Flávio Citro - Direito Eletrônico
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Entrevista – Flávio Citro

O Cadastro Nacional de Ações Civis Públicas, proposto pelo projeto de lei elaborado pelo Ministério da Justiça para regular esse tipo de demanda judicial, teve como inspiração uma iniciativa nesse sentido desenvolvida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). O juiz responsável, Flávio Citro, conta que o sistema está em funcionamento desde fevereiro do ano passado. E concentra todos os processos coletivos ajuizados no estado, pelas instituições legitimadas, ainda em curso ou já transitadas em julgado, nos últimos cinco anos. Na avaliação dele, essa é uma iniciativa que realmente pode ajudar a desafogar o Judiciário.
Por essa razão, o magistrado dá sugestões sobre como o sistema nacional deve funcionar. Ele acha que o cadastro do CNJ deve se valer das informações contidas nos bancos de dados dos tribunais estaduais e regionais. “O objetivo disso é permitir que uma tutela antecipada deferida aqui no Rio, com efeito erga omnes, obrigue a empre sa que atua em âmbito nacional. Esse cadastro nacional também vai servirn de fonte de consulta para que juízes de outros estados deixem de apreciar uma ação idêntica. Funcionará como uma medida de celeridade, de economia processual, que evitará que os estados façam o trabalho já realizado por outro”, afirmou.
Viabilizar e fomentar as ações civis públicas no Brasil são temas que cada vez mais vem despertando a atenção dos integrantes da Justiça brasileira. Tanto que esse é um dos pontos do 2º Pacto Republicano de Estado, assinado pelos chefes dos Três Poderes no início do mês para promover a tramitação das propostas legislativas em curso no Congresso que são de interesse do Poder Judiciário. “E isso é muito bom porque o quadro que nos defrontamos é assustador. Temos, na radiografia de um cartório de juizado, entre 1 mil e 1,5 mil ações idênticas e contra a mesma empresa. As ações são muito repetidas. Poderiam ser evitadas por uma só ação civil pública com tutel a antecipada”, explicou Flávio Citro, a importância da regulamentação desse tipo processual.

JORNAL DO COMMERCIO – Porque se resolveu criar esse banco?
FLÁVIO CITRO – Em primeiro lugar, a minha atuação nos juizados já permitia identificar que os juízes desses juízos não conheciam as ações civis públicas que tramitavam junto às varas empresariais (responsáveis pela apreciação dessas causas). Tínhamos decisões que conflitavam com tutela antecipada ou sentença em ação civil pública. E isso, como instituição, na área de defesa do consumidor, é um absurdo. Vou citar um exemplo concreto. Quando estava na turma recursal, recebia recursos de consumidores que pleiteavam a migração de seu telefone pós-pago para pré-pago com a manutenção do mesmo número. O juiz do juizado havia negado o pedido, sob o argumento de que a empresa havia alegado a necessidade de aprimoramento técnico. Na vara empresarial, havia tutela antecipada e sentença obrigando a concessionária a migrar, mas mantendo o número. Essa é uma situação paradoxal. Fizemos um levantamen to no tribunal para saber qual seria a área na qual poderíamos criar o cadastro. Fizemos uma peregrinação entre os legitimados (para propor esse tipo de ação): o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Rio, as principais associações de defesa de consumidor. Firmamos uma parceria. Quando eles ajuízam a ação civil pública, me encaminham. Eu a remeto para a Divisão de Conhecimento do TJ, que a lança no banco de dados.
O banco abrange somente ações com trânsito em julgado?
- Essas instituições encaminham a ação para o tribunal. A corte, então, disponibiliza a inicial na íntegra. Nosso objetivo é que todas as ações civis públicas que foram ajuizadas no Tribunal de Justiça sejam disponibilizadas na íntegra na internet para que consumidores, juízes, advogados, defensores públicos e promotores possam, independentemente de qualquer contato com a corte, abrir a página do banco de dados de ações ci vis públicas e fazer a pesquisa por objeto, identificando se! para aq uele assunto há alguma ação civil pública. No sistema, é possível ver a petição inicial; a tutela antecipada; a sentença; e, se for o caso, a decisão do tribunal. É possível também ver o andamento do processo, o que dá mesmo o caráter público a esse banco de dados. Isso ao fornecer essas peças e, o mais importante, ao informar que essa ação existe, se há ou não tutela ou multa, de modo a servir como elemento para que os jurisdicionados e advogados informem quando uma tutela antecipada foi ou não cumprida.
Quando o banco foi criado e qual o acervo dele?

- O banco funciona desde fevereiro do ano passado. Começou com todas as ações civis públicas movidas pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Comissão da Alerj e principais entidades de defesa do consumidor, nos últimos cinco anos. Temos um acervo grande. E a cada dia recebemos novas adesões de associações que antes não encaminhavam as petições iniciais.

O projeto sobre a ação civil pú blica prevê um cadastro nacional. Prevê também que somente serão ajuizadas novas ações se comprovado que não há demanda sobre a matéria a ser proposta. No cadastro do TJ-RJ, há essa exigência para o ajuizamento de novas demandas?

- Pelo objeto é possível verificar se não há nenhuma ação civil pública, mas não temos essa proibição. O que fazemos na prática é reunir a nova ação no juízo natural da ação que criou a prevenção. A gente segue o sistema do Código de Processo Civil. Se há uma segunda ação com o mesmo objeto de outra já ajuizada, vou cancelar essa segunda distribuição e fazê-la para o juízo original onde a primeira já corre. O cadastro se presta a consulta até das próprias varas empresariais, que poderão confirmar a existência ou não de ação anterior.

De que forma isso ajuda a reduzir o volume de processos?

- Evita por completo. Quando se faz a pesquisa, não há como não encontrar (a matéria tratada). Traz também celeridade à medida que f omenta a utilização das ações civis públicas. Desde que impl! antamos o cadastro, temos notado que o sistema, paulatinamente, vem migrando do conflito individual para o coletivo. E isso é muito bom porque o quadro que nos defrontamos é assustador. Temos, na radiografia de um cartório de juizado, entre 1 mil a 1,5 mil ações idênticas e contra a mesma empresa. As ações são muito repetidas. Poderiam ser evitadas por uma só ação civil pública com tutela antecipada. Exemplifica isso as taxas de renovação de cadastro cobradas pelo Itaú. Até acredito, e o Banco Central orienta, que seja possível, em tese, a cobrança da taxa de renovação de cadastro. Não é possível, porém, cobrar de todos os clientes ao mesmo tempo porque isso descortina essa prestação de serviço. Então, no momento em que se evta essa tutela, evitou-se milhares de ações idênticas. Isso é muito efetivo, muito prático. Conseguimos ver com muita facilidade esse efeito da ação coletiva como inibidor das ações individuais.

O projeto com as novas regras da ação civil pública prevê a criação de um cadastro nacional no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. A experiência do Rio pode subsidiar a implementação desse sistema?

- Ele já serviu. Acredito que nosso cadastro tenha sido levado em consideração até para inspirar o legislador. O que era uma coisa óbvia para gente que lida com isso, foi levado ao CNJ pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio, que encaminhou um ofício dizendo que, na reformulação do sistema de conflitos coletivos, se teria que levar em consideração a necessidade de criar um cadastro nacional. Recebemos, então, a notícia de que o CNJ trabalhou nessa ideia de sediar esse cadastro. E esse é mesmo o papel do Conselho nessa visão uniformizadora dos tribunais dos estados. O objetivo disso é permitir que uma tutela antecipada deferida aqui no Rio, com efeito erga omnes, obrigue a empresa que atua em âmbito nacional. Esse cadastro nacional também vai servir de fonte de consulta para que juízes de outros estados deixem de apreciar uma ação idêntica.

Como deve funcionar o cadastro nacional?

- Precisamos que o cadastro estadual tenha um link com o nacional. Se não teria que se criar uma superestrutura no CNJ para que possa receber de todos os tribunais estaduais as petições iniciais, as sentenças. Acho que isso é algo que ainda não foi discutido na prática, mas que já deveria ser. A estrutura que temos no Rio é voltada para receber petições iniciais e tutelas antecipadas de um núcleo de interessados. Assim, a Defensoria Pública, a Alerj e umas seis associações detêm 90% do volume de ações civis públicas cadastradas. Além disso, temos oito juízes nas varas empresariais que nos fornecem as tutelas antecipadas das sentenças. Agora imagina o CNJ desempenhar esse papel em relação ao País inteiro? Precisamos que os estados tenham seu cadastro, assim também de uma forma de sediar, no CNJ, uma pesquisa conjunta de todos os cadastros estaduais. Pelo menos é assim que imagino (como deveria ser o cadastro) tecnicamente. Seria mais prático que bancos regionais alimentassem o nacional.

 

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Site publicado em 04/05/2009
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