim como por integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor capacitado ao aconselhamento acerca da prevenção e do tratamento do superendividamento.

 

Seção III – FASE CONCILIATÓRIA

 

 

Artigo 35 – DA OBRIGATORIEDADE. A fase de conciliação é obrigatória.

 

Artigo 36 – DO CONCILIADOR. A audiência de conciliação será conduzida por juiz de direito ou por conciliador selecionado preferentemente entre os bacharéis em direito, nomeado e orientado por juiz de direito.

 

Artigo 37 – DAS ATRIBUIÇÕES. Compete ao conciliador:

 

I.                   abrir a audiência esclarecendo sobre as vantagens da conciliação e os objetivos desta lei;

II.                analisar o ativo e passivo do devedor, proceder ao chamamento de todos os credores declarados pelo devedor, elaborar e propor planos de pagamento de acordo com o orçamento do devedor;

III.             promover a pacificação social, facilitando o diálogo entre as partes, sugerindo medidas de atenuação do superendividamento com intuito de obter a conciliação.

 

Artigo 38 – DOS CREDORES -Todos os credores declarados no formulário-padrão serão convidados para audiência de conciliação com o devedor que ocorrerá no prazo máximo de 60 dias, a contar do preenchimento e assinatura do formulário-petição pelo consumidor. A audiência será conjunta, ou seja, reunidos o superendividado com todos os seus credores simultaneamente, no mesmo dia e horário.

 

Parágrafo único – As cartas-convites serão remetidas, preferencialmente, por via eletrônica.

 

Artigo 39 – DA SANÇÃO PELA AUSÊNCIA- A ausência injustificada a audiência de conciliação acarretará:

 

I – no caso do credor, a suspensão dos encargos de mora, a contar da data desta audiência;

II – no caso do credor com crédito consignado, a suspensão do pagamento e dos encargos de mora;

III – no caso do devedor, o arquivamento do procedimento, sendo facultado o desarquivamento mediante o pagamento de custas.

 

Artigo 40 – DO ACORDO – O acordo com os credores traduz-se na aprovação de um plano destinado a conseguir, no final da sua vigência, o saneamento da situação patrimonial ou do superendividamento do devedor, mediante a adoção das medidas de reestruturação aceitas pelo devedor e seus credores.

 

Artigo 41 – DAS NEGOCIAÇÕES -  As negociações tendentes à celebração do acordo de pagamento devem orientar-se no sentido de conseguir a participação de todos os credores interessados em uma solução de equidade que implique comprometimento, durante o período de tempo convencionado, dos rendimentos previsíveis do devedor ao pagamento do passivo reestruturado. 

 

Artigo 42 – DO PLANO – O plano poderá conter medidas de temporização ou reescalonamento do pagamento das dívidas, de remissão das mesmas, de redução ou de supressão da taxa de juros, de consolidação, de criação ou de substituição das garantias, entre outras medidas indispensáveis para adequar o passivo às possibilidades de cumprimento efetivo do devedor em questão.

 

Artigo 43 – DO MÍNIMO EXISTENCIAL – O plano deverá observar a reserva do mínimo existencial, de modo que sua execução não venha a prejudicar a  manutenção básica do consumidor e de sua família ou o pagamento das despesas correntes de sobrevivência.

 

Artigo 44 – DOS DEVERES DO DEVEDOR – O plano pode subordinar estas medidas ao comprometimento pelo devedor de determinados atos tendentes a facilitar ou a garantir o pagamento da dívida. Ele pode, igualmente, os subordinar à abstenção pelo devedor de atos suscetíveis de agravar sua situação de insolvência.

 

Artigo 45 – DAS AÇÕES – Havendo ações em tramitação no Poder Judiciário, o plano acordado deverá esclarecer quanto a sua suspensão ou a sua extinção.

 

Artigo 46 – DOS CADASTROS E DOS BANCOS DE DADOS – Se o nome do devedor estiver registrado em cadastros de inadimplentes, o acordo contemplará a data em que o credor procederá à exclusão dos dados do devedor.

 

Artigo 47 – DO TÍTULO JUDICIAL – O acordo deverá ser homologado pelo Juiz de Direito, mediante sentença com eficácia de título executivo.

 

Seção IV – DA FASE JUDICIAL: Reestruturação do Passivo

 

Artigo 48 – DO PLANO JUDICIAL DE PAGAMENTO- Caso inexitosa a conciliação com um ou mais credores, presentes ou não, o devedor poderá requerer no prazo de 15 (quinze) dias, perante o juízo competente, a reestruturação do passivo através de um plano judicial, relativamente às dívidas não acordadas, independentemente de nova conciliação.

 

Parágrafo único – O consumidor deverá instruir o pedido com todos os documentos hábeis à demonstração de seu ativo e passivo, arrolando aqueles que dependam de requisição judicial, se for o caso e, quando possível, com uma sugestão de plano de pagamento aos credores.

 

Artigo 49 – DA CITAÇÃO DOS CREDORES – Juiz procederá à citação de todos os credores cujos créditos não integraram o acordo obtido na fase conciliatória.

 

§1º – A citação dos credores será feita pessoalmente, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente constituído, observando as normas previstas no Código de Processo Civil.

 

§2º – A citação dos eventuais interessados será feita por edital, na forma do artigo 231 do Código de Processo Civil.

 

Artigo 50 – DA RESPOSTA – Citados, os credores e eventuais interessados terão o prazo de 15 (quinze) dias para responder ao pedido de reestruturação judicial, apresentando as razões que entenderem de direito, as especificidades do(s) contrato(s) firmado com o consumidor, o valor da(s) dívida(s) pendente(s).

 

Parágrafo único – A ausência de manifestação do credor importará na revelia, nos termos artigo 319 do Código de Processo Civil.

 

Artigo 51 – DA ADMISSIBILIDADE – Após a citação, com ou sem a resposta dos credores, o juiz decidirá quanto à admissibilidade do procedimento de reestruturação judicial, mediante a análise da totalidade da renda e do patrimônio disponível do consumidor, do passivo já acordado na fase conciliatória e do passivo pendente.

 

§1º – A decisão admitindo o procedimento importará:

I – a vedação do ajuizamento de ação executiva contra o devedor;

II- na suspensão das ações executivas pendentes;

III – na suspensão dos juros e encargos contratuais;

IV – na exclusão dos bancos de dados.   

 

Artigo 52 – DO PROCESSAMENTO – Admitido o processamento do pedido de reestruturação judicial, o juiz poderá determinar as diligências que entender cabíveis para a complementação das informações relativas às condições pessoais do devedor e dos contratos integrantes da causa de pedir, designando audiência de conciliação, instrução e julgamento, se for o caso.

 

Artigo 53 – DA AUDIÊNCIA -Na audiência de conciliação, instrução e julgamento, será colhida a prova oral. Sobre os documentos apresentados por uma das partes, manifestar-se-á imediatamente a parte contrária, sem interrupção da audiência.

 

Artigo 54 – DA SENTENÇA – Finalizada a instrução, o juiz proferirá sentença, apreciando:

 

I – as contestações apresentadas;

II – a suspensão dos encargos de mora resultantes da eventual ausência de credor na audiência de conciliação e da decisão de admissibilidade;

III – o plano de reestruturação com objetivo de restabelecer a situação financeira do devedor, permitindo-lhe, na medida do possível, pagar as suas dívidas e garantindo-lhe simultaneamente o bem-estar da sua família e a manutenção de uma vida digna;

IV – a suspensão ou a extinção dos processos porventura em tramitação;

V – as infrações que violem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores, informando os órgãos competentes.

 

Artigo 55 DAS MEDIDAS DO PLANO - O plano observará o prazo máximo de 4 (quatro) anos e poderá conter medidas de temporização ou reescalonamento do pagamento das dívidas, de remissão das mesmas, de redução ou de supressão da taxa de juros, de consolidação, de criação ou de substituição das garantias, entre outras medidas indispensáveis para adequar o passivo às possibilidades de cumprimento efetivo do devedor em questão.

 

§1º – O plano deverá observar a reserva do mínimo existencial, de modo que sua execução não venha a prejudicar a  manutenção básica do consumidor e de sua família ou o pagamento das despesas correntes de sobrevivência, sem prejuízo da manutenção do bem de família e da impenhorabilidade prevista no art. 649 do CPC.

 

§2º – O plano poderá subordinar estas medidas ao comprometimento pelo devedor de determinados atos tendentes a facilitar ou a garantir o pagamento da dívida. Ele pode, igualmente, os subordinar à abstenção pelo devedor de atos suscetíveis de agravar sua situação de superendividamento.

 

Artigo 56 – DA ELABORAÇÃO DO PLANO – Na elaboração do plano de reestruturação judicial, o julgador deverá considerar, ainda:

I)                  as condições pessoais do devedor;

II)               a conduta do fornecedor do crédito antes da celebração do contrato, ou seja, se observou os deveres de informação e de conselho, se consultou os bancos de dados e se avaliou a capacidade de reembolso do consumidor, podendo aplicar a sanção de perda dos juros remuneratórios ao fornecedor de crédito faltoso, ficando o consumidor obrigado a restituir apenas o capital emprestado, corrigido monetariamente pelo índice oficial.

 

Artigo 57 – DO CUMPRIMENTO – O cumprimento de sentença observará o procedimento previsto no artigo 475 J do Código de Processo Civil, prosseguindo individualmente quanto à cada credor.

 

CAPÍTULO IV – DAS DISPOSIÇÕES FINAIS:

 

Artigo 58 – DA EXTINÇÃO – O procedimento será extinto, sem julgamento do mérito, além dos casos previstos em lei, quando:

I – o consumidor deixar de comparecer, injustificadamente, a qualquer das audiências;

II – o julgador rejeitar o juízo de admissibilidade do procedimento, nos termos do artigo 51 desta lei.

 

Artigo 59 – DA SANÇÃO – É vedado ao consumidor a obtenção do benefício legal da reestruturação judicial, assegurada nesta lei, caso tenha sido beneficiado anteriormente, no prazo de 2 (dois) anos. 

 

Parágrafo único – A vedação constante do caput deste artigo não se aplica ao consumidor que, comprovadamente, deixar de pagar de cumprir o acordo ou o plano de reestruturação judicial em razão das situações previstas no artigo 28, alíneas a, b, c.

 

Artigo 60 – DA SANÇÃO POR MÁ-FÉ DO CONSUMIDOR- Acarretará o vencimento antecipado das dívidas contempladas no acordo ou no plano de reestruturação judicial o devedor que após a apresentação do pedido:

I- prestar dolosamente falsas declarações ou produzir documentos inexatos com o objetivo de utilizar os benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento;

II- dissimular ou desviar, ou tentar dissimular ou desviar, a totalidade ou uma parte de seus bens com idêntico objetivo;

III- agravar sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou praticar atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento ou durante a execução do plano.

 

Artigo 61 – DA MÁ-FÉ DO CREDOR – Reputa-se litigante de má-fé o credor que incidir em quaisquer das previsões contidas no artigo 17 do Código de Processo Civil, sendo-lhe aplicáveis as sanções previstas no artigo 18 da mesma lei.

 

CAPÍTULO V – DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

 

Artigo 62 – DAS INFRAÇÕES – Deverá ser criado o Fundo de Negociação do Endividamento para apoio dos Poderes Judiciários Estaduais na execução desta lei, a qual poderá receber as multas civis e administrativas das infrações enquanto este fundo não for criado.

 

§1º – Nas infrações ao Código de Defesa do Consumidor e a esta lei, os julgadores poderão canalizar os recursos para o Fundo de Negociação do Endividamento ou diretamente a projeto local, enquanto este não for criado.

 

§2º – Os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor poderão canalizar os recursos advindos dos Termos de Ajustamento de Conduta e das multas, na forma da lei, ao referido Fundo ou diretamente a projeto local, enquanto este não for criado.

 

Art. 63 – DA VACATIO LEGIS Esta lei, em complementação ao disposto na Lei 8.078/90, entra em vigor 90 dias após a sua publicação no Diário Oficial da União.

 


[1]  Veja MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito de consumo, in MARQUES, Claudia Lima e CAVALLAZZI, Rosângela (Coords.), Direitos do Consumidor endividado: superendividamento e crédito, São Paulo: RT, 2006, p. 256 (também publicado in Revista de Direito do Consumidor(2005) vol. 55, p.  1 e seg.)

[2] Veja as pesquisas realizadas em conjunto pelo Grupo de pesquisa CNPq “Mercosul e Direito do Consumidor” e o PPGDir./UFRGS, em especial uma pesquisa empírica coordenada pela Profa. Dra. Claudia Lima Marques, realizada em conjunto com o Núcleo Civil da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, com 100 casos de superendividamento de pessoas físicas consumidores no Rio Grande do Sul, e uma pesquisa no Rio de Janeiro (Defensoria e PUC-Rio, coordenada pela Profa. Rosangela Cavallazzi) e, após, uma pesquisa em São Paulo (coordenada pelo PROCON-SP), in  MARQUES, Claudia Lima e BENJAMIN, Antônio Herman, Consumer Over-indebtedness in Brazil and the need of a new consumer Bankruptcy legislation, in RAMSAY, Iain et alii (Ed.), Consumer Over-indebtedness, Oxford, Hart Publ, 2009, p. 156 e seg.

[3] Veja a experiência de mais de 2 anos de projeto piloto das magistradas Clarissa Costa de Lima e Karen Bertoncello, e as conclusões de seus trabalhos de Mestrado no PPGdir./UFRGS, in LIMA, C.C. e BERTONCELLO, K. D. Superendividamento, Ed. GZ: Rio de Janeiro, 2009.

[4]              Inspiração colhida da “DECLARAÇÃO DE SALVADOR”, firmada pelos países Argentina, Brasil e Uruguai, no mês de agosto de 2009, no âmbito do Comitê Técnico n.07 Defesa do Consumidor – CCM-Mercosul.

[5]     O formulário-petição é originário do formulário-padrão criado para a pesquisa empírica realizada em 2004, pelo Núcleo de Pesquisa em Superendividamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenado pela Prof. Dra. Cláudia Lima Marques, Grupo de Pesquisa Consumidor e Mercosul – CNPq, sendo posteriormente utilizado no projeto-piloto, intitulado “Tratamento das situações de superendividamento do consumidor”, do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul a partir do ano de 2006.

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Comentado por altair araujo loureiro em 11/11/10

11 /11/2010 quinta feira pesquizando no site cnj pude tomar conciencia a respeito dos direitos do consumidor e venho por meio desta fazer um apelo ou seja pedir uma ajuda a voces estou com uma divida com o carrefour esta divida estava em 1200 reais entrei em cntato com eles e pedi pra negociar a divida mais eles nao quizeram negociar comigo a tambem mandaram meu nome pro serasa estou desesperado porque nao bastasse sujar o meu nome a divida que era 1200reais foi para 2900reais estao cobrando juros sobre juros ah etem mais so o que ja paquei do minimo do cartao dava para pagar uns tres cartoes nao estou recusando de pagar a divida estou pedindo apenas para eles parcelarem mais eles me responde que o carrefour nao faz parcelamento como pode so eles que nao parcelam eu devia para dois bancos e eles entraram num acordo comigo e parcelaram a divida ambos nao ficaram no prejuizo somente o carrefour nao quer negociaçao ja liguei pra central ja mandei email e nao obtenho resposta de negociaçao sem contar que ligam todos os dias para minha casa e pro meu trabalho me cobrando obrigado

Pingback por CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO, SEM A CORDA NO PESCOÇO - ANTEPROJETO VEM PROPOR FORMA GLOBAL DE TRATAR AS DÍVIDAS E POSSIBILITAR A RECUPERAÇÃO FINANCEIRA - Flávio Citro - em 13/6/10

[...]  http://www.flaviocitro.com.br/v1/index.php/2010/06/04/anteprojeto-propoe-prevencao-e-renegociacao-ju… [...]

Comentado por Valmir José Gonçalves em 4/6/10

Boa tarde!!!!
Gostaria de saber se já está em vigor o convenio firmado entre a Defensoria Pública de S.P e o Procon /SP, sobre ajuda aso super individados, como e o meu caso.
Certo de contar com vossa atenção,
Agradeço
Valmir

Site publicado em 04/05/2009
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