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Conceito de Consumidor – Finalismo Aprofundado

Conceito de Consumidor

Fugindo à regra seguida pela maioria dos diplomas normativos (especialmente brasileiros), que evitam definir ou conceituar os sujeitos de sua aplicação, deixando que a doutrina e a jurisprudência o façam, o Código de Defesa do Consumidor, até mesmo visando à sua eficácia no ordenamento jurídico pátrio, tratou de trazer já em seu art. 2º, o conceito de consumidor, qual seja:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Verifica-se que o conceito trazido pela lei é bastante amplo, e tem conotação econômica e não jurídica, evitando tornar-se obsoleto e deixar de abarcar todo e qualquer sujeito que atue no mercado de consumo e possa ser inserido na categoria de consumidor.

A afirmação retro encontra amparo na doutrina de José Geraldo Brito Filomeno :

Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.

Mister observar que o Código não restringe a qualidade de consumidor à pessoa física, mas o estende também à pessoa jurídica, ampliando o rol dos favorecidos por suas disposições normativas.

O conceito amplo de consumidor também é minuciosamente descrito por Tupinambá Miguel do Nascimento:

Assim, consumidor pode ser a pessoa física, o que jamais alguém pretendeu negar. Mas uma pessoa jurídica, devidamente constituída e registrada, com personalidade independente da de seus membros, também pode adquirir, como destinatário final, uma máquina de escrever ou mesas de escritório, ou então servir-se da atividade de um autônomo, que venha lhe reparar a máquina. Esta pessoa jurídica, nestas situações, está abrangida, por ficção jurídica, pelo conceito de consumidor. [...] As sociedades irregulares – as que têm os atos constitutivos formalizados, embora sem o competente e necessário registro – e as sociedades de fato – as que são carentes de atos constitutivos e, logicamente, de registro, por não terem personalidade jurídica, não são consumidores. No entanto, nem por isso as relações de consumo em que, faticamente, participem estão destuteladas pelo Código do Consumidor. As pessoas que as compõem são pessoas físicas e, como tal, são as consumidoras.

Consumidor por Equiparação e Coletividade de Consumidores

O CDC considera consumidor não somente o adquirente de determinado produto ou serviço, mas também aquele que o utiliza, embora não o tenha adquirido. Assim, mesmo que entre determinado indivíduo e um fornecedor não tenha havido qualquer relação negocial, mas aquele primeiro utiliza ou usufrui produto ou serviço ofertado ao mercado de consumo por este último, haverá entre ambos relação de consumo, atraindo os direitos e deveres inerentes a cada um dos agentes consumeristas. São os chamados consumidores por equiparação.

O Código de Defesa do Consumidor, ainda prevê, em seu art. 17, que se equiparam a consumidor “todas as vítimas do evento danoso” ocorrido no mercado de consumo e, em seu art. 29, quando inicia o capítulo V, que dá tratamento às práticas comerciais (dentre elas as abusivas), que se equiparam a consumidor, ainda, “todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

Ainda, além da figura principal de consumidor, assim entendida a pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza produtos e serviços como destinatário final (art. 2º, caput), o CDC também considera como consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, como previsto no parágrafo único do referido dispositivo legal.

Entra em cena, portanto, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos, que podem ser objeto de ações coletivas, inclusive intentadas por associações voltadas à proteção dos direitos do consumidor, Ministério Público etc.

Em comentário ao parágrafo único do art. 2º do CDC, enuncia José Geraldo Brito Filomeno:

O parágrafo único do comentado art. 2º, porém, trata não mais daquele determinado e individualmente considerado consumidor, mas sim de uma coletividade de consumidores, sobretudo quanto indeterminados e que tenham intervindo em dada relação de consumo. [...] Desta forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em mira no parágrafo único do art. 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores.

A Figura do Destinatário Final

O único requisito imposto pelo CDC para que alguém seja considerado consumidor é que este seja o destinatário final do produto ou serviço adquirido ou utilizado. Em outras palavras, significa que, para haver relação de consumo, não basta que o produto ou serviço seja destinado ao insumo da atividade produtiva de outro agente econômico, mas é necessário que lhe seja dada nova destinação, com sua retirada do mercado de consumo.

Assim, se houver entre dois agentes do mercado consumerista relações de cunho negocial, não dispostas sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, pode-se dizer que tal relação será regida pelo Código Civil ou qualquer outra legislação específica, que não o CDC.

Nas relações jurídicas mantidas entre duas pessoas jurídicas, há quase sempre muita dificuldade para se determinar a aplicação do CDC, sob o argumento de que não haveria relação de consumo. No entanto, tal entendimento é equivocado e não merece persistir, em virtude do quanto já exposto. Assim, coube à jurisprudência e à doutrina aclarar os caminhos a serem percorridos pelos operadores do direito, a fim de extirpar toda e qualquer dúvida sobre a imperiosa aplicabilidade do Código de Defesa de Consumidor.

Como dito, a jurisprudência exerceu papel de grande relevância quanto à definição de destinação final do produto ou serviço, hoje já pacificada nos tribunais pátrios, especialmente no STJ:

RECURSO ESPECIAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – DESTINATÁRIO FINAL [...] – Insere-se no conceito de “destinatário final” a empresa que se utiliza dos serviços prestados por outra, na hipótese em que se utilizou de tais serviços em benefício próprio, não os transformando para prosseguir na sua cadeia produtiva.

A figura do destinatário final encontra amparo no conceito de consumidor de J. M. Othon Sidou: “O indivíduo, posto no elo final da economia, que adquire, por compra, coisa para seu proveito próprio”.

Assim, a aquisição de bens de capital para o exercício de uma atividade produtiva não estará abarcada pelo Código de Defesa do Consumidor, mas pelo Código Civil Brasileiro (CCB).

Ademais, não pode ser olvidado que para a configuração de uma relação de consumo, deve estar presente o pressuposto básico do direito consumerista, a vulnerabilidade de uma das partes: o consumidor.

Para Cláudia Lima Marques, “destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo [...], aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não aquele que utiliza do bem para continuar a produzir na cadeia de serviço”.

A Corrente Finalista

Abrandando o objetivo precípuo trazido pelo art. 2º do CDC, a corrente finalista entende como consumidor aquele que utiliza ou adquire um bem ou serviço para si, de forma não profissional, impedido de utilizá-lo em sua atividade produtiva.

A Corrente Maximalista

Segundo Cláudia Lima Marques, “os maximalistas vêem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não-profissional”.

Desse modo, a interpretação a ser dada ao art. 2º do Código de Defesa do Consumidor deve ser a mais ampla e extensa possível, servindo de fundamento maior para o mercado de consumo em si, não se restringindo somente às relações consumeristas de menor complexidade (entre consumidor não-profissional e fornecedor).

A Corrente Finalista Aprofundada

Numa simbiose das duas correntes acima mencionadas, consubstanciou-se a corrente finalista aprofundada, surgida a partir do advento do Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB).

Cláudia Lima Marques  bem discorre sobre o surgimento e afirmação dessa corrente:

Como mencionado na Introdução, desde a entrada em vigor do CC/2002, parece-me crescer uma tendência nova entre a jurisprudência, concentrada na noção de consumidor final imediato [...] e de vulnerabilidade (art. 4º, I), que poderíamos denominar finalismo aprofundado. Observando-se o conjunto de decisões de 2003, 2004 e 2005, parece-me que o STJ apresenta-se efetivamente mais ‘finalista’ e executando uma interpretação do campo de aplicação e das normas do CDC de forma mais subjetiva quanto ao consumidor, porém mais finalista e objetivo quanto a atividade ou papel do fornecedor. É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que merece ser saudada. De um lado, a maioria maximalista e objetiva restringiu seu ímpeto; de outro, os finalistas aumentaram seu subjetivismo, mas relativizaram o finalismo permitindo tratar de casos difíceis de forma mais diferenciada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços; provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente.

Com boa dose de fundamento legal e doutrinário, firmou-se essa nova corrente, que se põe a analisar caso a caso a existência de relação de consumo, e a identificação de seus agentes, consumidor e fornecedor, sempre voltada para o fundante primeiro do sistema consumerista: a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I).

                                                                 Alexsandro Gomes de Oliveira Bacharel em Direito pela PUC/PR. Advogado. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR

 

 

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Comentado por liliane em 28/9/11

Muito bom o seu texto!

Comentado por Karllos Anastacio em 29/4/11

Professor;

Imaginemos a seguinte situação:
Uma empresa de material de construção realizou uma compra de uma industria de aço. A mercadoria deveria ser entregue no prazo de 10 dias, o que não ocorreu, sendo entregue quase 27 dias depois. Como a empresa não tinha mais interesse nas mercadorias, estas foram devolvidas e foi solicitado o cancelamento do negócio. Para o espanto dos proprietários da empresa compradora, esta foi inscrita no cadastro de inadimplentes em decorrência da referida compra. Neste caso poderia ser enquadrado o CDC ou o CC/02?

Obrigado;

Karllos Anastacio

Comentado por Flávio Citro em 20/9/09

Diego, o artigo foi retirado do site Jus Navigandi, siga o link http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12283&p=1
V. MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. [et al.]. 2ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
Abs, Flavio Citro

Site publicado em 04/05/2009
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