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NOVA POSTURA PARA TROCAR CONFLITO POR DIÁLOGO

Para especialistas, compromisso público de reduzir queixas firmado pelas empresas pode ser uma revolução
A era moderna da defesa dos direitos dos consumidores no Brasil foi aberta esta semana com a divulgação das metas de redução de queixas nos Procons pelas empresas mais reclamadas nas áreas de telefonia, financeira, supermercados e varejo. Essa é a avaliação das entidades de defesa do consumidor, do governo e também das empresas. Tão importante quanto os números — que preveem quedas nas reclamações entre 5% e 30% —, dizem, é a mudança de postura, que transforma a antiga arena de batalha em um campo de negociação e busca de sinergia.
— É uma revolução das relações entre Estado, consumidor e fornecedores. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) dá como direito básico a prevenção de danos, mas, até agora, as empresas pareciam só se preocupar com a reparação. Esse mecanismo mostra uma mudança na forma de encarar as reclamações como oportunidades de rever o processo e corrigi-lo. É uma relação mais moderna — avalia a advogada Maíra Feltrin Alves, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Diretor de Atendimento da Fundação Procon-SP, Robson Campos destaca a importância do compromisso público:
— É uma política pública inovadora e extremamente positiva, pois exige um envolvimento total da empresa, levando o atendimento ao consumidor para o planejamento estratégico. Além disso, cria um novo indicador para comparação das empresas pelos consumidores. Nos 20 anos do CDC, o Procon tem que realmente deixar de ser uma extensão do balcão de atendimento das empresas. É preciso virar a página.
O Procon-SP, aliás, a exemplo do DPDC, já convocou as empresas mais reclamadas no ranking da entidade para firmar metas de redução de queixas. No Procon do Rio, esse processo ainda não começou. Mas o subsecretário de Defesa do Consumidor do Estado do Rio, José Teixeira Fernandes, também acredita que esse é o caminho. Em dois meses, o DPDC lançará um instrumento para que o cidadão acompanhe a evolução das metas, o barômetro. O resultado final da primeira etapa sai em agosto.
Na visão de Marcelo Linardi, superintendente de Ouvidoria do grupo Santander, o principal subproduto do acordo é o avanço no diálogo:
— O que motivou a meta não foram apenas o número de reclamações, mas também a abertura do diálogo que inaugura um novo ciclo. Estabelecer uma meta pública foi um desafio, queríamos ser ousados, sem sermos sonhadores. E o impressionante é o aumento do envolvimento dos funcionários da empresa com esse objetivo. O resultado será qualitativo e quantitativo, possibilitando avaliar melhor o nível de maturidade e comprometimento das empresas.
Gizelda Giampietro, superintendente executiva da Área de Atendimento do HSBC, também enxerga na assinatura dos compromissos uma mudança de patamar das relações entre empresas, DPDC e Procons:
— Nós os enxergamos hoje como parceiros. E entendemos que é preciso reinventar o atendimento. Não queremos que problemas ocorram, mas se acontecerem queremos resolvê-los em casa. Ter consumidores conscientes de seus direitos e deveres é bom para a sociedade. Quando todos se comprometem é bacana para o Brasil.
A maturidade da iniciativa também é exaltada por Francisco Calazans, superintendente de Relacionamento com o Sistema de Defesa do Consumidor do Itaú-Unibanco:
— No ano em que o CDC completa 20 anos, isso se insere num compromisso básico de cidadania e respeito ao consumidor.
O italiano Paolo Tazzioli, diretor da área de Satisfação do Cliente da Tim Brasil, que chegou ao país em meio a entrada em vigor do Decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), que estabeleceu um padrão para o atendimento telefônico, vê as metas como uma evolução desse processo:
— O decreto falava do acesso do consumidor à empresa. Agora estamos discutindo a solução de conflitos, é uma evolução. É preciso olhar as coisas em perspectiva. O que poderia ser uma arena de batalha, virou uma parceria. As metas são desafiantes, não é simples, mas é necessário. E isso inclui mudanças operacionais e culturais.
Para Marcella Oliboni, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Rio, houve uma quebra de paradigma:
— As empresas passam a assumir publicamente o ônus de seus erros. E assumir as falhas não prejudica a imagem. A questão é a persistência no erro. O lucro é legítimo, constitucional, mas abusar, lucrar no prejuízo do outro, isso não pode. E assumir um compromisso público fortalece a imagem das empresas e acredito que o consumidor vai corresponder com um voto de confiança.
Entusiasta do diálogo, Ricardo Morishita, diretor do DPDC, ressalta que a existência de metas não modificará o trabalho de fiscalização e punição do órgão:
— Buscamos a convergência para a solução. É o que queremos para os próximos 20 anos. Mas isso não significa que o Estado vai deixar de fiscalizar. Sempre que houver resistência ao cumprimento dos direitos do consumidor o Estado fará o seu papel, com pulso forte.
Jornal: O GLOBO
RICARDO MORISHITA
02/05/2010
Régua que mede resultados
Para Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, o estabelecimento de metas cria uma nova forma de medir os avanços reais no atendimento ao consumidor, garante transparência e mostra a maturidade de todos os envolvidos.
Como surgiu a ideia de convocar as empresas para estabelecer metas?
RICARDO MORISHITA: O Sindec já funcionava como uma “régua” para medirmos as demandas dos consumidores, as empresas e os assuntos mais reclamados e foi um passo para considerarmos seu uso institucional para medir avanços reais para os consumidores das ações de melhoria das companhias. Se há um compromisso de melhoria ele deve ser uma materialização para os consumidores, num determinado espaço de tempo e na forma de diminuição das reclamações, dos processos e, por fim, no aumento de acordos dos processos nos Procons. Com a publicação do Cadastro de Reclamações de 2009, convidamos os principais segmentos e empresas com mais demandas a expressarem seus compromissos. Registramos a importância de olharmos para o futuro. E a avaliação inicial é muito positiva.
Esse procedimento será ampliado?
MORISHITA: Esperamos compartilhar a experiência com todas as autoridades estaduais de defesa do consumidor. A descentralização da defesa do consumidor é um mandamento constitucional e quanto mais próxima e junto ao cidadão, maior será a sua efetividade.
A divulgação de metas dá transparência…
MORISHITA: A transparência é indissociável da política pública e sobretudo da cidadania. Numa sociedade complexa, o cidadão necessita de acesso a informações, seja para exercer a sua proteção econômica ou a liberdade de escolha. Saber quais as empresas mais reclamadas é fundamental, mas é estratégico conhecer o compromisso que assumem diante de um conflito.
É o começo de um nova era?
MORISHITA: A democracia, quando amadurecida, enseja de toda a sociedade o desempenho de papéis mais ativos. O consumidor passa a protagonizar não apenas intervenções de cunho individual, mas de modo coletivo, ao considerar a política de atendimento das empresas. E os fornecedores também podem ser mais ativos, propondo metas e medidas que transformem e superem os desafios existentes. (L.C.)
Jornal: O GLOBO  Luciana Casimiro 02/05/2010

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Site publicado em 04/05/2009
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