Flávio Citro - Direito Eletrônico

EM APOTEOSE – AS JORNADAS DE DIREITO DO CONSUMO EM MIRANDELA COM UM FORTE SABOR LUSO-BRASILEIRO

O programa das Jornadas Transmontanas de Direito do Consumo aprazado para Mirandela teve notas de distinção. A primeira comunicação intitulada “A Educação para o Consumo como Direito Fundamental” esteve a cargo de Ângela Maria Marini Simão Portugal Frota, directora Centro de Formação para o Consumo afecto à apDC, em Coimbra, e nela se versou a temática da educação e da formação para o consumo com base tanto nos preceitos plasmados nos instrumentos internacionais, como na Constituição Portuguesa e na Lei de Defesa do Consumidor.

A prelectora recusou que a educação para o consumo se pudesse transformar numa disciplina mais e advogou a sua inserção curricular, oferecendo uma larga cópia de exemplos – disciplina a disciplina – de como se poderia integrar nos programas a extensa gama de matéria relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores, como propugna a LDC.

De seguida, usou da palavra a Mestre Rute Couto, a um tempo, docente do ESACT/IPB e presidente da delegação da apDC de Trás-os-Montes, versando o tema “A Proposta de Directiva Dos Direitos do Consumidor: progresso ou retrocesso no estatuto do consumidor?”. Numa inteligente comparação entre o que se tem, no plano legislativo, em Portugal, e o que ora nos oferece a Directiva de Protecção Mínima de Direitos Nivelados em toda a Europa, a prelectora pôde assim mostrar quão decepcionante seria se o tal instrumento viesse a ter plena consagração normativa na União Europeia, já que os portugueses e os que vivem em Portugal perderiam decerto muito com a sua aprovação e vigência. Claro que se trata de um notável retrocesso, o que não enobrece a União Europeia nem a aposta de Barroso numa Europa em que há que restituir a dignidade perdida aos consumidores.

Mário Frota, presidente da apDC e director do Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra, ocupou-se, a seguir, de um tema sempre actual: “Cláusulas Abusivas nos Contratos de Consumo: o problema, as soluções”.
Traçou com base na doutrina o problema, recorreu à jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, para se reportar às soluções nem sempre conseguidas, mas que os julgados oferecem, sobretudo no que toca à Cognoscibilidade (comunicação e informação do conteúdo dos contratos), Legibilidade, Audibilidade e Visualidade das Cláusulas apostas nos contratos singulares, Inteligibilidade, Contextualidade e Vinculatividade pela subscrição de tais cláusulas.
Depois, e só se os contratos singulares se tiverem por válidos, revelou os passos em ordem à análise material pelo recurso às listas negras e cinzentas, que não constituem, aliás, listas fechadas, permitindo a sua permanente reconstrução, e, como recurso, ao princípio fundamental da boa-fé.
Como soluções, aventou as inovações que a Lei portuguesa deveria consagrar, impondo-se uma consequente intervenção do legislador: criação da figura do “termo de ajustamento de conduta” que Ministério Público e Direcção-Geral do Consumidor deveriam poder dispor para pôr termo aos inquéritos preliminares e às subsequentes acções se se detectarem cláusulas abusivas e condições gerais proibidas; alargamento do âmbito do caso julgado – de “ultra partes” a “erga omnes” – e criação da Comissão Nacional das Cláusulas Abusivas; efectivação e reconversão do Registo Nacional de Cláusulas Abusivas; efectivação da “legitimidade processual activa” conferida à Direcção-Geral do Consumidor.
Estas coisas não podem ficar-se pelas meras enunciações repetidas sem consequências práticas de qualquer espécie.
O Novo Regime do Crédito ao Consumidor: o crédito responsável como paradigma” foi o tema tratado de forma particularmente solta e segura pela Mestre Susana Ferreira dos Santos, docente da ESACT/IPB e membro da Delegação de Trás-os -Montes da apDC, que revelou os propósitos da Lei Nova pela qual se opera a inversão do paradigma “Do Crédito Selvagem ao Crédito Responsável”, confiando-se que a Entidade de Supervisão –o Banco de Portugal – não denegue os seus poderes, permitindo, como até então, os desvarios que afectaram centenas de milhares de consumidores, vítimas de uma omissão criminosa. Abordou o tema metodologicamente – dos preliminares à conclusão e execução do contrato, fixando-se na responsabilidade pré-contratual em decorrência quer das violações ao regime da publicidade, hoje imperativamente mesclado de informações inderrogáveis e rigorosas, quer das informações pré-contratuais que a Lei Nova meticulosamente, dir-se-ia, cirurgicamente, define e traça para que o consentimento do consumidor possa ser livre, ponderado e esclarecido.
Excelente a prestação desta prelectora que procurou, em matéria de tanta dificuldade, tornar fácil o difícil e simples o complexo, apelando sistematicamente ao registo de outras noções dos estudantes presentes para melhor compreensão do tema.

De seguida, Flávio Citro Vieira de Mello, magistrado afecto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professor da disciplina de Direito do Consumidor no ensino superior na antiga capital no Brasil, apresentou uma interessante exposição subordinada ao título “O Sobreendividamento dos Consumidores – Soluções Possíveis”.
Passeou-se pelas situações de facto cuja ocorrência, na generalidade, se verifica em Portugal, peregrinou pelos frisantes exemplos oferecidos pelos Estados Unidos, deambulou pelo Brasil e, depois, procurou as soluções adequadas para superar esse autêntico flagelo social que é o do excessivo endividamento das famílias.

Fê-lo de uma forma segura, sinal do domínio de uma matéria sobre a qual tem reflectido maduramente, fê-lo de uma forma entusiasmante, fê-lo de forma brilhante. E, na contraluz, deu-nos a situação no Brasil, onde não há leis expressas em ordem à prevenção e repressão do sobreendividamento, mas que, às avessas, os instrumentos actualmente disponíveis sobre a impenhorabilidade do salário, da habitação da família e do mais, em que se inclui a não cobrança constrangedora de dívidas e as indemnizações por damos morais que a situação é susceptível de acarretar, constituem poderosos elementos de não accionamento dos sobreendividados, sendo certo que os juros excessivos do crédito no Brasil são reflexo de tudo isto: pagam os que honram os compromissos pelos que o não fazem pela repercussão do indébito na esfera dos mais consumidores de crédito.
Marcus da Costa Ferreira, magistrado judicial no Tribunal de Justiça de Goiás e professor do curso de pós-graduação de Direito do Consumidor na Universidade em Anápolis, Estado de Goiás, versou o tema “O acesso dos consumidores à Justiça no Brasil: os juizados especiais”. Traçou o perfil do consumidor no Brasil, o conceito de relação jurídica de consumo e o papel relevantíssimo dos juizados especiais, enquanto órgãos de administração da justiça, sobretudo no período subsequente à Constituição-Cidadã de 1988. E, em jeito de remate, estabeleceu as principais diferenças entre os juizados especiais e os julgados de paz, de resto decalcados sobre o modelo vigente no Brasil, mas sem as prerrogativas e o enquadramento normativo daqueles, já que em Portugal os julgados são órgãos de resolução extrajudicial da justiça, ao invés do que ocorre na Brasil.
Marcus da Costa Ferreira apresentou-se de modo informal, fez uma exposição solta que muito agradou aos presentes, recorreu a exemplos marcantes fruto de uma experiência ímpar, aludiu a desvios persistentes das instituições de crédito e das sociedades financeiras nas relações com os consumidores, e enalteceu o modelo brasileiro dominado também pela informalidade que muito contribuiu para aproximar os cidadãos da justiça e para dispensar uma efectiva justiça aos consumidores dela outrora privados pelas naturais circunstâncias que rodeavam a estrutura dos órgãos de judicatura.
Após uma breve pausa para café, Mário Frota trouxe à liça o tema “Conflitos de Consumo e sua Resolução em Portugal”.
Principiou, talqualmente o fizera Marcus da Costa Ferreira, por definir relação jurídica de consumo, sujeitos, objecto e garantias, por se deter sobre o alargamento do conceito de consumidor às associações, fundações e sociedades mercantis no domínio dos serviços públicos essenciais e por significar quais os meios à disposição dos consumidores para resolução de eventuais litígios: tribunais das diferentes ordens de jurisdição, tribunais arbitrais de conflitos de consumo, julgados de paz, onde os haja.
Traçou, depois, as distinções entre transacção, conciliação, mediação e resolução de litígios.
E ofereceu aos presentes reflexões acerca das vantagens e desvantagens de cada um dos meios de resolução de conflitos.
Aludiu às sobreposições tribunais arbitrais/julgados de paz, em desfavor de uma tutela adequada: um mais que é geralmente um menos, e ao facto de o Regulamento de Custas ter subtraído direitos ao consumidor esvaziando de conteúdo o direito a uma justiça acessível e pronta.
O debate que se seguiu foi intenso e muito proveitoso no aclaramento de situações fundamentais afloradas pelos oradores.
O encerramento contou com a presença da Vereadora da Cultura, em representação do presidente da Câmara Municipal, que se achava ausente em Lisboa ao serviço do Município.
A presidente da delegação da apDC, Rute Coute, endereçou um agradecimento circunstanciado a quantos cooperaram para a realização das Jornadas. E dos objectivos que se têm em mente ao proporcionar à comunidade escolar como à envolvente iniciativas do jaez destas.
Mário Frota, presidente nacional da apDC, aludiu à penúria que neste particular se regista no interior desertificado do País e à enorme importância de que manifestações do estilo se revestem para o progresso dos povos. Exortou, em particular os jovens, a que se empenhem para resgatar o País da situação a que chegou por improbidade e incúria de tantos dos responsáveis, porque vítimas primaciais são exactamente as gerações que despontam para a vida.
A grande revolução de mentalidades está no ensino superior e nos que o frequentam cuja preparação tem de servir de base às modificações de que o País precisa para trilhar a senda do progresso e inverter os sinuosos caminhos que têm sido seguidos nos últimos tempos.
A Vereadora da Cultura falou das características das gentes das Terra Quente Transmontana e rejubilou pela acção que a apDC vem desenvolvendo na Região.
Terminou em apoteose as Jornadas.
Até houve quem sugerisse que as próximas se realizassem no Brasil!
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As Jornadas principiaram com a intervenção do presidente da apDC, Prof. Mário Frota, que traçou as linhas de força do evento e pelo anfitrião, Prof. Rui Pedro Sanches de Castro Lopes, que saudou os presentes e se regozijou pela actuante intervenção da Delegação da apDC de Trás-os-Montes, em iniciativa ímpar que cumpre a justo título acarinhar. Principiou a horas, manteve uma tal toada ao longo do dia, os temas tratados com particular elevação, rigor técnico e, por estranho que pareça, de uma forma perceptível a todos, suscitaram acalorado debate e os presentes deixaram-se embalar pelo interesse despertado pelos temas e deram por bem empregue o tempo despendido.

 por Jorge Frota da apDC

http://www.netconsumo.com/2010/04/em-apoteose-as-jornadas-de-direito-do.html

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Site publicado em 04/05/2009
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